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quinta-feira, 3 de setembro de 2009
03 de setembro de 2009
N° 16083 - L. F. VERISSIMO
Eu e a guerra
Ajudei a vencer a II Guerra Mundial, cujo começo há 70 anos está sendo lembrado esta semana. Sozinho, liquidei com alguns milhares de inimigos da democracia. Minha metralhadora e minha calibre 45 eram de brinquedo e minhas granadas eram imaginárias, mas isto não livrou batalhões inteiros de alemães e japoneses do extermínio.
Minha ação não foi sem custo. Estávamos nos Estados Unidos e, com sete anos, influenciado pelos filmes de guerra e pela propaganda mobilizadora, me excedi um pouco. Tanto que tiveram que me levar a um médico. Eu estava matando alemães e japoneses demais.
Sei que jamais cometi atrocidades, embora não me lembre de fazer prisioneiros. O combate era sempre franco e equilibrado, eu contra algumas centenas de cada vez. Mas me excedi. O médico me recomendou que deixasse alguns inimigos para as tropas aliadas liquidarem, ou que pelo menos diminuísse minha participação ativa no grande conflito.
De qualquer maneira, fui um exemplo precoce de neurótico de guerra. Me acalmei, mas não me desmobilizei. Nunca deixei de dormir com a 45 embaixo do travesseiro, para o caso de o inimigo me atacar no quarto.
Na verdade, minha experiência de guerra tinha começado no Brasil, antes da viagem para os Estados Unidos. Minha lembrança mais remota do que significava a guerra, ou um clima de guerra, é a expressão “black-out”.
Um termo novo e ameaçador entrava em nossas vidas: “black-out”. Era como uma sombra envolvendo o mundo que chegava onde jamais se imaginaria, nosso bairro. Havia “black-out” em Porto Alegre.
Tocavam uma sirene e todos eram obrigados a apagar as luzes das suas casas ou vedarem as janelas, para prevenir ataques aéreos. Nunca ficou bem explicado por que Porto Alegre seria bombardeada, ou de onde viriam os aviões.
O que não faltava em volta de Porto Alegre era colônias alemãs, mas, que se soubesse, elas não tinham uma força aérea. Mas todas as noites Porto Alegre se escurecia para ludibriar os bombardeiros.
Curiosamente, na Califórnia, onde, depois de Pearl Harbour, um ataque aéreo japonês era uma possibilidade real, não tomavam as mesmas precauções. Não havia “black-out”.
Dos sete aos nove anos, morando nos Estados Unidos, fiz a minha parte na derrota do Eixo. Hiroshima e Nagasaki, não fui eu.
Voltamos para o Brasil no primeiro cargueiro a sair de Nova York para a América do Sul depois do fim da guerra. Não me lembro se trouxe a metralhadora e a 45 comigo, como relíquias. Mas acho que antes de cruzar a linha do Equador eu já era um pacifista.
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