quarta-feira, 2 de setembro de 2009



02 de setembro de 2009
N° 16082 - DIANA CORSO


Médicos, monstros e deuses

Vivemos uma época hipocondríaca, nossas preocupações com a saúde e com o corpo nunca foram tão grandes.

De uma maneira rápida, o hipocondríaco é uma espécie de paranoico manso, alguém que se sente ilusoriamente perseguido. Enquanto o primeiro teme um inimigo imaginário externo, os hipocondríacos são obcecados pelo que está dentro do corpo.

Mas, é fato que a qualquer momento nosso corpo pode estar aprontando: hoje as viroses estão em foco, enquanto normalmente o complô predileto é o câncer, o que nos assombra pode tornar-se real e terrível. Contra tais perigos, nossos heróis são os médicos.

Proporcional ao nosso medo é o poder que lhes atribuímos, para o bem e para o mal. Vejo médicos dedicados, honestos, sofrendo processos absurdos que lhes envenenam a existência enquanto sua inocência espera pela morosidade da Justiça.

Algumas vezes nem é delito, é falha humana, como se nas outras profissões não se cometessem erros. Mas eles, muito próximos dos deuses, têm nossa vida em suas mãos: são o primeiro e último recurso antes do milagre que não comparece.

É dessa mesma paixão que dedicamos aos médicos que se alimenta a impunidade, como a do médico paulista que estuprou dezenas de pacientes, algumas das quais o vêm denunciando há 15 anos, sem serem levadas a sério por Cremesp, Polícia e Ministério Público.

Felizmente o Dr. Abdelmassih já está na cadeia, mas seu estrago teria sido menor se a voz feminina fosse mais escutada e os médicos menos imbuídos dessa aura de divindade que só cresce com nossa hipocondria.

Mantemos uma paixão infantil por colocar pessoas num lugar de onipotência, pois sentimo-nos desprotegidos, expostos aos caprichos da morte que nos leva sem lógica nem sentido.

Sem muitos recursos religiosos, hoje resta-nos reverenciar a Medicina, encarnada nesses profissionais que ora chamamos de máfia de branco, ora lhes dedicamos uma adoração outrora reservada aos santos. Mesmo a arrogância que às vezes os acompanha pode ser a nosso pedido.

É muita carga para aqueles que em geral são trabalhadores abnegados, que se beneficiam da nossa admiração, mas também conhecem a fúria que lhes reservamos quando se revelam humanos.

Não podemos esquecer que os médicos são como qualquer outro grupo: mesmo sendo bons podem falhar, e sempre haverá os perversos.

Na verdade, infelizmente nos convém ser submissos, imaginar-nos pequenos, à mercê de poderosos que estejam acima da lei. Isso vale para os caciques da política, além de ser o pesadelo dos médicos honestos. A impunidade é um dos preços da infantilidade dos cidadãos.

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