15
de fevereiro de 2015 | N° 18074
ANTONIO
PRATA
Toby tubarão
Quem
me conhece sabe o oceano de distância que há entre mim – seis graus de miopia,
barriga de cerveja, tênis de corrida – e o surfe – “dragão tatuado no
braço/calção, corpo aberto no espaço”. De modo que, seis meses e 429 caldos
depois, desisti do esporte – mas não da prancha. Às vezes, entrava com ela no
mar e ia remando até uma praia deserta, ao lado. A vantagem de ir remando, além
de ser visto numa prancha – como saberiam que eu não era um surfista de verdade?
– é que dava pra amarrar uns sacos plásticos e levar água, frutas, sanduíches e
o celular, pro passeio – pensando bem, talvez desse pra notar que eu não era do
ramo.
Num
fim de tarde daquele verão, eu voltava do passeio com dois amigos, o Fábio e a
Cla, quando, a uns 20 metros
da praia, ouvi os latidos. Na areia, um pitbull ensandecido corria em nossa
direção. A última frase de que me lembro, antes de ser tomado pelo pânico, foi
do Fábio: “Pitbull nada?”. Nada – e rápido.
O
dono do cachorro, um desses ex-musculosos que parou de puxar ferro e ficou
gordo – ou um desses gordos que começou a puxar ferro e ainda não ficou
musculoso? –, todo tatuado, correu até a beira da água e ficou gritando, com um
desespero que só aumentou o nosso: “Toby! Aqui! Aqui! Toby!”. Aparentemente, o
dono da besta anfíbia não sabia nadar. Bela dupla.
A
Cla saiu no crawl, pela direita, o Fábio saiu de borboleta, pela esquerda, e
eu, tentando atabalhoadamente soltar o lash do meu tornozelo, fiquei ali, ao
lado da prancha, vendo o monstro se aproximar. Quando consegui me desvencilhar
do velcro já era tarde, o cachorro estava a uns três metros de mim. Me coloquei
do lado de lá da prancha e lembro de ter pensado, num delírio de otimismo
provavelmente causado pela overdose de adrenalina: “Lutar no mar contra um
pitbull até que não é tão ruim assim. Na terra, definitivamente, eu não teria
chance. Na água, contudo, se ele morder meu braço, talvez consiga afogar o
bicho. Eu perco o braço. Ele, a vida.”
O
bicho chegou e começou a bater as patas na lateral da prancha, tentando subir.
Eu, com minhas tenras bochechas a uns 50
cm daqueles caninos, fiquei imóvel, sentindo o hálito da
fera a cada latida – juro – e pensando se não era o caso de oferecer o
mindinho, antes que ele optasse pela minha jugular. O pitbull, no entanto, não
conseguia subir na prancha, suas patas escorregavam, ele tentava de novo,
escorregava de novo – e, para minha imensa felicidade, não teve a ideia óbvia
de dar a volta ou passar por baixo do long. Uns trinta segundos depois,
frustrado e arfante, me mostrou o rabicó e saiu nadando pra praia.
No
fim do verão, a casa foi desalugada. Anos mais tarde, eu me casei. O Fábio foi
morar na Rússia. A Cla teve bebê. O pitbull – Deus queira – morreu de congestão
depois de almoçar o dono e sair pra uma nadada, numa manhã gelada de julho. A
prancha, não lembro se dei, se vendi. De vez em quando, me pego pensando: por
onde andará aquela prancha?
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