quarta-feira, 10 de setembro de 2008



10 de setembro de 2008
N° 15722 - PAULO SANT’ANA


“Os cadáveres respiram”

O assassinato de domingo passado em Gravataí deixou-me impressionado: uma senhora de 89 anos, quase 90, foi encontrada morta com as mãos amarradas para trás, amordaçada com suas próprias meias.

O que chamou minha atenção é que essa senhora morava sozinha.

Mas como? Nos dois extremos etários, ninguém pode morar sozinho. Os bebês e os octogenários não podem viver por si próprios, os bebês não raciocinam e os octogenários perderam já os seus reflexos.

Pensava comigo que nenhum bebê e nenhum octogenário vivessem sozinhos.

Mas essa senhora assassinada no bairro Vera Cruz de Gravataí no domingo morava sozinha em sua casa. Uma das duas filhas declarou que a idosa era muito independente e não queria ninguém morando com ela.

Desculpem as filhas dessa senhora, mas deveriam ter insistido energicamente com ela para não deixá-la sozinha.

Deveria até haver uma lei que proibisse idosos de morarem sozinhos. Muito mais pelo aspecto da saúde, altamente temerário nos octogenários.

Mas hoje em dia também os velhos não podem morar sozinhos pelo aspecto da segurança. Um velho morando sozinho é presa apetitosa para os assaltantes, que sabem com certeza que naquela residência não haverá qualquer reação ao seu ato criminoso, dada a fragilidade física e de reflexos do morador idoso.

A prova de que a senhora quase nonagenária de Gravataí não estava mais no uso de suas próprias razões é que ela não queria companhia.

Se morar gregariamente hoje, em casa, não apartamento, na Grande Porto Alegre, já se constitui em grande risco, imaginem uma mulher de 89 anos sozinha! Por isso é que este último foi o segundo assalto que sofreu.

Uma idosa morando sozinha é como um taxista à noite. Quando os ladrões enfrentam um dia sem movimento, dizem: “Vamos lá naquela idosa!”. Ou então: “Vamos ganhar um taxista!”.

Nessa escolha, muitas vezes, centenas de vezes se decide a sorte das vítimas.

Assim foi com o outro extremo etário, o bebê de Canela, nascido havia poucas horas e entregue pelo hospital a uma funerária ainda com vida. A dona da funerária falou para a enfermeira: “Mas o cadáver está suspirando”. A enfermeira respondeu: “Os cadáveres respiram”.

Diante disso, a dona da funerária foi lá obedientemente embalsamar o cadáver suspirante do bebê para o velório.

Passadas quase três horas, aquele pobre ser que não tinha nem um dia de idade, mas ainda expelia ar pelos pulmões, foi buscar no recôndito de sua vida de neonato, num último recurso e apelo, a única arma dos bebês: o choro.

Incrível, chorou no caixão, de tampa fechada e aparafusada, o bebê. Chorou no seu próprio velório.

E foi levado de volta ao hospital, depois de retirado do caixão. Foi recusado pela segunda vez no hospital por declaração de que era cadáver.

Finalmente enterrado o bebê que resistia a ser declarado morto. Que luta! Que resistência! Que pertinácia desse bebê.

Ora, se mesmo assistidos os bebês morrem, então não podem viver sozinhos, nem eles nem as quase nonagenárias.

Devia haver uma lei proibindo deixá-los viver sozinhos.

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