06 de agosto de 2009
N° 16054 - LETICIA WIERZCHOWSKI
A última casa da minha rua
Faz oito anos que moro nessa ruazinha ensombreada, palco de alguns acontecimentos que eventualmente cometo a indiscrição de narrar aqui. Mudou, essa minha rua, desde que chegamos numa fria primavera, com nosso primeiro filho nos braços.
Embora não passe de uma única quadra, um corte transversal entre duas avenidas, também a nossa rua não escapou ao ruído, ao desgaste e ao descontrole que vem junto com o futuro. Vivemos num país que não sabe preservar.
Colocamos tudo abaixo sem remorsos e sem estudos de impacto ambiental. Desprezamos nossa memória coletiva, e o passado vai desaparecendo rapidamente, sufocado por camadas de concreto, afogado pela sombra dos grandes prédios com seus vidros espelhados, cuja existência raramente leva em conta o seu entorno.
Sofreu muito a minha ruazinha com essa construção descontrolada. Ao seu redor, outras pequenas ruas também perdem suas casas numa velocidade assustadora. A cada caminhada, espanto-me de ver um novo tapume apagando o verde de um antigo jardim.
Das minhas janelas, enxergávamos o Guaíba e seus entardeceres vermelhos. Agora temos todo um novo catálogo de varandas onde antes havia a quietude do rio.
Perdemos o silêncio, a visão amiga de outras antigas janelas, o bom sol matinal. Mas vamos em frente, amontoados todos como galinhas num poleiro, e seguramos o tranco – muito embora eu escute com frequência os vizinhos lamentando a perda da antiga tranquilidade.
Nesse nosso canto, agora não há uma única hora sem o ruído das serras e dos martelos, e as ruas ao redor já não guardam espaço para tantos carros.
Agora existe uma única casa na minha rua. Do alto do meu apartamento, posso ver a sua grama verde, o recorte dos seus muros, o silêncio ilhado do seu jardim. Ela espera, essa doce casinha de tijolos onde qualquer criança haveria de experimentar a melhor das infâncias; sim, ela espera angustiada, respirando a sua preocupante solidão. Essa casa agora é uma joia.
O tesouro da nossa rua. Às vezes, mirando-a, me pego a imaginar meus meninos correndo no seu jardim – se ela fosse nossa, seria para sempre. Mas não é. Seu futuro me parece mais incerto a cada dia, como um doente que vai se enfraquecendo a olhos vistos.
Espécie de consciência que nos mira e nos julga, essa casa é a alma do que essa rua já foi. Crianças jogando bola na calçada, e vizinhos que se conheciam todos pelo nome… Último bastião de um tempo de varais e roupas ao vento, essa casa agora me soa doce como um poema do Quintana.
Ainda que com chuva em todo o Estado que tenhamos todas uma ótima quinta-feira.
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