sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017



24 de fevereiro de 2017 | N° 18777 
CLÁUDIA LAITANO

Idiotas inúteis

O que a atriz Meryl Streep e o escritor Raduan Nassar têm em comum além da reconhecida excelência em seus respectivos ofícios? Quando eles falam – no caso de Raduan, mais ou menos uma vez a cada 40 anos –, as pessoas costumam parar para ouvir.

Nos últimos meses, a atriz tem usado todas as suas aparições públicas para criticar o governo de Donald Trump, tornando-se uma espécie de porta-voz sênior da classe artística americana – além de alvo de um dos tweets mais aloprados do novo presidente, que caprichou no humor involuntário ao qualificar a adversária como “a mais superestimada atriz de Hollywood”.

Raduan Nassar, o maior escritor brasileiro vivo, usou seu discurso durante a entrega do Prêmio Camões, na semana passada, para criticar o presidente Michel Temer, provocando uma resposta, digamos, exaltada do representante do governo na cerimônia, o ministro da Cultura Roberto Freire – seguida por um duelo de simpatizantes de ambos os lados na internet.

Alguns dias antes, a jornalista Rachel Sheherazade havia usado o Twitter para postar uma montagem de fotos de artistas brasileiros ao lado de uma frase do ator Kevin Spacey, obviamente retirada de contexto, uma vez que o astro de House of Cards costuma posicionar-se politicamente com certa frequência: “A opinião de um ator sobre política não importa merda nenhuma”. “Idiotas inúteis”, acrescentou a jornalista, referindo-se a artistas como Wagner Moura, Camila Pitanga e Gregório Duvivier, com quem ela estendeu a polêmica nos últimos dias.

Útil ou inútil, a imbecilidade (como a inteligência) não é exclusividade de nenhuma categoria profissional ou orientação política e tende a prosperar em todos os campos da atividade humana. O que varia muito, conforme o território e o momento histórico, é a liberdade que cada cidadão, famoso ou não, tem para expressar suas opiniões. Trump pode reclamar que Meryl Streep representa “a elite liberal hollywoodiana”, e Roberto Freire pode lamentar que a classe artística brasileira seja “aparelhada pela esquerda”, mas não há nada, no campo democrático, que possa ser feito a não ser respeitar o direito que eles têm de falar o que quiserem em festivais, premiações ou reuniões de condomínio.

O problema, me parece, é outro. O sensacionalismo intelectual e o populismo costumam extrair do ambiente os sentimentos mais facilmente manipuláveis (racismo, xenofobia, ressentimento) para obter a atenção de que necessitam para crescer. A tese de que a cultura é um luxo e os artistas são incômodos desnecessários, não por acaso, é uma das bandeiras preferidas de todos aqueles que não convivem bem com a liberdade.

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