sexta-feira, 8 de agosto de 2008



08 de agosto de 2008
N° 15688 - DAVID COIMBRA


Lula, o presidente satisfeito

Lula era um presidente feliz, na tarde opressiva de Pequim. Às 13h25min de ontem, ele desembarcou sorridente de um Audi A6 negro, em frente à prefeitura da Vila Olímpica. Vestia-se descontraidamente, como se estivesse passeando de mãos dadas com Marisa Letícia pela Praça Tiananmen.

Calçava tênis prateados de corrida, usava calça cargo bege e camisa azul-clara de jeans para fora da calça. No peito da camisa, a logomarca da campanha do Rio para sediar a Olimpíada de 2016. Falou por mais de 15 minutos com os jornalistas brasileiros, numa entrevista não-programada e, de certa forma, surpreendente.

Só parou de responder às perguntas porque foi puxado pelos assessores – estava atrasado para o almoço com os atletas brasileiros, no restaurante da Vila.

Assim que Lula embarcou no carrinho elétrico que o levou para o refeitório, os jornalistas passaram a cogitar os motivos de tanta alegria.

– Que bom humor! – elogiou um. – Ele estava a fim de falar! – constatou outro. – O homem está em boa fase – disse um terceiro. Foi um assessor da presidência quem deu o xeque-mate:

– Quando os assuntos são bons, é fácil ficar bem.

E os assuntos eram bons. Dois, apenas: a candidatura do Rio para sediar a Olimpíada de 2016, do qual Lula garantiu ser um defensor entusiasmado, e alguns pitacos sobre a reunião de Doha. Esportes e política internacional. Nenhuma polêmica, nenhum tema espinhoso. Lula só poderia sorrir.

Sorrindo Lula continuou à tarde, quando foi à Casa do Brasil, uma espécie de embaixada de negócios do país, situada num grande hotel do segundo anel viário de Pequim.

Só que desta vez ele trajava terno e gravata alinhados, e não falou. Saiu afagando a cabeça de um repórter, dizendo que gostava do outro, entrando no mesmo Audi negro sempre a sorrir e depois abrindo a janela do carro para repetir seu apoio à Olimpíada carioca. Foi um presidente alegre que deixou Pequim, no fim da tarde de quinta-feira.

U em chinês

Os chineses se surpreenderam com a afluência de dezenas de repórteres brasileiros à Vila Olímpica, a fim de cobrir a visita de Lula. Muitos presidentes já haviam ido à Vila, e nenhum deles trouxe problemas. Como os responsáveis pela segurança ficaram perplexos com a atividade ruidosa dos brasileiros, os próprios jornalistas trataram de se organizar.

– Vamos traçar uma linha imaginária aqui, para que todos possam filmar, fotografar e entrevistar o Lula sem confusão? – propôs o repórter de TV Ernesto Paglia.

Todos aceitaram a sugestão e puseram-se atrás da tal linha imaginária. Mas como ela era imaginária, volta e meia um desavisado a transpunha. Os outros gritavam:

– Olha a linha imaginária! E o gaiato voltava para trás.

Para resolver a questão de vez, alguém sugeriu que se fizesse uma linha de verdade, não imaginária. Os repórteres, então, pediram aos seguranças que colocassem um cordão de isolamento entre eles e o espaço por onde deveria passar Lula.

Os seguranças acataram o pedido alegremente. Foi algo insólito – jornalistas pedindo a seguranças para serem impedidos de acessar um local que eles queriam acessar!

Mais tarde, alguns jornalistas queriam simplesmente passar para o outro lado, cruzar a linha que não era mais imaginária. Aí, quem diz que os seguranças permitiam??? Ninguém mais podia passar. Os seguranças chineses obedecem ordens até contra quem as emite.

Minutos depois, outro jornalista teve a idéia de colocar o cordão de isolamento em forma de U para que Lula entrasse no meio dos jornalistas a fim de dar entrevista. E agora? Como fazer para explicar o novo formato do cordão de isolamento para o segurança?

– Em forma de U! – gritavam os repórteres. – U! U! U!

– Um U, ô, chinês! U! Aí um bidu compreendeu: – Não existe U no alfabeto chinês...

Os jornalistas começaram a se perguntar como se escrevia U em ideogramas. Até que outro, ainda mais bidu, desenhou um U num bloco. O segurança suspirou um aaah aliviado. E fez o U com o cordão de isolamento. Foi aplaudido com entusiasmo.

A cidade cinza

Pequim é cinza. A começar pelo céu. A capa de fumaça cinzenta e suja não permite que se veja o azul do céu nem os raios amarelos do sol. Parece cerração. Não é.

É poluição mesmo. Nesta quinta-feira, a cidade ficou o dia inteiro coberta pela fumaça encardida e malcheirosa, das 6h às 18h. Isso, combinado a um calor tão abafado quanto nos piores dias do verão de Porto Alegre, isso faz a gente se sentir meio angustiado.

O cheiro do ar pesado lembrou-me o cheiro que senti logo ao chegar a Criciúma, nos anos 80. Naquela época, a cidade ainda era a Capital do Carvão, ainda havia morros de pirita no seu entorno.

A pirita é o rejeito do carvão. Quando em contato com a água, libera uma substância com odor de enxofre, que, como se sabe, é como cheira o inferno. O rejeito na atmosfera causa problemas respiratórios em quem vive por perto.

Fui atacado por uma violenta sinusite que tornou minha existência infeliz por algumas semanas, mas tive sorte – muitos não se recuperam de seus males de pulmão.

Os mineiros que passavam mais de 10 anos trabalhando no subsolo não conseguiam se recuperar. Eram atacados por pneumoconiose, uma doença que transforma o pulmão em pedra. Peguei nas mãos um pulmão atacado por esse mal, certa feita. Era como ter nas mãos metade de um paralelepípedo negro.

Não sei se os pequineses sofrem com algo parecido, mas é impossível que essa poluição não lhes afete a saúde ou, no mínimo, o espírito.

Conversava sobre o problema com o repórter Eduardo Maluf, do Estadão, e o Maluf veio dizer que nem se importava tanto assim com a poluição, que estava acostumado por viver em São Paulo e bibibi.

Bobagem. São Paulo é ruim, mas Pequim é pior. Os paulistas querem se exibir até na poluição.

Mas não é só pelo céu que Pequim é cinza. Os prédios são cinzentos, ou pintados em tons pastel. As ruas são cinzentas. Os carros, cinza, prata, brancos ou pretos. E as pessoas só se vestem com cores sóbrias.

– Chineses não gostam muito de cores – disse-me a Lan, nossa tradutora. Que pena.

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