segunda-feira, 19 de agosto de 2013


19 de agosto de 2013 | N° 17527
ARTIGOS - Paulo Brossard*

Profanação

La Hire Guerra, nascido em Santana do Livramento, é um dos grandes nomes da Justiça rio-grandense por ter sido magistrado integral; como juiz de carreira, chegou à presidência do seu Tribunal. Convidado para o Supremo Tribunal Federal declinou do convite.

Já aposentado, passou a residir em Guaíba e era natural que Eldorado do Sul, ao emancipar-se, homenageasse o juiz exemplar dando seu nome a uma escola. Homenagem mais do que justa. Isso não impediu que a Escola Municipal de Ensino Fundamental La Hire Guerra fosse depredada e incendiada. O fato em si mesmo, independente de qualquer circunstância, seria bastante para espantar, chocar e traumatizar qualquer pessoa.

Uma escola é, por definição, um lugar sagrado, imune ao mais leve ato de desrespeito que importaria em profanação; a fortiori, tanto mais quando levava em sua fachada o nome de um cidadão impecável e juiz de reputação ilibada em todos os sentidos. Mas, mesmo quando fosse o nome de um dos homens bons da comunidade, de que falavam as leis antigas, a escola mereceria o mesmo tratamento atento da sociedade.

Aliás, se falei no nome do patrono da escola profanada, tive o propósito de lembrar quem foi efetivamente um grande juiz e que, é possível, os juízes que estão a ingressar na magistratura não tenham presente a figura modelar do santanense desaparecido.

Sem favor à memória do finado, posso repetir que nela à dignidade do cidadão se casava a inteireza do magistrado. Mas deixando de lado esses aspectos, embora valiosos, há um dado que, paradoxalmente, tem relevância indisfarçável. Sabe-se que os autores da insigne selvageria eram quatro moços, entre 14 e 16 anos, alunos do 8º ano, salvo engano.

Como se esse dado ainda fosse pouco, dois deles eram alunos da Escola, outro um ex-aluno e do quarto ignoro sua relação com a mesma. Isto torna o caso infinitamente mais grave, pelo que espelha e sugere. Suponho desnecessário insistir no relato, os fatos entram pelos olhos de um cego. Reporto-me à notícia de Zero Hora: Os adolescentes todos conhecidos na comunidade arrombaram a escola La Hire Guerra e atearam fogo a suas salas de aula.

A mais danificada foi a que guardava os instrumentos da banda, além de prejudicarem 700 alunos que perderam aulas e danificarem o patrimônio público, eles atingiram o coração de uma comunidade... salas temáticas e até uma dedicada a estudantes com necessidades especiais foram queimadas. Milagrosamente, a biblioteca resistiu às chamas, que destruíram o forro em PVC e parte do telhado. Móveis, material pedagógico e computadores foram quebrados.

Diante disto, será necessário acrescentar pormenores? Vexado, dou por concluído o registro do fato doloroso e triste, talvez mais triste do que doloroso, por envolver jovens. Por esse caminho, independente de responsabilidades, pode-se arquitetar o que se passa no íntimo desses jovens que passam a carregar a singular nomeada. Queira Deus que os segredos do tempo venham a extrair do infortúnio as compensações que dele podem resultar.


*JURISTA, MINISTRO APOSENTADO DO STF

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