CHEGA DE MACHADO
Ninguém lê coisa alguma. Salvo Paulo Coelho e mais dois ou três de igual calibre. Exceto estudantes, levados ao cadafalso por seus professores cheios de boas intenções, ninguém lê Machado de Assis. Viva a hipocrisia brasileira. Alguns 'críticos' o fazem.
Anseiam por um clássico nacional. Vibram quando um estrangeiro de ocasião – Woody Allen ou qualquer outro – diz que leu Machado de Assis, por recomendação de um amigo, e adorou. Precisam de uma legitimação pelo avesso. É balela essa história de que Machado de Assis não é conhecido mundialmente por causa da língua portuguesa.
Qualquer europeu de cultura mediana conhece Fernando Pessoa, mas nunca ouviu falar de Machado de Assis. A literatura russa está aí para provar que língua não é obstáculo. Basta encontrar um tradutor. E compradores.
O ano Machado de Assis terminou com a minissérie da Globo. 'Capitu' pode ser definida com uma palavra: insuportável. Chega de Machado de Assis. Desafio alguém a ler 'Helena' e gostar. O romantismo de Machado de Assis era de uma pieguice estratosférica.
Nunca esquecerei o final de Iaiá Garcia: 'No primeiro aniversário da morte de Luiz Garcia, Iaiá foi com o marido ao cemitério a fim de depositar na sepultura do pai uma coroa de saudades. Outra coroa havia sido ali posta, com uma fita em que Iaiá beijou com ardor a singela dedicatória, como beijaria a madrasta se ela lhe aparecesse naquele instante.
Era a sincera piedade da viúva. Alguma coisa escapa ao naufrágio das ilusões'. Uau! Fiquei marcado pela pompa oca de expressões bregas como 'coroa de saudades', 'singela dedicatória', 'piedade da viúva' e principalmente 'naufrágio das ilusões'. Ironia? Nada disso. Expressões da época? Breguice mesmo. Intemporal.
Nunca mais fui o mesmo depois dessas leituras de segundo grau. Não me recuperei. Sofri essa influência deletéria. Tornei-me brega para sempre. Já pensei em publicar um romance intitulado 'Naufrágio das Ilusões'. Machado de Assis ficou bom quando percebeu o quanto era ruim.
Virou o jogo. Mesmo assim, por mais que tenha feito, à exceção de 'Dom Casmurro' e alguns contos, o restante não passa no teste da leitura espontânea. Até partes de 'Memórias Póstumas de Brás Cubas' e 'Quincas Borba' empacam na peneira do gosto atual.
Abandonem esses livros em bancos do Parcão e vejam se a galera largará tudo para acompanhar a história até o fim. Culpa da incultura atual? Certamente. Literatura é entretenimento. Ou pega o leitor ou não pega. O resto é conversa. Sejamos iconoclastas. Quando eu disse a um professor da USP que Umberto Eco não conhecia Machado de Assis, nosso nacionalista reagiu briosamente: 'Maldade com Machado'.
Coitado. Eu gosto de Machado de Assis. É o que temos de melhor. Mas chega. Basta. Se quiserem me linchar, perspectiva que me parece legítima, posso citar fragmentos das crônicas de Machado de Assis. Se for necessário, atacarei com a sua poesia. Não me provoquem.
Antecipo duas estrofes para esfriar os ânimos mais belicosos: 'Benditos sejam todos os amigos de raízes, verdadeiros./ Porque amigos são herdeiros da real sagacidade./ Ter amigos é a melhor cumplicidade!/ Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho./ Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas!'.
juremir@correiodopovo.com.br
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