Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
quarta-feira, 10 de outubro de 2007
ELIO GASPARI
O socialismo precisa de um Rolex
O cidadão terminou suas pesquisas na biblioteca de Londres e vai para casa, no Soho (rua Dean, 23). Passa um sujeito, mostra-lhe uma faca e pede o relógio. Ao narrar o caso à sua mulher, ele diz:
'Estou com 41 anos e a expectativa de vida neste inferno capitalista é de 40. A nossa dieta ultrapassa as 2,3 mil calorias que o proletariado consome. As condições de higiene e saúde desta cidade são infernais.
Aos jovens restam poucas alternativas fora da sífilis e das prisões australianas. São as contradições do capitalismo e, por causa delas, fui assaltado por um garoto'.
Pode ser que Karl Marx tenha dito diferente:
'Jenny, um lumpen roubou meu relógio'.
Pobre Luciano Huck. Foi assaltado por dois sujeitos que, de revólver na mão, tomaram-lhe o Rolex. Reclamou num artigo publicado na Folha de S. Paulo do dia 1º e teria feito melhor negócio se saísse por aí, cumprindo 'missões' em cima de motoqueiros.
Foi acusado de ganhar muito e, portanto, ser fonte da violência. Mais: quem manda 'pendurar o equivalente a várias casas populares no pulso?'. Disse que 'isso não está certo' e perguntaram-lhe o que devem dizer as pessoas que vivem de salário mínimo.
Fechando o ciclo, num artigo marginal-chique, o rapper Ferrez respondeu com o olhar dos assaltantes e os óculos de Madre Teresa de Calcutá: 'Não vejo motivo para reclamação, afinal, num mundo indefensável, até que o rolo foi justo para ambas as partes.'
Está mais ou menos entendido que o Partido Democrata perdeu a confiança dos americanos nos anos 80 porque se deixou confundir com os defensores de bandidos.
Cada um pode achar o que quiser (desde que não tome o relógio alheio), mas nesse caminho a discussão da segurança pública brasileira caminha para a formação de duas tropas, ambas julgando-se elite do seja lá o que for.
Grita-se, para que tudo continue como está. O filme ensina: o traficante foucaultiano da PUC não foi para a cadeia e o PM larápio e covarde voltou para a tropa.
Por ser um profissional bem-sucedido e ter ganhado um Rolex de presente da mulher (a apresentadora Angélica, igualmente bem-sucedida), Huck foi transformado num obelisco da desigualdade social brasileira.
Infelizmente, assaltos não melhoram o índice de Gini. No caso do Rolex do apresentador, especular o destino do dinheiro de sua venda é um exercício carnavalesco.
Pode-se sonhar que tenha ido para uma família carente, mas é mais provável que tenha servido para fechar um trato de droga. Que tal as duas coisas, meio a meio? Uma coisa é certa, o Rolex voltará ao pulso de alguém disposto a pagar por ele.
Quis o Padre Eterno que esse debate indigente acontecesse logo na semana do 40º aniversário da execução de Ernesto Che Guevara, o Guerrilheiro Heróico. Se Angélica dissesse que deu o Rolex a Huck como parte dessas celebrações, a discussão ganharia um denso conteúdo ideológico.
Quando o Che foi assassinado, no mato boliviano, tinha dois Rolex. Um, modelo GMT Master, era dele.
O outro, marcado com um X, era uma lembrança que tirara do pulso de um combatente agonizante. (O índice de com-Rolex dos guerrilheiros cubanos na Bolívia era de 12%, certamente um dos mais altos do mundo.)
Os relógios eram dois, mas há três por aí. Quem quiser pesquisar a herança de Guevara pode começar investigando esse mistério.
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