sábado, 31 de agosto de 2013


01 de setembro de 2013 | N° 17540
PAULO SANT’ANA

O autocanalha

Estive matutando sobre por que as pessoas mentem.

É óbvio, mas mentem para fugir à responsabilidade. Mentem para escapar de serem acusadas de falar a verdade, e nada mais dói muitas vezes do que expor a verdade.

Eu, por exemplo, me sinto incapaz física e espiritualmente de saber a verdade a meu respeito. Tenho medo de que, dizendo o que pensam de mim, as pessoas de repente me revelem um salafrário, um sacripanta, um inconfiável.

Já pensaram os meus leitores sobre o que pensam sobre eles as outras pessoas? Será que estamos preparados para o golpe brutal de nos conhecermos a nós próprios pelo que pensam de nós os outros?

Nós podemos ter uma bela ideia sobre nós que será energicamente desmentida pela opinião dos outros. Que choque gigantesco essa opinião alheia produziria sobre nós!

Estaria eu, por exemplo, gabando-me a mim mesmo do meu excelente caráter, quando sobreviriam opiniões de pessoas que me conhecem bastante e que atestariam que tenho um péssimo caráter. Já pensaram na pororoca que isso poderia causar em mim?

Eu me achava solidário e as pessoas vieram me dizer que sou um egoísta. Eu me achava caridoso e as pessoas se prontificaram a me atirar na cara que todo o dinheiro que junto reverto para meu bem pessoal e não tiro nem um naco das minhas economias para ajudar os outros.

Eu me considerava altruísta e as pessoas me provaram que meus sentimentos são rasteiros e que não tenho princípios, navego na existência ao sabor dos ventos sem fixar-me nas mais elementares regras de solidariedade humana.

Vejo agora, confrontando o que penso de mim e o que pensam os outros, que não tenho clemência, que não tenho paciência com os outros e, principalmente, desconheço a regra primária de colocar-me no lugar dos outros antes de eu julgar seus atos.

É muito chato a gente bater de frente assim com a própria consciência. Tudo o que queria era poder não ter de defrontar-me assim com minha consciência.
Que os outros me julguem, isso eu tiro de letra, mas ter, de repente, de julgar-me a mim próprio é um exercício que está se tornando cruento para mim: o bom, o confortável é julgar os outros – e de repente sou chamado pela consciência a julgar-me a mim próprio.

Será que tenho isenção para julgar a mim próprio? Não correrei o risco da autoindulgência? Da autocompaixão?  Faltar-me-á certamente isenção para um autojulgamento. Será que nesse encontro comigo mesmo não acabarei concluindo que sou um canalha?

Ou, então, que estarei sendo um patife ao me preocupar mais comigo do que com os outros?

Ou, então, que é um argumento de escape meu considerar que tenho mais obrigações comigo do que com os outros, definindo-me como um canalha perfeito quando digo que, se eu não cuidar dos meus interesses, os outros é que têm menos dever de fazê-lo, ora bolas!


Não é essa uma posição confortável em que sempre se colocam justamente os antissolidários?

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