sábado, 20 de junho de 2009



21 de junho de 2009
N° 16007 - PAULO SANT’ANA


Largar o cigarro?

Um amigo me disse: “Agora que completaste 70 anos, chegou a hora de parares de fumar. O teu organismo está no ponto para ceder aos efeitos nocivos do cigarro.

Se um pulmão de um homem de 40 anos já revela sua vulnerabilidade ao cigarro, imagina o pulmão de um homem de 70 anos que, como tu, fuma três maços por dia. Tens de parar de fumar. Agora!”.

Normalmente, eu responderia assim a este amigo, uma resposta que trago pronta na língua há cinco anos: “Parar de fumar agora, que falta pouco?”.

Mas, estranhamente, dei razão ao meu amigo.

Tenho de parar de fumar agora. Já dei chance demais ao perigo dos ataques do alcatrão e da nicotina. Se eu prosseguir a fumar, estarei dando oportunidades demasiadas ao cigarro para me destruir.

Além disso, se o cigarro se constituiu em minha vida toda talvez no maior prazer da existência, então já gozei demais desse deleite, é justo e lógico que eu ponha um fim agora a essa farra hedonística.

Além disso, se em 70 anos não pensei na minha saúde, é chegada a hora de refletir nos raros recursos que possuo agora para preservá-la.

A velhice deve ser aquele período em que o homem tem de se dedicar à paz.

E meu corpo já guerreou demais com o cigarro.

Parece ser chegado aquele instante em que eu, como o escritor e poeta Paulo Setúbal, deite-me numa rede de um sítio, em cujo portão de entrada haja o seguinte dístico ecológico-poético:

Como um caboclo bem rude Eu vivo aqui nesta paz,

A recobrar a saúde Que eu esbanjei quanto pude Nas tonteiras de rapaz.

Sinto mesmo que é o momento de parar de fumar. Já facilitei demais. Já vivi demais. Houve um tempo, na minha juventude e início da maturidade, em que dormia apenas três horas por dia, recolhendo-me ao lar no fim das madrugadas, depois de cantar em quatro ou cinco bares musicais noturnos.

Ou seja, não vivi somente 70 anos, vivi 200 anos, a idade não se conta pelos anos vividos e sim pela intensidade com que se viveu.

Fumar é para o tempo em que a existência é alegre, feliz e apetecida: a juventude.

Nos tempos mais duros da terceira idade, não se deve jogar fora o pouco que resta ainda da saúde, é o instante em que a gente tem de deixar de ser perdulário com os vícios e austero na administração dos raros prazeres não nocivos que ainda restam.

E é tempo também de pensar que Deus permita que eu não morra sem pelo menos ter a coragem moral de renunciar a um dos maiores prazeres com que contei no meu arsenal de bem-estares, o cigarro.

Afinal, eu sou um homem ou um rato? Esta pergunta me fez um médico esses dias, quando mostrei medo de permitir que me enfiassem uma agulha de infiltração no meu dedo mínimo da mão direita, que não dobrava e se mostrava todo desconjuntado.

E sou tão covarde para a dor física, que respondi ao médico que eu era um rato.

Pois aos 70 anos, agora, tenho deixar de ser um rato. E, ainda que tardiamente, tenho de gritar bem alto para mim e para todos: “Deixei de fumar, agora sim eu sou um homem”.

Esperem, calma lá, ainda não deixei de fumar. Mas acho que nos próximos dias, só acho, eu vou mostrar o heroísmo de largar desse sublime e maldito cigarro.

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