quinta-feira, 3 de março de 2016


03 de março de 2016 | N° 18463
ROLLING STONES

STONES ATÉ DEBAIXO D’ÁGUA


CHUVA NÃO DIMINUIU a empolgação do público que lotou o Beira-Rio na noite de quarta-feira para assistir ao histórico show dos Stones na Capital

Na saída do show de Paul McCartney em Porto Alegre, em 2010, uma frase era recorrente entre os extasiados fãs: Agora só faltam os Stones. Desde ontem, não falta mais. Um Beira-Rio lotado assistiu à primeira apresentação na Capital do grupo inglês responsável, ao lado dos Beatles, por moldar o rocknroll e disseminá-lo pelo planeta. Para o público de todas as idades presente no estádio, a efeméride era ainda mais especial, já que a atração da noite seria a melhor banda do planeta com sua formação completa _ e não somente um de seus integrantes.

A expectativa da plateia transformou-se em agitada excitação quando as luzes se apagaram às 21h02min, anunciando que o último concerto dos Rolling Stones na perna nacional da Olé Tour iria começar. A chuva, que havia parado antes do show da Cachorro Grande, voltou e ficou quando os Stones entraram em cena – só para seguir a tradição: choveu nos quatro concertos da banda no Brasil nesta turnê.

Uma animação em vídeo exibida no telão central, de 17 metros de largura por 10 de altura – ainda havia mais dois telões laterais –, com a bandeira do Brasil e mapas do país misturados a imagens do conjunto em várias épocas de sua carreira, antecedeu a primeira música. O riff inicial de Jumpin’ Jack Flash detonou uma explosão de gritos eufóricos em meio à chuva – era só o princípio da jornada de duas horas e 10 minutos e 18 músicas pela trajetória do quarteto formado em 1962. 

Desde os primeiros momentos, Mick Jagger, Keith Richards, Ron Wood e Charlie Watts não escondiam a alegria por estarem juntos em cena. Vestindo um brilhante casaco de lantejoulas azul escuro, Jagger levantou a galera e desafiou seus 72 anos com suas costumeiras coreografias aeróbicas e corridas pelo palco e também pela passarela – que avança dezenas de metros sobre a multidão.

O figurino, aliás, mereceu menção especial: enquanto o cantor mudava o visual, usando as camisas e jaquetas de cetim penduradas em uma arara posicionada ao lado dos teclados de Chuck Leavell, os guitarristas saíam de vez em quando de vista para voltar com um novo look – sempre coloridíssimo e em sintonia com o cenário simples, uma espécie de moldura dupla para o palco com estampas estilo Romero Britto, representando talvez o que considerem ser a exuberância latina.

Sem nenhum disco de inéditas para trabalhar, os Stones sentiram-se à vontade para apresentar um repertório recheado de clássicos. Depois da abertura eletrizante com Jumpin’ Jack Flash e It’s Only Rock’n’Roll (But I Like It), Jagger fez o Beira-Rio derreter-se ao cumprimentar o público no melhor gauchês:

– Olá, Porto Alegre. E aí gurizada?

Depois de acalmar um pouco os ânimos com Tumbling Dice e Out of Control, outra média com os gaúchos: a canção vencedora da uma votação promovida pela banda nas redes sociais, Let’s Spend the Night Together. Seguiu-se, aí, uma surpresa – Ruby Tuesday, que não havia sido tocada ainda na turnê.

Após os hits Paint It Black e Honky Tonk Women, veio o tradicional momento do show em que Keith Richards interpreta um par de temas. Todo sorridente, o guitarrista assumiu o comando da festa e cantou o blues You Got the Silver e o rock Before They Make Me Run.

Ao retomar o posto, Jagger parecia, então, fluente no idioma local:

– Ouvi dizer que aqui estão as gurias mais bonitas do Brasil. É verdade, guris?

Na mesma pausa, o cantor – que praticamente não tirou da cabeça um chapéu verde estiloso – continuou disparando expressões típicas e brincou com os colegas de banda:

– Bá, nos divertimos muito em Porto Alegre. Pegamos a Linha Turismo e conhecemos um monte de lugares impronunciáveis. Vimos o pôr do sol de mãos dadas.

O ponto alto da noite foi o blues Midnight Rambler, que ganhou uma longa interpretação épica – com a dupla de guitarristas alternando-se em solos saudados pelo público enquanto Charlie Watts segurava a batida com pulso firme na bateria.

A sequência de clássicos continuou com a trinca Miss You (tema dançante do álbum Some Girls, em que o baixista Darryl Jones deitou e rolou na levada disco), Gimme Shelter (na qual Jagger, abrigado da forte chuva com uma capa preta, fez dueto com a ótima vocalista Sasha Allen) e o hit Start Me Up, cujo refrão era gritado pela ensopada plateia.

Depois de uma pausa em que Jagger saiu do palco, Sua Satânica Majestade voltou enrolado em uma capa de plumas vermelhas e pretas para introduzir Sympathy for the Devil, enquanto o telão exibia símbolos demoníacos, como um pentagrama e uma cabeça de bode. Para finalizar, a dançante Brown Sugar, sucesso do álbum Sticky Fingers (1971) entoado pela eufórica audiência.

No bis, You Can’t Always Get what You Want teve a participação afinada de 24 integrantes do Coral da PUCRS, e a indefectível (I Can’t Get No) Satisfaction coroou essa irretocável celebração da vitalitade do rock conduzida por quatro velhinhos transviados – o caçula do bando, Ron Wood, tem 68 anos.

Como aconteceu depois do Paul McCartney, um sorriso de satisfação estampava os rostos de todos que deixavam o lugar que outra vez abrigou um evento histórico, desses para ficar gravado na memória para sempre. Diferentemente daquela vez, porém, não se ouviu ninguém dizer que ainda falta receber este ou aquele show – todos sabiam que eram testemunhas do maior show de rock’n’roll que Porto Alegre já viu.

roger.lerina@zerohora.com.br

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