segunda-feira, 14 de janeiro de 2019


14 DE JANEIRO DE 2019
CÍNTIA MOSCOVICH

O RIO DE VIANNINHA E FURTADO

Rasga Coração, filme dirigido por nosso Jorge Furtado, realização da também nossa Casa de Cinema de Porto Alegre, é daqueles que não se pode perder. O texto de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianninha, escrito no início dos anos 70, impressionantemente carioca (e brasileiro e contemporâneo) é necessário onde quer que haja gente. Por se tratar de uma peça de teatro (foi, dirigida por José Renato Pécora, com Vera Holtz e Raul Cortez), a ênfase recaiu no trabalho dos três protagonistas, com planos médios e fechados, fato que expõe de imediato o drama (e que deixaria desguarnecidos atores menos talentosos). 

Marco Ricca, Drica Moraes e Chay Suede (sensacional revelação) compõem uma unidade perfeita, à qual se junta Luísa Arraes e, nos flashbacks, George Sauma (lindo contraponto). A trilha sonora, que sempre é primorosa nos filmes do Jorge, mais uma vez é um caso muito sério - a música da vez, Movimento dos Barcos, do Jards Macalé e Capinam, é um motivo de encher os olhos d?água. Dá gosto.

O filme abre e fecha com tomadas aéreas magníficas: uma em direção ao miolo de Copacabana e sua arquitetura de já velhos prédios modernistas e amendoeiras nas calçadas, outra em direção oposta, vinda do bairro à praia, até que a câmara se abre sobre o mar bem ali no Posto Seis.

A discussão ensejada é a da eterna luta entre pais e filhos. Lástima que a geração de Custódio-Manguari parece ter sido a última a realmente entender o que é democracia e liberdade. De lá a essa parte, lutar por ideais parece ter se tornado igual a lutar por vagem-manteiga ao invés de vagem-macarrão na salada. 

Furtado mantém o humor e a ironia mesmo quando o tom dificulta explorar qualquer graça - mas isso, uma certa imprevisibilidade, além de um espírito que sabe a amargura, parecem sempre atrair o diretor. Com calçadas de pedras portuguesas, praia e mar, o filme é também uma declaração de profundo amor ao Rio e sua gente, mesmo que seja com uma ponta de melancolia, do tempo em que o sol batia no parapeito das janelas e que os moradores perigavam queimar os cotovelos ao se debruçar para ver o movimento.

CÍNTIA MOSCOVICH

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