quinta-feira, 2 de julho de 2009



02 de julho de 2009
N° 16018 - RICARDO SILVESTRIN


Pés e mãos

Creio que o grande fascínio que o futebol exerce no mundo todo se deve ao fato de ser jogado com os pés. Todos os outros jogos usam as mãos. A habilidade manual é mais evidente. Escrevemos, pegamos coisas, cumprimentamos, gesticulamos. Já os pés, lá embaixo, caminham fechados nos sapatos.

Por isso, o espanto de lançar uma bola na velocidade exata com aquelas lanchas aparentemente sem nenhum talento. Dar um passe curto, um drible, um efeito com o lado de fora ou com o lado dentro. Na arquibancada, todos se alegram, vibram, cantam, orgulham-se de resgatar a arte dos pés.

Estive em Ribeirão Preto, terra do ex-craque Sócrates. O “Doutor”, como era chamado, teve o requinte de popularizar um ponto ainda obscuro e esquecido do pé: o calcanhar. Fica lá atrás. Não poderia haver nada mais aparentemente imprestável. Mas Sócrates ganhou a vida e a massa dando geniais passes de calcanhar. O rosto olhando para frente, mas o pé jogando para trás, descobrindo um espaço novo e imprevisto.

Na cidade do Sócrates, participei da Feira Nacional do Livro. Já está na nona edição. Foi inspirada na nossa aqui de Porto Alegre. Também é numa praça, a céu aberto. Há uma intensa programação com palestras de vários escritores.

As pessoas frequentam, conhecem, perguntam. Eram três horas da tarde de uma sexta-feira. Pensei que seria bem provável que houvesse bem pouca gente para me ouvir, mas a sala estava cheia.

Antes da minha fala, assisti à do Lourenço Mutarelli, o autor do livro que gerou o filme O Cheiro do Ralo. Perguntaram a que ele atribuía o sucesso dos seus livros. Como seus personagens são sempre malucos, esquisitos, era um sinal de que o Brasil está doente, respondeu.

Já o sucesso de eventos como esse que se espalham cada vez mais pelo país, mostra que os brasileiros gostam também dessa arte que é feita com as mãos, seja à caneta ou no teclado do computador, a literatura.

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