Entrelacos

07 de junho de 2014 | N° 17821

PAULO SANT’ANA

Os pés e as mãos

Os pés humanos dão de goleada nas mãos em matéria de problemas.

Nunca vi nas mãos, por exemplo, um mal equivalente ao bicho-de-pé.

Unha encravada, outro exemplo, deve existir nas mãos, mas nunca vi. Enquanto, nos pés, só o que dá é unha encravada.

Calos nas mãos devem também existir, mas não os vejo, enquanto não há nada mais proverbial do que calo nos dedos dos pés.

Nunca vejo também as pessoas com lesões nas mãos, manquitolando, isto é, coxeando, com ferimentos nos pés.

Enquanto só o que dá nas ruas são pessoas mancas, ora com ferimentos nos pés, ora com unhas encravadas, ora sem quase poderem caminhar por enfrentar tantas maldições físicas que se abatem sobre os pés.

Não tenho dúvida de que esses males se localizam nos pés e não existem nas mãos por causa principalmente dos sapatos.

Esse friccionar constante do couro dos sapatos com os pés é a origem desses males todos que temos nos pés.

Enquanto as mãos vivem soltas, sem nada a cobri-las ou maltratá-las.

Por isso é que os poetas se fixam com tanta sofreguidão nas mãos de suas musas, enquanto o único poeta que conheço que escreveu um poema extenso sobre os pés de sua amada foi o Olavo Bilac. Mas o mesmo Bilac escreveu 200 poemas sobre as mãos de suas musas.

As mãos certamente inspiram mais os poetas do que os pés porque estes últimos vivem escondidos debaixo de meias e de sapatos, enquanto as mãos voejam por aí soltas ao vento, sob o olhar de todos.

Um dia vi um poeta escrever que as mãos de determinada mulher eram espirituais, entendi bem o que quis dizer.

Jamais, no entanto, qualquer poeta dirá que os pés de uma mulher são espirituais.

Jesus Cristo foi crucificado com três pregos. Um que unia os dois pés, outro na mão esquerda, outro na mão direita.

Talvez tenha sido o único exemplo humano em que as dores das mãos eram maiores do que as dos pés.

Porque todo o corpo de Cristo pendia seguro pelas mãos, a dor que ele sentiu durante a crucificação deve ter sido indescritível.

Interessante é que temos 10 dedos nas mãos e 10 dedos nos pés.

As mãos, portanto, tinham de nos trazer o mesmo número de problemas que nos trazem os pés.

Mas não, os pés são lugares mais propícios às dores e aos incômodos do que as mãos.

Sem falar que o corpo humano se sustenta verticalmente e a base dessa sustentação, por por sobre a qual tudo se desaba, se localiza nos pés.