quinta-feira, 7 de agosto de 2008



CLICHÊS OLÍMPICOS

A chegada dos Jogos Olímpicos despertou a minha saudade da China, onde estive em 2007. Passei a sentir falta de tudo, inclusive daquela sensação aconchegante de estar sempre acompanhado por uma multidão de alguns milhões de pessoas.

Ando com vontade de comer escorpião. Achei tão delicioso, crocante, um torresminho inofensivo. Não cheguei a provar centopéia e grilo. Estou arrependido. Olimpíadas sempre me provocam um sentimento ambíguo.

Fico sensível aos valores pátrios. Canto o Hino Nacional embaixo do chuveiro. Compro bandeira do Brasil.

Ouço entrevistas do Nuzman e do Ricardo Teixeira e acredito no que eles dizem. Mas também implico com a retórica olímpica. Cada Olimpíada é a maior de todos os tempos. Deve ser verdade. É uma questão estatística. Só que isso é apresentado como uma virtude extraordinária.

O importante nas Olimpíadas é competir, segundo o clichê mais falso da história. Ninguém, contudo, quer perder. Os derrotados choram ou voltam humilhados para casa.

Treinadores perdem o emprego. Atletas são pegos no antidoping. A imprensa massacra os favoritos derrotados. Outro aspecto curioso diz respeito ao discurso pacifista.

Uma Olimpíada é a festa da paz. Nunca faltam, porém, ameaças de bomba. Nem discursos bélicos como metáforas competitivas: combater, lutar até o fim, não se entregar, empurrar o inimigo para trás, ter espírito guerreiro, etc.

No fundo, como sabemos, as Olimpíadas celebram a guerra por outros meios, em nome, claro, da paz possível. Quando as Olimpíadas acontecem num país comunista, é comum alguma autoridade propor que não se misture esporte com política e ideologia. Por sorte, ninguém obedece.

Em país capitalista, contudo, quase não se fala disso. Parece que ideologia só existe no mundo das utopias de esquerda. Tem esporte olímpico que não me convence.

Com o perdão dos praticantes, entre os quais 1 bilhão de chineses, e admiradores, o pingue-pongue não me passa. Os chineses, ao menos, não chamam pingue-pongue de tênis de mesa.

Tiro também não me parece um esporte, mesmo quando levado na esportiva. Não levem a mal a minha casmurrice. Deve ser ressentimento. Eu sou péssimo no pingue-pongue e comigo toda bala é perdida.

Esporte para mim tem de suar a camisa e sair do lugar. Sei que é um critério frágil e preconceituoso. O pessoal do pingue-pongue se mexe bastante e termina o jogo ensopado. Que posso fazer? Não fico convencido. Por que não tem futsal?

Adoro esportes. A verdade, porém, é que volta e meia sou assaltado por perguntas estranhas: por que é importante pular mais longe ou mais alto do que todo mundo? Por que correr mais rápido arranca aplausos?

Por que se recomeça a jogar um campeonato que já se ganhou uma vez? Conheço as respostas. Admiramos a busca da superação pessoal e precisamos de entretenimento. É outra maneira de dizer que adoramos vencer ou apostar em quem vence.

Os Jogos Olímpicos não nos mobilizam tanto quanto uma Copa do Mundo. Mesmo assim, especialmente nos esportes coletivos, vamos investir nossa emoção. Os Jogos da China certamente servirão para derrubar conceitos errados e aproximar os povos.

Tenho certeza de que comer escorpião nunca mais será objeto de caretas, expressões de nojo e outras rejeições inaceitáveis à diferença.

Ao final da Olimpíada, farei um jantar para os meus amigos. A entrada já está definida: escorpião frito.

juremir@correiodopovo.com.br

Ótima quinta-feira e que o nosso futebol olímpico tenha uma grande vitória.

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