quarta-feira, 5 de agosto de 2009



05 de agosto de 2009
N° 16053 - PAULO SANT’ANA | MOISÉS MENDES - INTERINO


As bênçãos de Sarney

Agora, todos odeiam Sarney. Mas quem não se enterneceu com Sarney em algum momento? Até uma conversa de Sarney, observada de longe, era enternecedora. Imagine de perto, no tête-à-tête, como vi um dia no plenário do Senado.

Sarney e Paulo Paim conversavam, cabeças quase recostadas, enquanto Mão Santa atacava Lula. Foi em 2006, o mensalão ameaçava derrubar o governo.

Mão Santa bufava, Sarney e Paim tricotavam. Tenho certeza de que Sarney dizia a Paim que era preciso ter calma, que tudo se resolveria. Me interessei mais pela conversa evangelista que não ouvia do que pela gritaria de Mão Santa. Um Mão Santa nunca será um Sarney.

Foi enternecedor o Sarney de 1985, ao se denunciar em dúvida se deveria ou não assumir a presidência com a morte de Tancredo. Em 1986, me comovi com o Sarney do Plano Cruzado, o presidente da ruptura.

O patriarca, o coronel, o homem da Arena brigava com seu currículo e com sua turma. O Brasil seria moderno, sem inflação, e com perspectiva de futuro pela deliberação de um exemplar do atraso. Sarney fracassou em tudo porque não conseguiu se livrar da própria história e da turma.

Mas continuou nos enternecendo. Suas crônicas maranhenses num jornal paulista têm a candura dos escritos desenhados à mão, com letrinhas caboclas, redondas, e exalavam perfumes de marmelada e de leite morno apojado. Nunca li romances e poemas de Sarney para que meu enternecimento não transbordasse.

Sarney tem uma filha bonita, brejeira, frágil, sofrida, ardilosa. Tem um filho, o Zequinha, que recebeu até diploma de amigo da Mata Atlântica. Tem outro filho, Fernando, que nos comoveu nos telefonemas para o pai grampeados pela Polícia Federal. Fernando pede: a bênção, pai. Sarney responde: Deus te abençoe, filho.

Sarney nos enternece quando se queixa ao filho por não ter sido informado com antecedência do pedido de emprego para o namorado da neta no Senado. Sarney tem uma família unida, é um paizão, um avozão. Sarney resolve tudo.

Agora, quantos já não tiveram ou têm um Sarney por perto? Um político, que pode ser um cacique da cidade, um sogro, um genro, um primo, um cunhado, um padrinho, um vizinho que virou parlamentar e tudo resolve. Não pela solidariedade ou pelo exercício legítimo da política, mas pela capacidade de manobrar nos desvios do poder.

Aquele a quem pedimos deferimento. Um Sarney paroquial. O tipo do deixa comigo, das pequenas transgressões, do fura fila, do abre portas, do carteiraço. Sarney é apenas o exemplar nacional e mais vistoso do compadrismo, do patrimonialismo, da apropriação do público para os amigos, parentes, afilhados, protegidos.

O Sarney que está aí há décadas quebrando galhos e dando suporte a governos – e agora censurando a imprensa – não é um constrangimento apenas para Lula. Sarney é um constrangimento para todos que relevaram suas artimanhas, sua capacidade de seduzir, de insinuar mudernidades. Mesmo os que nunca votaram no Maranhão ou no Amapá.

Fomos, em algum momento, hipnotizados por Sarney – assim como outros foram por Jânio e por Collor – e suas promessas de redenção dos coronéis da política. Talvez por acreditar que assim iríamos todos nos redimir de nossas desonras miúdas, de nossa origem rural, do Brasil urbano inacabado e ainda disforme.

Sarney prometeu que nos tiraria do atraso, em 1986, porque era um de seus inventores. Vivia dele, usufruía de suas vantagens. Conhecia a engenharia do compadrismo e insinuou que poderia ajudar a desmontá-la.

Os Sarneys ganham sobrevida, se fortalecem e se multiplicam também fora de Brasília e do Senado. Há Sarneys por toda parte. Há Sarneys estaduais e municipais e esses não são um problema do Maranhão, do Amapá ou de Lula.

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