sábado, 6 de outubro de 2007


Moacyr Scliar

Cultura & paraíso

Em termos de cultura, girávamos em torno do eixo Rio-São Paulo. Mas os eventos literários mostram que essa tendência pode estar sendo revertida

É incrível a quantidade de eventos relacionados ao livro e à literatura acontecendo no Brasil. Nas últimas semanas tivemos a Jornada de Passo Fundo, o Festival Literário de Parati, Flip, a Bienal do Livro no Rio, a Feira do Livro de Ribeirão Preto.

E, no último fim de semana estive em Porto de Galinhas, Pernambuco, para o Fliporto, que é o equivalente nordestino da Flip. Um evento grande, com quase 200 escritores de vários Estados e vários países, um público enorme, e um cenário que - difícil escapar ao lugar comum - é paradisíaco.

Aqueles verdes mares de que falava Alencar, o céu azul, a areia branca... As praias nordestinas são deslumbrantes, e Porto de Galinhas confirma a regra. Aliás, de onde vem esse nome?

Ouvi várias versões, mas uma delas refere-se ao tráfico de escravos da África que continuou mesmo após a abolição e que era, portanto, ilegal. Os africanos eram escondidos sob os engradados de galinha no porão dos barcos. "Tem galinha no porto" era a expressão em código para dizer que os escravos tinham chegado.

Os escravos trabalhavam, e trabalhavam duro. Seus senhores, nem tanto. E a verdade é que o clima da região não estimula a atividade física. Não há frio cruel do qual se proteger, a natureza é generosa no oferecimento de frutas, de peixes. Durante muito tempo o ritmo da região foi esse, um ritmo devagar.

Em grande parte continua sendo. Na recepção do hotel ouvi um dos recepcionistas dizendo a outro, que reclamava da demora numa entrega qualquer: "Está com pressa? Vá para São Paulo".

É claro que isso está mudando, porque o eixo econômico do país está mudando. No passado, o futuro dos nordestinos dependia da emigração para São Paulo, que viu sua população crescer exponencialmente.

Hoje, São Paulo parou de crescer; crescem Ceará, Pernambuco, Bahia. E é bem possível que o ritmo mude. Não sei se teremos uma China no Brasil, mas certamente as coisas já não serão as mesmas.

O que é muito bom. Em termos de cultura, girávamos demasiadamente em torno do eixo Rio-São Paulo. Escritores, artistas, atores e atrizes migravam para essas cidades em busca de oportunidades.

Mas os eventos literários mostram que essa tendência pode estar sendo revertida. Não se trata de voltar ao velho regionalismo, que este definitivamente acabou; o Brasil fala hoje a linguagem da Rede Globo, como o mostram as novelas.

Mas trata-se, sim, de construir um país multicêntrico, que dê chance para jovens de talento sem que eles precisem sair de seus lugares de origem. Principalmente quando esses lugares são paradisíacos como Porto de Galinhas.

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