sexta-feira, 8 de agosto de 2008



08 de agosto de 2008
N° 15688 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Das melhores lembranças

Há sempre uma tempestade em minhas melhores lembranças.

Esta noite choveu muito, as janelas tremiam como navios avariados, eu quase podia ver as árvores encurvadas, a água batia nas vidraças com uma fúria de naufrágio e no entanto eu sonhei.

Sonhei meio desperto com uma ilha cercada de todos os vendavais – e isso me punha extremamente calmo, a salvo de correntes marinhas e baixios e arrecifes, e adormeci tão profundamente que quando acordei me sentia descansado de todas as minhas exaustões.

Ventava. Há sempre um vento em minhas melhores lembranças.

Aquele era um vento de agosto, capaz de girar pessoas e animais e coisas, apto a revolver pensamentos secretos e interditos, e me atirar em uma elipse sem âncora nem fundamento. E contudo eu me percebia tranqüilo, como um menino que acaba de descobrir o significado do universo.

E então desceu um sol trêmulo de inverno.

Há algo de estranho com o sol de inverno. Ele torna translúcidos os seres e as espécies e, enquanto olhava a transparência de minha circunstância, lembrei que há sempre um sol de inverno em minhas melhores lembranças. Nessa, tudo se revestia de uma nitidez inaugural, feito eu acabasse de inventar a aurora.

E aí entardeceu. Há sempre um entardecer em minhas melhores lembranças.

E se revestiram os tons do dia de um caleidoscópio de cores, e se incendiou o sol no horizonte, e eu me perguntei onde estava a estrela Vésper.

Mas Vésper se ocultava – e eu tive de me distrair com uma miríade de outros astros e neles encontrei um reflexo de teu olhar azul.

Foi nesse momento que anoiteceu. Foi nesse instante que a treva se fez luz.

Foi nesse segundo que tu me surgiste nua e a chuva voltou a cair e eu adormeci em teu corpo como um guerreiro imerso em suas melhores lembranças.

Ótima sexta-feira e um excelente fim de semana

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