sábado, 11 de dezembro de 2010



11 de dezembro de 2010 | N° 16546
CLÁUDIA LAITANO


A maçã envenenada

Uma maçã envenenada matou um dos cientistas mais brilhantes do século 20. Se a vida fosse um conto de fadas, o matemático britânico Alan Turing (1912 – 1954) teria despertado do sono depois de um longo beijo de amor.

Mas a história do homem que imaginou o que um computador seria capaz de fazer antes de os computadores existirem terminou como tragédia e não como fábula – apesar da cena final repleta de significados que ele montou para si próprio: Turing tirou a própria vida comendo uma maçã injetada com cianureto.

Turing não foi apenas um matemático brilhante, mas um pensador inquieto, interessado tanto em imaginar o que as máquinas, corretamente programadas, seriam capazes de alcançar (ou não) quanto em entender a complexidade da inteligência humana.

Alan Turing foi também um herói de guerra, ajudando os aliados a decifrar o código Enigma dos alemães durante a II Guerra. Nada disso o livrou da humilhação e do preconceito. A homossexualidade de Turing, nunca disfarçada, resultou em um processo criminal em 1952, quando os atos homossexuais ainda eram ilegais no Reino Unido.

Condenado, o matemático foi obrigado a se submeter a uma espécie de castração química, com injeções de estrogênio que o abateram física e psicologicamente, sendo a provável causa de seu suicídio, dois anos depois.

Como na história da Branca de Neve, havia uma bruxa por trás da maçã envenenada que tirou a vida de Turing – ainda que mais elegante na forma e insidiosa no alcance. O matemático foi morto pela mentalidade estreita de uma época, não tão distante assim, em que era legal que o Estado exterminasse quimicamente comportamentos considerados inapropriados.

Parece Idade Média, mas a televisão já existia, e o computador, graças ao próprio Turing, estava prestes a sair da teoria para entrar nas nossas casas.

No ano passado, diante da pressão de cientistas, historiadores e grupos de ativistas LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros), o então primeiro-ministro Gordon Brown reabilitou Turing oficialmente e pediu desculpas, em nome do governo britânico, por anos de homofobia: “É difícil acreditar que há tão pouco tempo, na Europa, pessoas pudessem ser consumidas por tamanho ódio – pelo antissemitismo, pela homofobia, pela xenofobia e outros preconceitos mortíferos”.

No Brasil, muitas maçãs envenenadas ainda atingem inocentes, mas os sinais de que a bruxa não está tão solta quanto gostaria estão aí. Os crimes causados por homofobia têm chegado ao noticiário com mais frequência – e provavelmente não porque são mais comuns agora do que há cinco ou 10 anos, mas porque as vítimas se sentem mais à vontade para denunciar e pedir punição.

O decreto do governo, publicado ontem no Diário Oficial da União, garantindo de forma definitiva o direito dos homossexuais a receber pensão pela morte de seu companheiro ou companheira é um avanço concreto – e enorme – a ser comemorado por todos os homens de boa vontade.

Quem viu a eleição deste ano tomada pela mais cavernosa obscuridade de inteligência, como se estivéssemos todos de volta aos anos 50 que condenaram Turing, encontra nesse decreto um bom motivo para receber 2011 com otimismo e esperança de que o Brasil, um dia, caminhe para a maturidade das ideias a passos tão largos quanto caminha para a prosperidade econômica.

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