10 de setembro de 2008
N° 15722 - DAVID COIMBRA
A mãe do Stevenson
A mãe do Robert Louis Stevenson era igualzinha a minha avó: tinha muito medo de vento encanado. Um problema para o Robert Louis Stevenson, porque a mãe dele nunca o deixava sair de casa. Nunca mesmo: ela o manteve recolhido ao calor opressivo do lar até que completasse sete anos de idade.
Não por acaso. Naquela época, dizia-se que a criança, aos sete anos, deixava de ser anjo. Em outras palavras, tornava-se imputável. Pois bem. Ao alcançar essa quase maioridade, o pequeno Robert Louis enfim recebeu permissão para dar uma voltinha pela rua.
Foi. Colheu-o um dos temíveis pés de vento encanado.
Pegou tuberculose.
Sempre penso no Robert Louis Stevenson ao ver as competições da Paraolimpíada. Porque, fosse outra época, esse pessoal estaria “guardado”, com a desculpa de que estaria “resguardado”. Mas eles correm, eles nadam, eles jogam bola.
Robert Louis também não se amofinou com a tuberculose, como era hábito na época, o século 19. Não apenas sobreviveu como viveu para escrever livros, entre eles dois clássicos: “O Médico e o Monstro” e “A Ilha do Tesouro”.
É o bastante para quem sofria do Mal do Século? Você não viu nada ainda: Stevenson transformou-se num boêmio mais ativo que o Professor Juninho, conhecido e respeitado em todos os bordéis de Edimburgo, um conquistador de mulheres de todas as idades, pesos, cores e estados civis.
Um dia, arrebatou o coração de uma senhora casada. O marido descobriu as cartas que ele enviava para ela, assim como hoje são descobertas mensagens de MSN e imeils e celular.
Só que teve uma reação civilizada, esse marido. Admirou o estilo literário de Stevenson e publicou a correspondência em livro! Eis aí um edificador exemplo para todos os maridos traídos do mundo.
Mais famosos que Jesus Cristo
Em 1966, John Lennon disse uma frase estrepitosa à repórter Maureen Cleave, do jornal Evening Standard:
“Hoje os Beatles são mais populares do que Jesus Cristo”. Para quê!
Os crentes do chamado Cinturão da Bíblia, no Sul dos Estados Unidos, promoveram campanhas contra os Beatles, queimaram seus discos em fogueiras parecidas com as que os membros da Ku Klux Klan queimavam os negros da mesma região, padres e bispos se revoltaram, até o papa se mobilizou. John Lennon teve de se retratar, jurou que sua frase fora descontextualizada, que não era bem aquilo e bibibi.
Li a matéria do Evening Standard. Realmente, a observação de Lennon a respeito de Jesus Cristo é lateral e ligeira. Na verdade, nem se trata de uma entrevista. É uma reportagem em que a autora descreve a vida do astro.
Um dia na vida de um beatle. Lennon tinha 25 anos, vivia com sua primeira mulher, Cynthia, e o filho Julian, que estava com três aninhos. Ainda se dava bem com os outros beatles, a ponto exclamar ao ouvir rumores vindos da rua, o rosto iluminado de alegria:
– Um dos outros deve estar aí fora!
Ringo e George moravam na mesma vizinhança, ambos casados, e todos se visitavam com freqüência. Foi em meio a estas observações sobre a rotina do beatle que a repórter reproduziu sua declaração sobre a religião. Assim:
“O Cristianismo continuará – disse Lennon. – E depois desaparecerá e encolherá. Não preciso argumentar sobre isso; estou certo, e verão que estou certo. Hoje somos mais populares do que Jesus Cristo.
Não sei quem desaparecerá primeiro: o rock´n roll ou o cristianismo. Jesus era legal, mas seus discípulos eram grosseiros e ignorantes. Foram as alterações que eles fizeram que arruinaram tudo para mim. – Ele tem lido muito sobre religião”.
John Lennon não comparou os Beatles com Jesus Cristo, portanto. Não era uma gabolice. E o que disse era bem racional. Logo, estava certo ao reclamar que havia sido mal-interpretado pelos leitores.
Mas o jornal também estava certo, certíssimo, ao promover sua frase a manchete. Quer dizer: os únicos errados eram os cristãos indignados.
É aquilo: depois que a gente escreve e fala, o que se escreveu e falou não é mais de quem escreveu e falou: é de quem leu e ouviu. O problema é quando a interpretação gera reações escandalosas, como a que soterrou o assustado beatle. Aí o cara tem que ficar se explicando.
O Inter tem sido useiro e vezeiro nestes episódios de declarações supostamente mal-interpretadas. Já houve casos de o clube inteiro, como instituição, se mobilizar contra jornalistas, e depois ficou comprovado que o jornalista tinha razão. Agora, o que se ouve a todo momento no Beira-Rio são queixas contra a imprensa.
Que só destaca o Grêmio, que só ressalta o ruim em vez de o bom. Na semana passada, Rosinei brigou com um vizinho e alçou-se aos altos de página. Disseram, nos lados da Padre Cacique: trata-se apenas da vida pessoal do rapaz, a imprensa deveria ater-se às lides do futebol.
Bem. Ontem, o técnico do Grêmio virou notícia por ter sido chamado para depor à Polícia Federal. Também aí não estão envolvidas as lides do futebol, e lá se foi o Roth para as aberturas de editoria.
Por quê? Simples: porque um personagem da Dupla Gre-Nal é precisamente isso: um personagem. Aqui, para o Rio Grande amado, é como se fosse um beatle. Tudo o que ele fala ou faz tem interesse. Tudo o que ele fala ou faz pode ser notícia.
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