terça-feira, 10 de dezembro de 2013


10 de dezembro de 2013 | N° 17640
PAULO SANT’ANA

Inexorabilíssimos trabalhos

A esmagadora maioria dos casamentos sobrevive ao fim do apetite sexual entre os cônjuges.

Findo o desejo sexual entre os parceiros, depois de alguns anos, sobrevive no entanto entre eles uma fraternidade adquirida durante a convivência conjugal. E isso acaba reunindo-os. Eles se acostumaram tanto um ao outro, que vencem assim a falta do desejo interrompido.

O sexo tornou-se desinteressante para eles. Mas sobreveio uma espécie de camaradagem que passa por cima do fastio sexual.

Por isso é que o casamento adquire uma importância invulgar na sociedade moderna, não importando a continuação do apetite sexual para que ele se estratifique.

Há também alguns raros casamentos em que, antes de serem celebrados, os cônjuges não tinham apetite sexual entre si, nutriam somente uma grande afinidade que se chama amizade.

E há também, nesses casos, os mais raros e mais estupendos: aqueles em que os cônjuges não se sentiam atraídos sexualmente um pelo outro mas que passaram, com o andamento do casamento, a se desejaram perdidamente em matéria de sensualidade.

Esse último exemplo é caracterizado pela mais duradoura amálgama sexual entre os parceiros, é difícil que ela seja extinta.

Interessante o papel dos filhos no casamento. Ora os filhos havidos durante o casamento ocasionam o fastio sexual entre os cônjuges, ora a prole estimula ainda mais o desejo sexual entre pai e mãe.

É o tal negócio daquela hipótese muito frequente: depois de fazer um filho com uma esposa, um homem passa a achar sacrílego fazer sexo com a mãe de seu filho.

E há também o caso antípoda: quando mais faz filhos com alguma esposa, o homem sente ainda mais tesão por ela.

É muito variado o casamento em matéria de intrincadas e curiosas posições que compõem o emaranhado mental da conjugalidade.

Mudando de assunto, fui buscar novamente em Augusto dos Anjos inspiração para recordar um episódio repetido da minha infância.

Uma vez a cada 60 dias, um caminhão descarregava no pátio da nossa casa várias talhas de lenha.

E meu pai ordenava que eu recolhesse a imensa quantidade de lenha e a empilhasse num galpão que tínhamos no quintal.

Era o pior dia do meu mês: eu demorava cerca de três horas para recolher a lenha. Um martírio.

Tão terrível, que recordo os versos do meu poeta preferido:

No tempo de meu pai

sob estes galhos

Como uma vela fúnebre de cera

Chorei bilhões de vezes

com a canseira


De inexorabilíssimos trabalhos.

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