terça-feira, 4 de agosto de 2009



04 de agosto de 2009
N° 16052 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Um homem plural

Foi Lauro Schirmer quem me apresentou o melhor de Milan Kundera. Foi também ele quem me aproximou da obra de Elias Canetti. Conto isso para revelar que o jornalista que nos deixou na outra semana era dono de uma inteligência plural.

Tínhamos a mesma origem: a cidade de Cachoeira e o Jornal do Povo, que como ele completou 80 anos. Quando o antigo Correio do Povo saiu momentaneamente do ar, Lauro telefonou para a minha casa e me convidou para ser editorialista de Zero Hora, mais cronista e um dos produtores do caderno Cultura.

Aceitei com um certo receio, pois em toda a minha vida eu só tinha escrito um editorial. Confessei isso mesmo ao homem que tinha transformado ZH em um dos cinco principais jornais do país. Lauro Schirmer sorriu e disse: “Tu sabes escrever editoriais. Apenas não sabes que sabes”.

De nossa convivência diária a partir dali aprendi que ele não era somente o mais capaz dos diretores de Redação que conheci – era também o mais culto, dono de um texto envolvente, como o que ficou registrado em seus artigos e livros.

Não falávamos apenas sobre jornalismo, as páginas de opinião ou sobre os fatos que ZH ia abordar, mas sobre música, cinema, teatro, filosofia e literatura. E não esquecíamos o universo circundante – Lauro tinha sempre uma palavra sobre o mundo vário da Redação e suas constelações.

Uma vez nos encontramos em Berlim – ele e Celia, sua mulher e minha cara amiga, cumpriam um roteiro operístico. Foram dias extremamente agradáveis, marcados especialmente por espetáculos inesquecíveis na Philharmonie.

E agora, de repente, em uma madrugada fria, Lauro se vai. As últimas homenagens que recebeu no Solar dos Câmara foram uma consagração – desde as altas autoridades aos colegas e amigos que o tinham como um mestre de vida.

Me lembrei, em meio àquela multidão, das noites de sábado em que recebia, no belo apartamento da Avenida Nilo Peçanha, os companheiros de ofício e de singradura.

E recordei que tinha um raro senso de hospitalidade, sabia distribuir entre os presentes às reuniões, mais do que um cálice de vinho, sua experiência inimitável dos mares da confraternização e da alegria.

Bem pelas previsões teremos um lindo dia de sol lá fora. Que ai dentro de seu coraçãozinho também exista esse clima.

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