domingo, 30 de novembro de 2008


VINICIUS TORRES FREIRE

O maior banco do mundo

Mais incrível que a "ajuda a bancos" foi o Fed assumir a oferta de crédito cotidiana na economia dos Estados Unidos

O BC dos EUA tornou-se entidade estranha segundo o padrão das idéias econômicas. Apesar da crise braba, editoras de manuais de macroeconomia e economia monetária deverão ganhar um bom dinheiro com edições agora de fato revisadas de livros-texto.

O Fed entrou e vai navegar um tempão no mar da heterodoxia (nada a ver com o uso brasileiro do termo). O Estado comprou fatias de instituições financeiras (AIG etc.), deu crédito camarada a bancos, garantiu quem comprou banco quebrado (JPMorgan e Bear) e garantiu perdas de bancos semimortos (Citi).

Mas o Fed tem feito e vai fazer algo muito maior. Tornou-se um enorme banco de investimentos, não mais um "emprestador de última instância" (que tapa rombos emergenciais de uma instituição).

O Fed não trata mais apenas de um "problema de liquidez" (de oferta circunstancialmente restrita de dinheiro, quando bancos relutam emprestar até mesmo entre eles).

O Fed jorra dinheiro porque, mesmo a taxa "básica" efetiva de juros tendo caído abaixo da meta oficial de 1% (flutua em torno de 0,3%), o dinheiro não circula, a economia entrou em recessão e teme-se deflação.

Não há, na prática, mais diferença entre o objetivo maior da política monetária (inflação numa meta ou banda) e o de prover liquidez. O Fed parece fazer política monetária "quantitativa", de aumento de dinheiro na praça (em vez de se pautar pela meta de juros), coisa que se praticava há quase 30 anos.

Parece, pois o Fed não tem, claro, meta quantitativa, e a situação toda é heterodoxa.
O Fed vai comprar até US$ 540 bilhões de títulos de posse de fundos de investimento. Esses fundos obtêm seus rendimentos, e assim remuneram os aplicadores, de papéis comprados de bancos e empresas.

São fonte enorme de capital de giro. O Fed já tem na conta US$ 295 bilhões de "commercial papers" (notas promissórias, crédito de curto prazo), os papéis que financiam operações de empresas.Trata-se de 18% do total do valor desse tipo de papéis no mercado.

O Fed vai comprar US$ 200 bilhões de "recebíveis" de empréstimos para estudantes, para a compra de carros e para cartão de crédito. Isto é, vai comprar títulos lastreados nos pagamentos dessas dívidas. Enfim, vai rolar o crédito parado ou encarecido nesses setores.

O Fed vai ainda comprar até US$ 500 bilhões de títulos lastreados em pagamentos de prestações imobiliárias, hipotecas compradas e securitizadas pelas empresas privadas mas "paraestatais" Fannie Mae, Freddy Mac e Ginnie Mae. O valor no carrinho de compras do Fed deve equivaler ao do PIB brasileiro.

Isso não significa que o BC dos EUA está dando dinheiro. Significa que o mercado de securitização, o que faz o crédito rodar nos EUA, está ainda em coma.

Significa que o Fed assume ativos, coloca dinheiro fresco nas instituições financeiras, de modo que elas se animem a emprestar de novo -o que não está acontecendo, por medo ou falta de capital.

Caso estudantes, compradores de carro, de casas, empresas e bancos não paguem suas dívidas, o Fed perde.

Pode também recuperar o dinheiro público investido, mas isso não vai ser rápido, e nem o Fed vai conseguir vender tais títulos no mercado tão cedo -caso consiga.

vinit@uol.com.br

FERREIRA GULLAR

Como num sonho

Vivia um momento definitivo: iria a lugares onde pulsavam afetos de passados instantes

ELE SABIA que o fato mais importante e definitivo de sua existência estava para acontecer. Não o sabia como se sabe que dia é hoje ou que, ao lado do escritório, está o quarto de dormir.

Sabia-o como nos sonhos. E assim, como nos sonhos, enxugou-se após o banho, trocou de roupas e decidiu sair de casa. Não sabia por que o fazia nem para onde iria.

Foi até a garagem, entrou no carro e saiu para a rua que, como nos sonhos, era fantasticamente a mesma, demasiado a mesma, com as fachadas de sempre, a banca de jornais, os carros estacionados no meio-fio.

Sem decidir tomou o rumo de Ipanema, pois intuía que era para lá que deveria ir, depois de tanto tempo sem andar por ali. É que, nesta tarde, vivia um momento diferente e definitivo: teria que ir para lugares onde continuavam pulsando afetos de passados instantes.

Mas não pensava nisso: apenas ia. Ligou o CD, pôs nele um disco de Nara. Como nos sonhos. E a voz dela incrivelmente verdadeira não parecia a voz de quem já não existe. É que ela ainda existe, de outro modo.

Ela cantava mas era como se conversasse com ele, dentro de seu carro, em certa noite de 1964, à porta do Teatro Opinião. Ali ficaram quase até amanhecer. Volta a ver seu rosto na penumbra, seu sorriso e aquele olhar de bichinho bom.

De repente, está rouca, na sala de sua casa, lhe diz que não voltaria ao show Opinião, ia sair em excursão pelo Nordeste e quer que ele a acompanhe. Já agora, muitos anos depois, ela o chama pelo telefone: "Só para você tenho coragem de contar isto: estou curada, o tumor desapareceu, estou curada!".

É pau, é pedra, é o fim do caminho... Sua voz se mistura à de Tom Jobim, cujo rosto sorridente aparece na vidraça do carro. Puxa uma baforada no charuto e some desfeito na fumaça. E as estrelas que esquecemos de contar...

Ao atravessar a avenida Graça Aranha, no centro do Rio, numa tarde de muito sol, alguém o chama pelo nome, ele se volta: é Tom, de paletó, segurando uma pasta, e que acena para ele, sorrindo, e some entre os transeuntes, poucas semanas antes de fazer sua última viagem. A onda que se ergueu no mar...

O carro chega quase ao fim da Barata Ribeiro. Àquela altura, na avenida Nossa Senhora de Copacabana, esquina de Francisco Sá, no Bar Bico, Otto, Fernando Sabino e Armando Nogueira conversam altas horas da noite.

O carro dobra pela rua Rainha Elizabeth e chega até a praia de Ipanema, deslumbrante ao sol. Não é domingo, mas a praia está cheia de gente, barracas, vendedores de sucos, picolé e sorvete. Ciclistas passam ao lado do carro.

Lá adiante, muito adiante, depois do Leblon, erguem-se o Morro Dois Irmãos e a Pedra da Gávea. Coisas eternas. Testemunhas de tantos domingos de sol, quando ali, em frente à Farme de Amoedo, ele e os amigos bebiam água de coco e discutiam política. Tudo como num sonho.

O carro continua mas as montanhas parecem se afastar, negras contra o azul-celeste. E ali estarão para sempre, porque não vivem; apenas são. Duram, duram, enquanto aqui embaixo as pessoas chegam e passam, como as ventanias. Observa as coisas com a surpresa de quem as vira antes.

A canção se repete na memória -a onda que se ergueu no mar- e, de repente, ele vê sobre areia vazia da praia, seus amigos ausentes brincando de dançar ciranda. O mais animado é o Vinicius. De mãos dadas, eles rodam e flutuam, alguns palmos acima da areia que esplende à luz da tarde.

Enquanto isso, o carro segue em direção às negras montanhas que se afastam. Sabia, este era o passeio que faltava fazer, antes do acontecimento definitivo.

O carro levantou vôo e avançou sobre as últimas casas do Leblon, planou sobre a encosta e prosseguiu até perder-se nas nuvens.

Mas agora ele sai do elevador, mete a chave na porta e defronta-se com a sua sala de jantar: a mesa, as cadeiras, a estante repleta de livros. Tudo ali, intacto, eterno. O fato extremo e definitivo não tardaria a ocorrer.

Atravessa a sala, caminha pelo corredor até o quarto de dormir. Observa o cenário: ali estão o pequeno armário, o cabide de pés, a cômoda e o guarda-roupas, em cujo espelho a obscuridade da ausência se reflete.

E então, todas as imagens, todas as lembranças, todas as vozes do mundo foram se apagando, e ele teve a vertiginosa certeza de que nunca mais as ouviria. Foi até a cama e nela se deitou. Nunca lhe parecera tão macia e acolhedora.

Em tempo: um leitor considerou simplista o que disse sobre as causas da esquizofrenia, na crônica anterior. Minha tese é que, parte de nosso organismo, o cérebro pode adoecer como o estômago ou os rins, e não obrigatoriamente por culpa da sociedade.

DANUZA LEÃO

Comporte-se, Lula

Como Obama é negro, nosso presidente deve pensar que os dois têm alguma coisa em comum porque "chegaram lá"

OUTRO DIA li uma declaração do prefeito Eduardo Paes que me estarreceu.

Era uma linha, dentro de uma matéria em "O Globo" do dia 26, em que ele, que qualquer mosquito da dengue sabe que é cria política de Cesar Maia, dizia, textualmente (e entre aspas): "Só ajudei na campanha de Cesar Maia de pena, pois achava que ele não ia ganhar". Que beleza.
Com todo o respeito, mas que grande cara-de-pau, esse Eduardo Paes.

Eu sei que não adianta chorar pelo leite derramado, mas a vontade que tenho é de chorar mesmo, quando me lembro que por meros 55.000 votos perdemos a chance de dar uma virada no nosso pobre Rio de Janeiro e ter, depois de anos, um prefeito honesto, correto, que não faz politicagem e que poderia mudar nossa cidade para muito melhor -estou falando de Gabeira, é claro; mas eis que ganha o herdeiro de Cesar Maia, que agora cospe no prato em que comeu. Isso é um pequeno exemplo do que nos espera.

Mudando de assunto: outro dia vi pela televisão uma reunião do presidente com seus 37 ministros -é, 37-, em volta daquela imensa mesa oval, para falar da crise -até parece que resolveriam alguma coisa.

Mas prestei atenção a um detalhe: todos estavam, como aliás deveriam mesmo estar, de gravata. Menos quem? Menos Lula, claro.

É claro que deve haver alguém que seja chefe do protocolo para explicar ao presidente que certas coisas não devem e não podem ser feitas.

Deve ser difícil exercer esse cargo, pois Lula dá a impressão de não ouvir ninguém, que ele sabe de tudo. Imagino sua frustração de não ter ainda tirado uma foto com o presidente Obama.

Mas ele pode ficar calmo, essa foto vai acontecer, mas é preciso que ele perceba que Obama não dá muita intimidade a ninguém, dá para ver. Nada de abraços efusivos, nada de mão passada pelo ombro (felizmente Obama é bem mais alto).

Outra coisa que nosso presidente precisaria ter aprendido é que não pode citar o presidente Evo Morales dizendo "aí eu falei com o Evo" etc. Isso ele faz com todos os presidentes, e não pega nada bem. Com o presidente Evo, presidente Lula, em sinal de respeito.

Vai haver a posse do presidente Obama, mas ninguém sabe ainda se haverá um grande banquete, uma grande festa, como vai ser.

Mas, imagina-se, todos os chefes de Estado serão convidados, e é bom que Lula fique bem discreto, não achando que é melhor do que os outros porque era torneiro mecânico e chegou à Presidência, essa história é velha, ninguém agüenta mais.

E como Obama é negro, nosso presidente deve pensar que os dois têm alguma coisa em comum porque "chegaram lá". Ah, Lula, por favor, não tem nada a ver, e por favor, comporte-se discretamente.

E outra coisa que me dá muito medo é como irá vestida dona Marisa, se ela também for. Convidada, ela vai, pois não vai perder essa.

Mas por favor, dona Marisa, nosso país é grande e importante, e não precisa de nenhuma garota-propaganda para divulgá-lo.

O verde de nossa bandeira simboliza nossas matas, o amarelo nosso ouro, o azul nosso céu, mas verde e amarelo num vestido, como a senhora tanto gosta, é simplesmente medonho.

danuza.leao@uol.com.br

sábado, 29 de novembro de 2008



30 de novembro de 2008
N° 15805 - MARTHA MEDEIROS


Capturados

Um dos DVDs mais legais a que assisti este ano foi A Vida por Trás das Lentes, documentário sobre a carreira da fotógrafa americana Annie Leibovitz.

Tive a oportunidade, também, de ver em Paris a exposição que registra todas as fases de sua trajetória, começando pelas fotos que fazia da família, passando pela fase roqueira (quando foi a principal fotógrafa da revista Rolling Stones), até a consagração na Vanity Fair.

Considero fotografia uma arte, pela capacidade que tem de capturar a alma do fotografado e revelar a nós algo que nosso olho não consegue enxergar.

Lembro que, na minha infância, meu pai não deixava passar um único evento sem fotos: Natal, aniversários, piqueniques na praia. Click, click, click.

Ficávamos um tempão parados, eu, meu irmão e minha mãe, três estátuas sorridentes, esperando o momento de ele encontrar o melhor ângulo, o melhor foco, a melhor luz, para então clicar. Máquina digital, naquela época, era coisa da família Jetson.

Também tirei muitas fotos de minhas filhas quando eram pequenas e guardo inúmeros registros de viagens e de alguns passeios, encontros, momentos que não acontecem todo dia. Até aí tudo dentro de uma certa normalidade, e sou tendenciosa como todos: a gente acha que só a maneira como vivemos é que é normal. Mas o normal evoluiu muito de uns tempos pra cá.

Hoje, com um celular na mão, você documenta partos, tsunâmis, incêndios, transas, shows e crimes cometidos bem na sua frente. Inclusive, algum crime por ventura cometido por você.

Me pergunto: se você não documentar suas experiências e emoções, elas deixam de existir? Você deixa de existir? Não deveria, mas dá a impressão que sim.

Num surto catastrofista, imagino que em breve deletaremos da nossa memória tudo aquilo que não estiver documentado. Se eu quiser lembrar de uma viagem ou de uma festa, não conseguirei, a não ser que a tenha fotografado e filmado.

O momento em que seu namorado lhe pediu em casamento, aquela caminhada que deu sozinha à beira-mar, o mergulho noturno, o café da manhã na cama enquanto viam um filme do Chaplin, a declaração de amor no meio da estrada – se você não fotografou nada disso, será que aconteceu mesmo? Você ainda consegue lembrar da vida sem a ajuda de aparelhos?

Minhas duas últimas viagens ao Exterior foram feitas sem máquina fotográfica ou celular na bagagem. Fui e voltei sem uma única foto, o que para muitos talvez signifique “ela não foi”. Mas fui. A vida também acontece sem provas documentais.

Ainda Annie Leibovitz: entre seus inúmeros flagrantes, constam os momentos finais de seu pai e da escritora Susan Sontag, as duas pessoas que ela mais amou. As fotos de ambos, cada um na sua hora, agonizando, estão na exposição e no DVD.

Annie Leibovitz é uma artista, e suas lentes são seus olhos, ela não dissocia vida e trabalho, mas admito que senti, mesmo havendo consentimento dos fotografados, uma invasão na intimidade mais secreta de cada um, que é a solidão.

Louvável como registro jornalístico, mas desnecessário como despedida pessoal.

Tudo isso para dizer que certas ocasiões ainda me parecem suficientemente fortes para resistirem intactas na nossa lembrança, e apenas nela.

Um ótimo domigo e um excelente início de semana.


30 de novembro de 2008
N° 15805 - DAVID COIMBRA


Pequenos ódios

O homem precisa de tempo para descobrir as coisas de que não gosta. Não é tão fácil. Normalmente, o sujeito se deixa levar pelos outros. Todo mundo gosta de algo, aí você pensa que gosta também. Não gosta, apenas não refletiu a respeito.

É o que já falei sobre a propaganda. Espanta-me o poder da propaganda. Porque a lógica por trás da propaganda é tão simples que chega a ser simplória. E ainda assim funciona.

É surpreendente. Alguém diretamente interessado em se promover, promove-se. Eu sou bom, eu sou bom, eu sou bom. Ora, qualquer pessoa mais ou menos racional deveria desacreditar desta opinião explicitamente suspeita. Só que não. As pessoas acreditam. Compram carros, votam, passam a fumar.

Por quê? Porque as pessoas têm necessidade de saber qual é a opinião dos outros sobre sua própria vida. As pessoas só acham que levam uma vida boa quando outras pessoas acham que ela uma vida boa.

Alguém diz que é ótimo, por exemplo... acampar. O cara fica repetindo que adora acampar, que acampar faz bem para a saúde, que é divertido acampar e tudo mais. Você ouve isso e vai acampar. Não gostou nem um pouco de acampar, dormiu naquela barraca apertada e abafada, foi picado por mosquitos, não havia banheiro por perto, um inferno. Mas saiu de lá jurando que adorou acampar.

Por quê? Porque você quer concordar com as outras pessoas. O ser humano passa a vida buscando a aprovação dos outros seres humanos. Quer fazer parte de um grupo, ainda que seja de um grupo de acampadores.

Eu mesmo, só há pouco concluí que odeio bar com música ao vivo. A não ser que vá ao bar exclusivamente para ouvir música. Mas não. Quase sempre vou a bares para conversar e, se o bar tem música ao vivo, a música não se torna música: torna-se barulho.

Estou lá sentado e sinto que algo está me irritando e não sei o que é. Aí descubro: é a maldita música ao vivo. Aquele cara com um violão, uivando Oswaldo Montenegro. Um tormento. Uma aflição. Uma dor. Mas por muitos anos as pessoas me convidavam:

– Que tal irmos a um bar com música ao vivo hoje? E eu:

– Música ao vivo! Que alegria!

Outra. Shows em estádios e ginásios. Já fui a shows em estádios que tinham de ser bons. Clássicos tipo Eric Clapton. Não foram. Foram chatos.

E nunca, nunca, jamais na minha vida, fiquei pulando em frente a um palco. Definitivamente, não sou homem de pular em frente a um palco.

Também concluí que tenho sérias restrições a certas atividades praianas. Gosto de ir à praia para:

1. Beliscar piriris e beber cerveja gelada.

2. Jogar bola ou frescobol.

3. Eventualmente caminhar ou nadar. Só.

Mas as pessoas gostam de ir à praia e ficar lá. Ficam e ficam e ficam na areia por horas, fazendo algo que odeio com todas as forças do meu ser: tomando banho de sol.

Elas tomam banho de sol nas costas por meia hora, viram-se e tomam banho de sol de frente por mais meia hora, aí dão meia-volta de novo para tomar mais banho de sol nas costas por nova metade de hora e giram novamente para tomar outro tanto de sol na parte dianteira por outro tanto de hora. Um galeto naquelas televisões de cachorro.

Agora os dias estão cada vez mais quentes. O verão se aproxima. Todos querem se mudar para a Orla. Até vou, desde que não permaneça sob o sol. Odeio banho de sol.

Mas tem o seguinte: topo ir à praia e ficar por horas estendido na areia como uma tatuíra, topo sentar num bar com música ao vivo e ouvir, cruzcredo, Djavan a noite inteira, vou a um estádio e fico de pé, na grama, assistindo à alguma cantora baiana, faço tudo isso, desde que não tenha que ouvir uma discussão entre um gremista e um colorado. Nenhuma discussão, nem em debate de rádio ou TV.

Não suporto mais bate-boca entre gremista e colorado, algo cada vez mais freqüente no Rio Grande do Sul, cada vez acirrado e cada vez mais maçante. São insuportáveis essas discussões.

Aceito outras chatices para me livrar delas. Agora, ir a um show do Oswaldo Montenegro, isso também não. Tudo tem seu limite.


30 de novembro de 2008
N° 15805 - MOACYR SCLIAR


A era do Ego

A historinha tem origem desconhecida, mas vale a pena contar.

Um escritor, vaidoso como costumam ser alguns escritores, está conversando com um amigo. Fala non-stop sobre seu tema preferido: ele próprio. Fala, fala, até que de repente dá-se conta de que aquilo não é justo.

– Só falamos de mim – diz – vamos falar um pouco de você. E pergunta:

– O que você acha da minha obra?

O anônimo escritor não é um caso isolado. O pronome “eu” está cada vez mais presente em livros, em blogs, em artigos. Na ficção, o tradicional narrador onisciente, que falava na terceira pessoa, foi para o espaço. Uma tendência que, é bom ressaltar, não vem de hoje. Ela faz parte da História, com H maiúsculo.

A modernidade vê o despertar do eu. A noção de indivíduo afirma-se cada vez mais e é reforçada por um sistema econômico que privilegia a iniciativa privada. Desse processo dá testemunho um objeto que então torna-se muito popular: o espelho. Todo mundo quer ter espelho; todo mundo cultiva a própria imagem. Desaparece o anonimato na arte, na literatura.

Autores de textos como o Antigo Testamento eram desconhecidos, e o mesmo sucedia com as obras de arte que figuravam nas igrejas. Agora, não. Agora os autores querem ser conhecidos, prestigiados, e, se possível, bem pagos.

Sigmund Freud, que adorava ficção, criou três míticos personagens para explicar o funcionamento de nosso psiquismo: o Id, que corresponde aos nossos instintos, o Ego, que somos nós mesmos ou a imagem que de nós fazemos, e o Superego, que corresponde aos dispositivos morais que nos guiam. Ao longo da história da humanidade, cada uma dessas figuras teve o seu período de predominância, a começar pelo Id, o troglodita.

O homem das cavernas era guiado pelos dois instintos básicos, o instinto de sobrevivência e o instinto da reprodução. Faria o que pudesse para conseguir comida e fêmeas; inclusive mataria seus competidores sem o menor problema.

Mas, à medida que a vida social foi se desenvolvendo, esse estilo de conseguir as coisas revelou-se contraproducente, quando não perigoso. Tornava-se necessário um jeito de conter a violência. É então que emerge o Superego.

A melhor representação do Superego é a divindade, sobretudo o Deus do monoteísmo, o Deus barbudo, poderoso, o Deus que vê tudo, que sabe tudo, que castiga o Mal e recompensa o Bem. É o Deus das três grandes religiões – judaísmo, cristianismo, islamismo – e consolidou-se na Idade Média.

Ego, Superego, Id. O cenário para a grande encenação de nossas vidas está armado e nele o Ego será o ator principal.

A irrupção do individualismo tem seu preço. O Ego triunfa, ocupa espaço; precisa, porém, civilizar-se. Exibir-se, sim, mas ao menos fingindo cortesia (“Vamos falar um pouco de você”). O Id, agora reprimido, protesta; o Superego, por sua vez, continua fazendo exigências religiosas, morais. Resultado: conflito, triste conflito.

Não por acaso a modernidade nasce melancólica, não por acaso a depressão é cada vez mais freqüente e, não por acaso, surge a psicanálise. O divã e o Prozac são as muletas terapêuticas do Ego. O mundo, às vezes, é pequeno para tanto Eu, para a epidemia de narcisismo.

E como é que a gente lida com essa situação? Devemos negar o nosso eu, devemos sumir no grupo, na comunidade, na multidão?

De jeito nenhum. A emergência do eu resultou da evolução da humanidade; é um sinal de progresso, e de progresso irresistível. Tudo o que a gente precisa fazer é modular o nosso eu, é sintonizá-lo com outros eus.

“Eu” tem de soar como “nós”. Se, ao falarmos de nós próprios, traduzimos sentimentos, idéias e emoções que podem ser partilhados pelos outros, estaremos nos valorizando sem desvalorizar nossos semelhantes.

Fácil de dizer, difícil de fazer, ponderarão vocês. Verdade. Mas com a prática a gente aprende. Como aprenderia o escritor de nossa historinha, se tivesse tempo e humildade suficientes.


30 de novembro de 2008
N° 15805 - VERISSIMO

Metamorfoses

Vladimir Nabokov era um lepidopterólogo, palavra que lembra uma borboleta passando.

Como romancista e crítico, também gostava de captar espécimes de escrita e alfinetar seu sentido exato, como insetos num estojo, para admirá-los.

As duas paixões o levaram a tentar identificar em que tipo de inseto Kafka tinha, afinal, transformado Gregor Samsa, em A Metamorfose. Na história do Kafka, um dia Gregor Samsa acorda de um sono inquietante e se vê transformado num monstruoso... o que, exatamente?

Convencionou-se que o desafortunado Gregor acordou transformado numa barata. Nabokov concluiu que o inseto era um grande besouro e estranhou que Kafka ignorasse que os besouros têm asas. Se o inseto do Kafka pudesse sair voando a história teria outro sentido. Ou mais um sentido, além de todas as outras interpretações dadas à obscura alegoria.

Nabokov dedica a sua conjetura sobre as asas (está na coleção de palestras sobre literatura que fez antes de ficar famoso com a publicação de Lolita) a todas as pessoas que têm asas, mas não sabem.

Entre as muitas interpretações de A Metamorfose, a que Nabokov rejeita com mais desdém é a freudiana, segundo a qual a origem da história é a relação difícil de Kafka com seu pai, e seu sentimento de culpa. Freud era uma das principais antipatias de Nabokov. E elas não eram poucas.

Metamorfoses atrás de interpretações, freudianas ou não, existem desde antes de Ovídio, na mitologia e na literatura. Num livro sobre o tema – chamado Fantastic Metamorphoses, Other Worlds, não sei se foi traduzido – Marina Warner descreve, por exemplo, a transformação sofrida pela palavra e o conceito de “zumbi” através dos anos.

Segundo Warner, “zombie” apareceu em inglês pela primeira vez numa História do Brasil em três volumes escrita por Robert Southey e publicada na Inglaterra entre 1810 e 1819. Southey relata a revolta de escravos e índios contra os colonizadores, liderados por “Zombi”, que identificam com um Deus angolano e que acaba barbaramente sacrificado no fim da revolta.

Depois da derrota do “Zombi” descrito por Southey, que inspirou protestos e poemas na Europa, ganhou corpo a versão oficial de que “Zumbi” era o nome do Diabo na língua dos africanos, o primeiro passo para transformar o mártir não em herói venerável mas em assombração.

De líder libertário de pessoas que preferiram morrer a ser escravos o nome foi lentamente se metamorfoseando até significar um corpo vazio, sem emoção ou discernimento, a carcaça do que fora um dia. O zumbi de agora é o zumbi de antes, vencido e eviscerado.

Na sua palestra sobre A Metamorfose do Kafka, Nabokov não propõe nenhuma interpretação, pelo menos nenhuma com uma inegável marca pessoal.

Nota certas reincidências no texto – como o número três (as três portas do quarto de Gregor, os três membros da família mais três empregados, os três hospedes com três barbas) – mas recomenda que não se dê muita importância à coincidência, que é mais técnica do que simbólica.

A fantasia de Kafka tinha sua lógica, e o que pode ser mais lógico do que o velho trio, tese, antítese e síntese? Acima de tudo se deveria evitar qualquer mito proposto por seguidores do “feiticeiro de Viena”, que era como ele chamava o Freud.

Para Nabokov, interpretações além da realidade do texto eram desnecessárias. Afinal, nós todos já tivemos a sensação de acordar estranhamente, como Gregor Samsa.

“Acordar como um inseto não é muito diferente do que acordar como Napoleão ou George Washington”, diz Nabokov. E conta: “Conheci um homem que acordou como o Imperador do Brasil”.

Diogo Mainardi

2 789 toques

"Para o colunista, o essencial é eliminar qualquer sombra de ambigüidade. Dou um jeito de solucionar a crise da economia mundial numa única coluna, com um único argumento. Paul Krugman também"

Paul Krugman, o Nobel de Economia, recomenda gastar alopradamente. Eu recomendo o oposto: cortar gastos alopradamente. Quem está certo? O Nobel de Economia ou o Jabuti de 1990?

Paul Krugman é colunista do New York Times. Eu sei o que acontece com ele, porque é o mesmo que acontece comigo. Uma coluna tem mecanismos próprios.

A gente aprende a esgotar todos os assuntos numa tacada só, limitando-os a um determinado número de toques. Meus pensamentos restringem-se a 2 789 toques. Menos do que isso, me embanano. Mais do que isso, eu murcho.

O assunto pode ser Aristóteles ou uma torneira gotejante na pia do banheiro: o que tenho a dizer sobre eles se encerra rigorosamente depois de 2.789 toques. Para o colunista, o essencial é eliminar qualquer sombra de ambigüidade. Dou um jeito de solucionar a crise da economia mundial numa única coluna, com um único argumento. Paul Krugman também.

Um colunista é um Cafuringa, que corre olhando para a bola até sair pela linha de fundo. Daí a receita peremptória do Nobel de Economia: gastar alopradamente. Daí a receita peremptória do gordinho indolente: cortar gastos alopradamente. Quem está certo? Nenhum dos dois. Um colunista nunca pode estar certo.

Em outubro, num artigo sobre o estado calamitoso da economia americana, Paul Krugman afirmou: "Somos todos brasileiros". Ele se referia ao fato de agora os Estados Unidos sofrerem o contágio dos mercados, como um país do Terceiro Mundo, como o Brasil.

Se os Estados Unidos real-mente se transformaram num Brasil, Paul Krugman, com seus planos espalhafatosos, é o Luiz Gonzaga Belluzzo deles. E os brasileiros sabem que um Luiz Gonzaga Belluzzo sempre acaba encontrando seu Dilson Funaro. O Dilson Funaro americano só pode ser Lawrence Summers, o principal conselheiro econômico de Barack Obama.

Ele concorda com Paul Krugman que a saída para a crise é inundar a economia com dinheiro público. Ele concorda igualmente que é melhor gastar de mais do que gastar de menos, sem dar a menor pelota para o rombo nas contas.

Assim como Paul Krugman, Lawrence Summers também se tornou um colunista.

No caso, do Financial Times. Nessa economia gerida por colunistas, aboliram-se todos os conceitos mais simples e, por isso mesmo, intelectualmente mais enfadonhos:

corte de gastos, disciplina fiscal e aumento de impostos, que implicam um período de ajuste, com arrocho salarial, desemprego em massa e quebradeira generalizada.

É complicado comparar um lugar ao outro. Os Estados Unidos tomam dinheiro emprestado com juros iguais a zero, o Brasil paga 15%. Eles planejam gastar em investimentos, a gente gasta com custeio.

Mas, se Paul Krugman está certo e os Estados Unidos de fato se transformaram num Brasil, o futuro da economia mundial está garantido: sairemos, com bola e tudo, pela linha de fundo.


Administradores de esquerda

"Em 500 anos de história, nunca tivemos equipes de administradores elaborando programas de governo"

Quando elogiei uma declaração de Dilma Rousseff, em VEJA de 21 de março de 2007, usei a expressão "administradores de esquerda", que intrigou muita gente.

Principalmente aqueles que pensam só existir administradores de direita. Achar que só existem administradores de direita no mundo é um preconceito e um insulto aos 2 milhões de administradores deste país. Para começar, administração é uma ciência neutra, como a engenharia e a medicina.

O que não impede que haja administradores de direita, de esquerda e de centro-esquerda, como de fato acontece. Em segundo lugar, há tempos existe no Brasil a carreira de administração pública, que de direita não tem nada.

De fato, administradores de direita são encontrados em empresas controladas por empresários de direita. Mas a maioria dos administradores é de centro e centro-esquerda, embora nem todos se definam assim.

São aqueles que administram empresas "sem dono", são aqueles que administram empresas de capital aberto e democrático, são os administradores socialmente responsáveis, que estão crescendo em número e poder. Foram eles que lutaram pela pulverização do capital, enfraquecendo assim o controlador capitalista, que foi a primeira ação da esquerda de fato vitoriosa.

Foram os primeiros a criar fundos de aposentadoria para trabalhadores, que hoje controlam 40% do capital americano. Foram os primeiros a criar planos de saúde aos trabalhadores. Foram os precursores do movimento de responsabilidade social das empresas brasileiras.

Ilustração Atômica Studio

No 3° Congresso Internacional de Responsabilidade Social de 1998, havia somente três administradores representando o Brasil.

Este seu colunista, o administrador Oded Grajew, criador do Instituto Ethos de Responsabilidade Social, e Henrique Meirelles, mais um desses administradores (do Coppead, Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração de Empresas da Universidade Federal do Rio de Janeiro) injustamente tachados de ser de direita.

Se Meirelles fosse de direita, não aceitaria um cargo no governo do PT, muito menos seria precursor de um movimento de humanização das empresas como esse.

Um dos grandes erros da Revolução Socialista de 1917 foi que ela eliminou, destituiu e expulsou todos os administradores da União Soviética. Dizimaram o segundo escalão da nação. Machiavel recomendava eliminar somente o primeiro escalão.

"Em meados de abril de 1918 os administradores haviam sido totalmente eliminados", orgulha-se um historiador da revolução de 1917, já que eles eram considerados lacaios do capitalismo. Acabaram também com todos os gerentes, supervisores, chefes de seção, bem como contadores e auditores, considerados "espiões" do capitalismo. O restante fugiu a tempo.

Incentivaram a autogestão, o que supõe que administradores não acrescentam valor algum à sociedade. Destruíram os sistemas de avaliação de desempenho, e a produção despencou logo em seguida. Foi esse erro que deu início à desorganização e à corrupção que ainda persiste na Rússia.

O erro foi esquecer que o socialismo precisa ser tão bem administrado quanto o capitalismo, algo que muitos intelectuais brasileiros também esqueceram. Muitos nem sequer conhecem um único administrador.

Nos Estados Unidos, a esquerda americana encabeçada por Harvard fazia justamente o contrário. Criava uma escola de administração em 1908 para formar e apoiar o "administrador socialmente responsável". Incentivaram e deram prestígio àqueles que fariam a oposição ao empresariado capitalista da época.

Infelizmente, o Brasil seguiu a linha da esquerda soviética e não a da esquerda americana. Nossos intelectuais, em vez de apoiar, demonizam o administrador nos seus textos, na mídia, nas novelas, retratando-os como fordistas, desumanos e "lacaios do capitalismo".

Movimentos sociais que alijam administradores do seu seio estão fadados ao fracasso. Por incrível que pareça, nunca tivemos equipes de administradores elaborando programas de governo, em 500 anos de história.

A esquerda raramente coloca administradores de esquerda e centro-esquerda para ser ministros, para administrar este país. Algo que a esquerda brasileira, a mais moderna pelo menos, deveria seriamente repensar.

Stephen Kanitz é administrador - www.kanitz.com.br


"Quero fazer muito sexo”

Com esse anúncio, publicado num jornal, uma sexagenária atraiu 63 interessados – e realizou o desejo com quatro deles
Martha Mendonça

JANE

Hoje, com 75 anos, ela afirma que não precisa mais publicar anúncios para fazer sexo – mas diz ter se divertido muito com os parceiros que atenderam a seu apelo

A professora aposentada Jane Juska tinha 66 anos e um jejum sexual que durava três décadas quando decidiu publicar um anúncio incomum num jornal de literatura de Nova York: “Antes de completar 67 anos – no próximo mês de março –, eu gostaria de fazer muito sexo com um homem de quem eu goste”.

Jane, então divorciada e já com um filho adulto, imaginou que no máximo dois ou três homens dariam retorno. Mas sua caixa postal recebeu 63 respostas. Ela escolheu alguns dos candidatos e marcou encontros para conhecê-los pessoalmente.

Fez sexo com quatro deles (um de cada vez). O ato de coragem só não foi maior que, anos depois, contar suas aventuras no livro Uma Mulher de Vida Airada – Memórias de Amor e Sexo depois dos 60 (Editora Rocco), que chega ao Brasil nesta semana.

Jane afirma que antes de publicar o anúncio se perguntava se nunca mais teria um homem – e essa dúvida fez soar um alarme.

“A maioria das pessoas de idade, em especial as mulheres, têm medo de correr riscos”, diz. “Preferi agir a esperar que alguma coisa acontecesse”. Antes de publicar o anúncio, ela havia tentado outras formas de despertar o interesse em potenciais parceiros. Freqüentou bares e festas, em vão.

Quando percebeu que a idade não era sua aliada numa paquera, desistiu. Ela diz ter acreditado que era melhor o celibato que a humilhação. A ousadia de publicar o anúncio mudou sua vida.

Quando as respostas dos pretendentes começaram a chegar, Jane teve o luxo de poder escolher. Ela separou as cartas, como conta no livro, em montinhos de sim, não e talvez.

Escolheu os mais originais e equilibrados – já que sua caixa postal recebeu até mensagens pornográficas e fotografias de nu frontal.

Em pouco tempo, ela deixou de lado a educação vitoriana do Meio-Oeste americano, a dor dos fracassos amorosos, os problemas de excesso de peso e da queda pela bebida para seguir até o aeroporto onde esperaria o primeiro candidato.

“Foi o momento em que tive mais medo. Quase desmaiei quando vi que ele carregava uma caixa com objetos que faziam barulho. Pensei: ‘São brinquedos sadomasoquistas!’. Depois, descobri que eram garrafas de vinho”, diz.

O parceiro mais jovem que ela encontrou tinha 32 anos e era a cara de David Duchovny, de Arquivo X

Depois de Jonah, de 82 anos – o primeiro –, não parou mais com os encontros. Jane não mede palavras para relatá-los.

Um dos candidatos, mal se apresentaram, pegou em seu traseiro. Outro pediu que ela apoiasse seus seios na mesa do restaurante – e os apalpou. Houve até quem tenha roubado sua calcinha.

Ela também fala de masturbação e gosta de expor seu desejo pelo sexo masculino, fazendo referências ao corpo dos homens, em especial o traseiro.

A maioria deles beirava ou passava dos 60 anos. Mas houve Graham, de 32, segundo ela um sósia do galã David Duchovny, de Arquivo X, que depois se tornou um grande amigo.

“Eu me diverti muito”, afirma. No meio de tanta diversão, apaixonou-se. Robert, porém, tinha outro relacionamento – além de dores insuportáveis na coluna, o que tornava o sexo mais difícil.

Uma Mulher de Vida Airada não fala só dos encontros sexuais de Jane, mas de sua vida e escolhas.

Do relacionamento com os pais à paixão pela literatura, do divórcio às aulas de redação para presidiários, Jane dá o pano de fundo para a maior aventura de sua vida, mostrando que a terceira idade não precisa ser um tempo apenas de renúncias e lembranças.

Hoje, aos 75 anos e colhendo os frutos de seu livro, lançado no mundo inteiro, ela diz que continua em atividade. “Já não preciso mais de anúncios”, afirma.


ERROS CLÁSSICOS

Tenho espírito maligno. Adoro os erros dos outros. Especialmente os erros dos filósofos clássicos. Adoro lembrar detalhes sórdidos citados por um historiador secundário chamado Will Durant.

A humanidade, mesmo nos seus melhores momentos, foi terrível. Em Atenas, até hoje elogiada por sua democracia, de 400 mil habitantes, 250 mil eram escravos. Mulheres e estrangeiros também não contavam.

Aristóteles, o primeiro grande observador científico, achava que o homem possui oito costelas de cada lado. Já a mulher teria menos dentes que o homem. Talvez o homossexualismo dominante entre os gregos explique essas falhas de pesquisa de campo do gênio.

Spinoza, um dos filósofos mais em voga atualmente, via no medo e na esperança as explicações para as ações humanas. Era um determinista.

Apesar disso, considerava importante castigar os hereges, 'sem ódio', sendo importante, depois, perdoá-los por serem ignorantes. Meu filósofo predileto, o mal-humorado Schopenhauer, via as mulheres como seres de cabelos compridos e idéias curtas. O amor, segundo ele, é o resultado da ação dos instintos em busca do parceiro ideal para a reprodução.

Cada um procuraria no outro aquilo que não tem para legar ao rebento. As mulheres, tendo beleza, buscariam nos homens, mesmo feios, coragem, energia, determinação e atitude.

Schopenhauer não podia imaginar uma sociedade na qual o sexo, protegido por anticoncepcionais, não estivesse voltado para a reprodução.

Nos estudos sobre a metafísica do amor, o filósofo definiu que os homens preferem mulheres entre 18 e 28 anos, faixa ideal para ter filhos, com bom esqueleto, fundamental para carregar um filhote, mesmo com um rosto feio. Já as mulheres teriam predileção por homens de 35 anos, com uma boa situação financeira.

Pés pequenos e dentes fortes também contariam muito, pois os dentes, bem entendido, permitem uma boa alimentação.

Pobre filósofo, não podia prever a era das top models. Mulheres muito altas estavam para ele entre as menos admiradas pelos homens. Errou feio. Salvo se, como dizem as más línguas, a valorização das taquaras seja típica dos heterodoxos que mandam na moda.

Boa parte do que Schopenhauer escreveu não se aproveita. Basta pensar nesta pérola: 'Foi necessário que a inteligência do homem se achasse obscurecida pelo amor para que chamasse belo a esse sexo de pequena estatura, ombros estreitos, ancas largas e pernas curtas'.

Em contrapartida, afirmou que a vida de cada um oscila entre a dor e o tédio. O grande mal que tortura cada homem é o desejo. Só aquilo que não se tem alcança valor incontestável.

'Sentimos a dor, mas não a ausência da dor. Sentimos a inquietação, mas não a ausência da inquietação, o temor, mas não a segurança. Sentimos o desejo e o anelo como sentimos a fome e a sede.' Schopenhauer vai ao extremo: 'Se um Deus fez este mundo, eu não gostaria de ser esse Deus: a miséria do mundo me esfacelaria o coração'.

Garante que, se o criador fosse um demônio, não faltaria um acusador para dizer-lhe: 'Como ousaste interromper o repouso sagrado do nada para fazer surgir uma tal massa de desgraça e de angústias?'. Toda essa amargura é o resultado da falta de amor materno.

A mãe de Arthur só queria fazer festa. Schop não viu sereia alguma num doce balanço a caminho do mar. A simples vista de Gisele Bündchen teria mudado metade da sua filosofia. Mas acertou, como sabem os publicitários, no essencial: o ponto frágil da humanidade é o desejo.

juremir@correiodopovo.com.br

Um ótimo sábado e um excelente fm de semana - Gostei do texto endosso as palavras do Juremir


29 de novembro de 2008
N° 15804 - A CENA MÉDICA | MOACYR SCLIAR


A história de um estigma

Porto Alegre sediou, nesta semana, um importante evento médico, o Congresso de Hansenologia. Congresso de quê? – estranharão vocês. Hansenologia é a parte da medicina que estuda a hanseníase, o termo científico para lepra.

Por disposição legal, no Brasil esta última palavra não pode ser usada em documentos oficiais. Isto reflete a existência de um dos mais antigos estigmas da história da humanidade.

O Antigo Testamento menciona uma doença conhecida como tzaraat, palavra em geral traduzida como lepra, ainda que outras doenças de pele pudessem estar incluídas neste rótulo.

O diagnóstico estava a cargo do sacerdote; médicos à época não eram figuras muito freqüentes e nem muito confiáveis. Além disso, o diagnóstico da lepra não era exatamente um procedimento médico; nenhum tratamento, mesmo tentativo, era instituído. O objetivo era rotular o paciente como “puro” ou “impuro”.

E, se se tratava de “impureza”, via-se nas lesões a evidência do castigo divino do qual a pele era um alvo habitual. Por que a pele? Em primeiro lugar, porque a pele é visível. Uma doença dos rins, por exemplo, dificilmente serviria como estigma. As lesões da hanseníase, às vezes deformantes, saltam aos olhos.

Além disso, trata-se de doença contagiosa (muito pouco contagiosa, mas contagiosa, de qualquer maneira) de modo que contrai-la levantava a suspeita de contato corporal – de sacanagem, em outras palavras.

Que o tabu funcionou, mostra-o o fato de que o cristianismo também o endossou.O modelo de diagnóstico era semelhante ao do Antigo Testamento, mas ficava a cargo de uma comissão, composta de um bispo, vários clérigos e também um leproso, considerado especialista na matéria.

Rotulado o examinando como leproso, procedia-se ao processo de exclusão: ele era envolto em uma mortalha, e rezava-se uma missa de réquiem; os presentes jogavam terra sobre o excluído que era conduzido a um dos muitos leprosários (quase 20 mil na Europa), administrados e cuidados por ordens religiosas.

O leprosário de Itapoã, aqui no RS, surgiu relativamente tarde, em 1940, e hoje está praticamente desativado.

Com o final da Idade Média, e por razões que não são bem claras, o problema da lepra diminuiu consideravelmente. No final do século 19 foi identificado, pelo cientista norueguês Gerhard Armaur Hansen (daí o nome hanseníase) o bacilo causador da doença; a partir daí desenvolveu-se um tratamento que, na imensa maioria dos casos, resulta em cura.

Mas o estigma persistiu por algum tempo e gerou a medida politicamente correta de evitar a palavra lepra. O que causou alguns problemas. Os pacientes não sabiam o que é hanseníase, e o médico tinha de traduzir: “É a antiga lepra”. Ou seja: de alguma forma a palavra era dita.

Estigmas vêm e vão, e disto temos vários exemplos. Num passado ainda recente, a palavra “colono” era depreciativa; hoje é motivo de orgulho. A eleição de Barack Obama pode ajudar a acabar com o tom pejorativo com o qual os racistas pronunciavam a palavra negro.

É uma lição que a história nos ensina: de alguma maneira, a humanidade avança. Avança graças à ciência, avança graças ao bom senso. Aos poucos, trocamos o estigma pela lógica. O que é um benefício para muita gente.


29 de novembro de 2008
N° 15804 - PAULO SANT’ANA | LUIZ ZINI PIRES (interino)


A república dos sem-carro

Eu sou um sem-carro assumido. Quando todo mundo assinou um papel e comprou (ou trocou) o seu em 70 vezes, eu passei o meu adiante. Vendi, não sem uma série de bobas lamentações iniciais. Gostava do carro.

Era fiel companheiro de longas viagens. Ele avançava pela BR-101 com mais vontade quando os Rolling Stones, do Black and Blues para baixo, assumiam a trilha sonora interna. Gostava do mar, ficou só uma vez enterrado na areia fofa, mais por culpa do condutor do que por defeito mecânico, falta de força ou carência de vontade.

Perto dele fui assaltado, um longo 38 na cabeça. A dupla de bandidos queria apenas a máquina, que voltou semanas depois depenada, sem as rodas originais, riscado e mudo.

Depois, em seqüência, alguém bateu na lateral, outro amassou a porta do motorista e fugiu, um terceiro escangalhou o espelho e escapou também. Na época, não sabia qual era o mais azarado. Como não podia me vender, passei a máquina adiante.

Dois anos e alguns meses adiante, na crista de uma primavera de 33°C, procuro uma longa lista de arrependimentos, vasculho e não acho nada significativo. Ok, talvez encontre um: a saudade das curtas e revigorantes viagens de alguns finais de semana. Ponto.

Mas, por outro lado, vejo a garagem vazia e com espaço, não pago prestação, IPVA, multa, oficina, gasolina e óleo, nem sou achacado por flanelinhas vitaminados e de toucas ninja.

Não gasto com estacionamento, não me estresso com filas para chegar a “este” estacionamento, posso continuar visitando os bons bares da Capital em busca do chope perfeito, os testes de bafômetro não me preocupam e assisto ao movimento (cada vez menor) de barreiras policiais como um bálsamo nas nossas ruas de faroeste.

Ao abandonar o carro de vez, sem me dar conta na hora, passei a integrar a gigantesca confraria dos brasileiros que batem pernas nas cidades grandes, andam de lotação, adotam o ônibus, preferem o táxi. Fui rebaixado como cidadão, mesmo sem considerar o automóvel um inimigo, muito pelo contrário.

Passei a ver a cidade com novos óculos, conhecer melhor algumas ruas, observar históricas “calçadas” sem calçamento, praças sujas sem dono, esquinas sem policiamento.

Fui reapresentado à intimidade entupida das artérias da Capital depois de anos, entre idas e vindas, longe do escudo protetor de um automóvel fabricado no terceiro milênio.

A vida fora do automóvel no centro urbano é um inferno. Agora ele mesmo luta por um espaço que não tem mais, que sumiu, que engarrafou.

Quem caminha em busca do trabalho, do lazer ou da simples e barata satisfação do exercício em volta de um pobre parque, têm no motorista um inimigo definido, um vilão, um perigo a ser evitado. Não quero generalizar, mas eles são tantos, que eu penso que uma grande maioria atua do lado errado da força.

O motorista não respeita nada, carro maior, sinal vermelho, faixa de segurança, a sua avó atravessando a fileira de paralelepípedos, bicicleta, cãozinho de madame.

Sua pressa, ímpeto, desprezo pelo pedestre, supera qualquer gesto civilizado. Um pé na faixa de segurança é um convite seguro ao atropelamento. Não importa a cor do carro, a marca, o preço, a cilindrada.

Coloco ao lado dos insensíveis motoristas do dia-a-dia os motoqueiros. Não confunda com motociclistas. Os motoboys são avessos ao bom senso, são camicases e sua média de vida não alcança 30 anos. Não pode, todo dia morre um, sempre apressado. Nunca vi ninguém buscar a morte com tanta avidez todos os dias.

Quando vejo um duas-rodas subindo na calçada, derrapando sobre um passante, voando na contramão, lembro que ele é apenas o empregado dos serviços rápidos de alguém. Mas nunca vi, eu não, a retaguarda dos motoboys fazendo algo positivo em nome da classe.

Quando eu observo a indústria automobilística quebrada, falida no seu modelo de negócio, pedindo dinheiro de joelhos aos governos, dos EUA para baixo, noto que os que gastam a sola do sapato nos aglomerados urbanos também merecem o olhar complacente dos inconfiáveis políticos. Não que eles desejem outro caudaloso rio de dinheiro, como as montadoras.

Exigem apenas motoristas mais educados, com cursos obrigatórios aos faltosos, lei severa aos reincidentes, novas sinaleiras, mais faixas de segurança e, quem sabe, se não for pedir demais, um punhado de azuizinhos, um pouquinho mais simpáticos, dispostos a estender a mão aos abandonados pedestres da maior cidade dos gaúchos.


29 de novembro de 2008
N° 15804 - CLÁUDIA LAITANO


Os centenários

Foi um sonho esquisito – como são todos quando a gente fala sobre eles. Alguém me mandava uma carta informando que havia sido decidido que eu viveria até os 230 anos.

Não me ocorria, no sonho, questionar a decisão ou investigar em que instância essas coisas são decididas quando a pessoa não tem qualquer conviccção religiosa. O certo é que a notícia (condenação?) parecia ao meu “eu sonhante” profundamente perturbadora.

Sim, eu nunca mais precisaria me preocupar com todas as catástrofes e doenças terríveis que poderiam me apanhar sem aviso em plena terça-feira à tarde – atrapalhando definitivamente meus planos de conhecer o Egito e embalar meus netos. Mas a possibilidade de viver muito além do combinado implica também alguns inconvenientes, e era com eles que eu estava preocupada no sonho.

Muito além das questões práticas, o que me angustiava era a necessidade de redimensionar todos os planos de futuro – inventar interesses, projetos, ambições para preencher todo esse tempo até o comecinho do século 23. Foi com certo alívio, e inédito apreço pela mortalidade, que eu acordei desse pesadelo para a minha vidinha mais ou menos curta de sempre.

Lembrei desse sonho lendo semana passada uma reportagem no jornal Folha de S. Paulo sobre um lugar chamado Vilcabamba – um povoado de cerca de 4 mil habitantes no sul do Equador, a cerca de 650 quilômetros de Quito, onde há 10 vezes mais moradores com mais de cem anos do que a média mundial.

Nesses tempos de obsessão pela vida saudável e longa, Vilcabamba virou uma espécie de Meca para malucos e estudiosos de todos os tipos. Os moradores de Vilcabamba ainda não chegam aos 230 anos, mas já batem nos 120 sem esforço.

Muitos dos que passam dos cem anos lêem sem óculos, conservam os dentes e o cabelo originais de fábrica e, segundo a reportagem, trabalham e mantêm vida sexual ativa até o dia em que, subitamente, sentem-se mal e morrem, sem sofrer com doenças prolongadas.

O curioso é que eles fumam, bebem, comem muito sal, tomam café e convivem com condições sanitárias típicas de país do terceiro mundo. Várias teorias já foram levantadas para explicar o fenômeno, mas nenhuma foi comprovada.

Enquanto o mistério permanece, resta aos velhinhos de Vilcabamba aprender a conviver com os turistas da longevidade – milionários, crentes, cientistas, curiosos em geral. “Vêm por esses 40 anos como antes se ia por ouro ao Velho Oeste”, compara Ricardo Coler, médico e escritor argentino que estuda Vilcabamba.

Ontem foi o aniversário de cem anos do antropólogo Claude Lévi-Strauss (leia uma reportagem sobre ele no caderno Cultura deste sábado).

O arquiteto Oscar Niemeyer comemora 101 no mês que vem. Ambos são dignos de admiração não apenas por desafiarem as estatísticas de expectativa de vida, mas por terem se mantido ativos e apaixonados pelo que fazem durante tanto tempo.

Como o meu sonho maluco parecia me sugerir, mais complicado do que descobrir o segredo da longevidade é inventar um enredo que mantenha o interesse até o último capítulo. Niemeyer e Lévi-Strauss conseguiram.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008



Às favas a presunção de inocência

Nestes dias, outro caso tão polêmico quanto o do promotor foi julgado. Não vi ninguém clamar por justiça

NA QUARTA-FEIRA , os 25 desembargadores que compõem o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo absolveram, por unanimidade, o promotor Thales Ferri Schoedl, que matou a tiros Diego Modanez, 20, e feriu Felipe de Souza (hoje com 24 anos), em dezembro de 2004, no litoral norte.

Assim que o veredicto foi anunciado, começaram os protestos e a onda de "vitimismo". Eis uma amostragem das mensagens deixadas ontem no meu site/blog: "Gente especial julgando gente especial acaba em veredictos especiais";

"Licença para matar, o cara é o nosso James Bond"; "Uma das piores imoralidades no Brasil é o privilégio. Ele cometeu um crime comum e não foi a júri popular" e "Só pobre vai preso neste país".

O sentimento de indignação é proporcional às injustiças com as quais somos obrigados a conviver. Mas será que, nesse julgamento, a Justiça protegeu um dos "seus"?

Lembro o caso do também promotor Igor (hoje foragido), acusado de matar a mulher grávida. Ele negava a autoria do crime e foi condenado. Houve corporativismo? Não.

No que diz respeito a Schoedl, o promotor não negou a autoria do crime. Disse ter agido em legítima defesa. A balística confirmou sua versão. Testemunhas disseram que a provocação teria partido das vítimas e que Thales chegou a ser agredido.

E o processo não foi a júri popular porque Thales vem a ser promotor e, assim sendo, tem direito a foro especial. Discutir o porquê de alguns cargos terem esse privilégio e outros não, são outros quinhentos.

Estou defendendo o promotor? Não estou. Acho deplorável resolver disputas a bala e creio que quem vai armado a um luau está procurando encrenca. Mas de que adianta esbravejar, se a lei permite que promotores, por serem vítimas de ameaças, tenham direito a porte de armas?

Também considero pueril a discussão de o réu ser "rico" e as vítimas, "pobres". Todos os envolvidos na história pertencem à mesma classe média que você e eu, meu nobre leitor. Pode ter certeza de que não estariam participando de um luau na Riviera de São Lourenço, no litoral norte, se não pertencessem.

Talvez seja esse o motivo de tanta gritaria: é um caso da classe média se compadecendo com a classe média. Por que digo isso? Ora, nestes dias, outro caso polêmico foi julgado, mas não vi ninguém clamar por justiça.

Refiro-me à condenação dos office-boys Renato Correia Brito, 24, William de Brito Silva, 28, e Wagner da Silva, 25, acusados de estuprar e matar a ex-namorada de Renato, Vanessa Batista de Freitas, 22.

Os rapazes são aqueles, o leitor deve lembrar, que cumpriram mais de dois anos de pena preventiva e acabaram libertados depois de o chamado "maníaco de Guarulhos" ter assumido a autoria do crime.

O veredicto foi apertado: quatro votos a três. A votação em si já pediria cautela ao juiz, mas há outras questões a considerar:

a) os três apresentaram álibis, b) as provas técnicas estavam contaminadas, c) persiste a suspeita de que eles tenham confessado sob tortura e d) a prisão preventiva já tinha, em certo momento, sido considerada ilegal.

Mesmo assim, o juiz Leandro Jorge Bittencourt Cano achou por bem mandar às favas a presunção de inocência. Os três aguardarão recurso atrás das grades. É como dizem: decisão da Justiça não se discute. Mas lamentar, quem diz que não pode?

barbara@uol.com.br


"Deserto Feliz" acerta com olhar poético sobre a opressão

Longa de Paulo Caldas usa lirismo para abordar vida angústia de jovem nordestina

Na imagem-chave de "Deserto Feliz", usada na abertura e que mais tarde organiza a narrativa, uma adolescente (a estreante Nash Laila) está sentada à beira de uma cama, com expressão angustiada. Parece ser um quarto de hotel. Ao fundo, um homem mais velho, deitado.

A personagem será apresentada em três tempos, com a cadência de um registro cotidiano documental pelo diretor Paulo Caldas, em seu primeiro longa solo - ele assinou a ficção "Baile Perfumado" (1996) com Lírio Ferreira e o documentário "O Rap do Pequeno Príncipe Contra as Almas Sebosas" (2000) com Marcelo Luna.

Primeiro, encontramos a moça em casa, na cidade do título, sertão de Pernambuco.

Descrever o meio como opressivo seria eufemismo. Vítima de violência física e moral, ela se prepara silenciosamente, mas com determinação, para pular fora desse barco.

O que lhe acontece, nos dois tempos seguintes, lembra a trajetória de inúmeras jovens nordestinas e permite que se vislumbre, no varejo de uma única história de vida, o drama social que, no atacado, aponta para a reduzida perspectiva de futuro oferecida aos jovens pelo país.

Não é, contudo, um filme-denúncia convencional. Escrito por Caldas, Marcelo Gomes, Xico Sá e Manoela Dias, o longa se afirma pela poesia, com destaque para a beleza amarga (como na canção-tema "Rosa Amarela") de seu terceiro tempo, fusão entre sonho e medo, entre desejo de escapar à própria circunstância e incapacidade de fazê-lo. (SÉRGIO RIZZO)

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DESERTO FELIZ
Produção: Brasil/Alemanha, 2007
Direção: Paulo Caldas
Com: Nash Laila, Zezé Mota
Onde: estréia hoje no Unibanco Arteplex e no iG Cine
Classificação: não indicado a menores de 16 anos
Avaliação: bom


Obrigado aos que têm paciência e esperança

O mundo, as pessoas, os países, os partidos, os governos e a vida não andam fáceis. Isso é notícia velha, todo mundo sabe.

Mas não quero falar em violência, fanatismos, guerras, desigualdades, poluição, corrupção e outras coisas do gênero, que andam por aí querendo nos tirar ainda mais do sério. Hoje é sexta-feira, tem sol lá fora e a vida segue, ou, ao menos, parece seguir.

Hoje em dia o que parece às vezes é mais importante do que aquilo que é, vá lá. A vida segue atualmente em ritmo mais rápido do que no passado, com mais complexidade e problemas, mas segue, vai para algum lugar, se move, sei lá.

No meio desse caos meio organizado, quero respirar calmo feito um iogue indiano e, ao menos por alguns instantes possíveis, erguer um brinde a todos os que, apesar de tudo, tentam manter a calma, a esperança e a fé num futuro melhor.

Sim, sei, assim falando até parece que estou discursando no Fórum Social Mundial ou que estou brincando de utópico e otimista profissional da sexta-feira. Não é bem isso.

Nesta sexta, descobri que a moça que vende jornais na esquina tem dois filhos, sai de casa às vinte para as cinco da madrugada, deixa as crianças na sogra, toma mais duas conduções e, lá pelas sete, está no seu posto, vendendo os eternos jornais com as velhas e novas notícias. Fica de pé, ao sabor do sol, da chuva e dos ventos, cumprindo sua missão.

Feito a Maria Maria da canção do Milton Nascimento, ela acredita, tem esperança brasileira, agüenta, ainda sorri e vai em frente. Quem sou eu, e muitos outros, para reclamar que acorda às seis e meia da manhã para cumprir obrigações?

Sim, sei, igual à moça do jornal existem milhões que, pacientemente, cumprem uma rotina diária dura, ganham pouco, têm muitos problemas e, apesar disso, estão aí, botando fé e esperança no amanhã. Quero dedicar estas linhas para todos os que estão envolvidos com um mundo de mais paz, harmonia e igualdade.

Especialmente estas linhas são para os pequenos-grandes anônimos homens, mulheres, jovens e crianças que nos dão lições diárias de vida e humanidade.

Lições simples, cristalinas, cotidianas e, de repente, muito melhores que algumas receitas e lições pseudo-sofisticadas que alguns doutores andam garganteando por aí.

Saúde, paz e vida melhor para todos, especialmente para a turma do querido Eduardo Galeano. Acho que certamente ele vai concordar comigo e com a homenagem a quem mais merece.

Ótima sexta-feira e um excelente fim de semana

28/11/2008 - Jaime Cimenti

Sobre as origens do tempo, a essência do universo e o sentido da vida

O alentado romance A fórmula de Deus, do grande jornalista e escritor moçambicano José Rodrigues dos Santos, foi definido pelo Diário de Notícias de Portugal como "Um big bang literário". Quem ler a narrativa de 558 páginas vai ver que o jornal não exagerou.

O romance marca a volta do historiador-detetive Tomás Noronha, do romance O Códex 632, obra de sucesso de José Rodrigues dos Santos, que é também autor de A filha do capitão, A ilha das trevas e O sétimo selo. Os livros do autor foram publicados em vários países da Europa e A fórmula de Deus foi best seller em Portugal.

Dos Santos é um dos jornalistas mais importantes da atualidade, já recebeu muitos prêmios e, no momento, é âncora da RTP, a televisão pública de Portugal. Em síntese, o romance parte de uma questão essencial: será que Einstein teria descoberto a prova científica da existência de Deus?

Tudo começa com Tomás Noronha sendo abordado por uma sedutora iraniana, Ariana Pakravan, que traz a cópia de um documento inédito, um velho manuscrito com título e poema enigmáticos: Die Gottesformel, Terra it fin, De terrors tight, Sabbath fore, Christ nite.

O poema é um código-chave para decifrar um estudo não publicado de Albert Einstein, que, teoricamente, teria sido encomendado ao cientista pelo então primeiro-ministro israelense David Ben Gurion.

A iraniana faz uma proposta, que Tomás aceita, e passa a trabalhar para quebrar o código.

O historiador-detetive é lançado numa estranha aventura que o coloca na rota da crise nuclear com o Irã e da mais importante descoberta efetuada por Albert Einstein, um achado que nos leva a penetrar no maior mistério da História: a prova científica da existência de Deus.

A narrativa toma por fundamentos as mais avançadas descobertas da ciência nos campos da Física, da Cosmologia e da Matemática e nos transporta numa empolgante e primordial viagem até as origens do tempo, à essência do universo e ao sentido da vida. O inteligente thriller mescla bem ciência, História, CIA, governo iraniano e até um monge tibetano.

Os leitores estão, pois, convidados a tentar saber se Einstein teria descoberto a prova científica da existência de Deus, através da leitura de um romance pleno de idéias, mistérios, ação e suspense.

José Rodrigues dos Santos, doutor em Ciência da Comunicação e professor da Universidade Nova de Lisboa, ganhador de três prêmios da CNN, não por acaso marca presença no cenário literário internacional. 558 páginas, Editora Record, telefone 21-2585-2000.


28 de novembro de 2008
N° 15803 - PAULO SANT’ANA | CLÁUDIO BRITO (interino)

Humildade e constrangimento

A governadora Yeda mostrou humildade, mas não deixou de ser constrangedor vê-la dando explicações ao ministro dos Transportes. Confirmou-se o que o deputado Henrique Fontana dissera há uma semana ou mais.

O governo estadual antecipara-se ao incluir a anuência do ministério ao Duplica RS em seus documentos. O ministro foi o último a saber.

Dizendo-se chateado, anunciou a remessa de tudo a seus assessores técnicos, que lhe encaminharão pareceres. Então chegará à conclusão do que fará com o pedido gaúcho de prorrogação das concessões de rodovias.

É certo e indiscutível que nada avançará sem o sinal de permissão de Brasília. Também já se sabe que os prefeitos das cidades diretamente interessadas não querem o projeto como está concebido, apontando várias alterações que estariam sob exame agora.

Então, cabe a pergunta: para que tanta pressa?

Não tem sentido exigir-se da Assembléia Legislativa a votação do projetão dos pedágios em regime de urgência. Falta muito ainda para ele estar pronto e acabado.

E se pensarmos em tantas dúvidas em torno da constitucionalidade e legalidade da proposta de se espichar contratos por três períodos de governo sem licitação e sem previsão que tivesse sido afirmada na criação dos pedágios, será fácil adivinhar onde tudo vai terminar. Na Justiça, é claro.

Mais um lance de judicialização da vida em nosso país. Ou alguém duvida que isso tudo acabe nos tribunais?

Melhor que sejam revistos todos os pontos controversos agora. Mais prejuízos teremos se deixarem para depois. Ponderado será permitir que a sociedade compreenda e discuta a matéria. Necessário conceder aos deputados estaduais todas as chances de estudo e decisão.

É preciso ter humildade e recuar, evitando-se constrangimento irreparável.

Mais urgentes são outros problemas do Rio Grande. Perguntem aos professores e aos policiais. Eles dirão sobre seus vencimentos e prerrogativas.

Se há constrangimento em voltar de uma greve com as mãos vazias, importante ser humilde nessa hora.

O que não deve apagar a chama da justa reivindicação dessas e de outras categorias do serviço público.

E todos esses dramas são mais urgentes que os pedágios.

Já sabemos que haverá poucos agentes de segurança para as operações de verão, ainda que se esteja por nomear militares e civis por esses dias.

Há alguma contradição entre a vitória de um orçamento sem déficit e o sucateamento de tantas estruturas.

Dos presídios é desnecessário falar, todos sabem as pocilgas onde se amontoam aqueles que erraram e agora pagam, muitos deles, bem mais do que deviam, tema recorrente nos escritos do titular deste espaço.

O Sant’Ana reitera com razão: nossas cadeias impõem vingança em vez de justiça. Quem sabe um regime de urgência para isso também.

E não esqueçamos o constrangimento de se ter um posto policial do interior sendo despejado por atraso no pagamento de aluguéis.

O Estado ficou um ano inteiro sem pagar.

Com humildade, pediu socorro. Sem constranger-se, a sociedade acudiu. Foi o Consepro que pôs a conta em dia, mantendo abrigados os brigadianos

Organizo essas linhas com humildade e sem constrangimento.

Penso estar contribuindo modestamente com nossa governadora. Vejo-a soberana em ocasiões em que outros se recolheriam, o que é elogiável. Muitas vezes, sem humildade e constrangendo aos demais, como fez ao exigir silêncio das professoras com o dedo indicador sobre a boca.

Isso é soberba e não soberania. Então, nessas horas, criticável em algumas de suas atitudes. Como acontece com todos os mortais, é certo. Pode-se exigir mais dela? Sim. É o ônus que buscou com muita competência ao ser eleita.

O Duplica RS tem que entrar em decantação, precisa ficar livre de tudo que for duvidoso. A relação com os servidores tem que ser mais justa.

Ninguém precisa constranger-se em admitir, mesmo que seja aconselhável um pouco mais de humildade para se rever posições que se tornam nossos emblemas. Mais humildade, governadora, sem constrangimento.


28 de novembro de 2008
N° 15803 - DAVID COIMBRA


Pobres coitados

O brasileiro é um coitadinho. Eis a característica que unifica um povo tão diverso. Porque o brasileiro pode ser qualquer um: pode ser alto ou baixo ou de altura mediana, pode ser loiro ou negro ou mulato ou moreno, pode ser turco, japonês, alemão, africano.

O brasileiro pode ter qualquer aparência, e não é por outro motivo que o passaporte brasileiro é o mais cobiçado pelos escroques internacionais. Mas todo brasileiro se sente um coitado.

Todo brasileiro se acha injustiçado. Os chefes dos brasileiros são incompetentes e os perseguem. Os policiais os oprimem. Os governos são ainda piores: extorquem empresários e trabalhadores, e se esquecem do povo.

Ah, o povo. O brasileiro sempre fala no povo como uma gigantesca e impalpável entidade subalterna a outra entidade não tão gigantesca, mas igualmente impalpável: a malévola “Eles”.

“Eles” se aproveitam da ingenuidade do povo, “Eles” são corruptos, “Eles” é que estragam um país tão rico e belo, “Eles” não sabem aproveitar as qualidades dessa gente inzoneira, feliz e criativa.

Quem são Eles? Os governantes, os chefes, as autoridades. A responsabilidade é toda deles.

O brasileiro ganha mal? A culpa é do patrão que o explora. Mora mal? Por causa do Estado, que não financia a Habitação. As filas, a violência urbana, a sujeira das cidades, a carestia – Eles são culpados. A razão do problema nunca está no brasileiro, está fora dele.

Agora mesmo, milhares de brasileiros foram vitimados pelas enchentes em Santa Catarina, e parece que neste caso não dá para atribuir a culpa a ninguém, senão à Natureza inclemente.

Aí, como reagiram alguns brasileiros à tragédia que martiriza seus semelhantes? Comerciantes aumentaram os preços dos alimentos e da água potável – li que um litro de água chega a ser vendido a R$ 14.

Flagelados não abandonam suas casas com medo de que sejam arrombadas. Depósitos de mercadorias estão sendo atacados. Vi fotos de gente levando produtos de saque pela rua dentro dos próprios carrinhos dos supermercados.

Não eram alimentos. Eram TVs de tela plana, eletrodomésticos e bebidas alcoólicas. Uma farra. Para arrematar a festa, os caminhões que tombam nas estradas são saqueados pelas comunidades lindeiras às rodovias e pelos outros motoristas.

É o brasileiro que faz tudo isso. Não são os chefes, nem os patrões, nem os governantes que estão espoliando flagelados, roubando motoristas acidentados ou invadindo casas, supermercados e depósitos. Não são “Eles”. É o brasileiro. O povo. Por sua conta e iniciativa, sem que ninguém ordene ou o obrigue.

O que são essas pessoas que saqueiam caminhões tombados ou casas abandonadas? Não são oportunistas. São ladrões vulgares.

O que são os homens que aumentam o preço da água potável que saciará a sede dos flagelados? Exploradores cruéis.

Não são coitadinhos. São mesquinhos, gananciosos e desprezíveis. São grosseiros, velhacos e baixos. São a ralé. A escória da raça humana. São grande parte do povo brasileiro.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008



A PROFESSORA E A FAXINEIRA

Era uma vez um estado que se considerava culto, politizado e desenvolvido. Acima da média das demais unidades da Federação. Um dia, uma professora e uma faxineira encontraram-se numa parada de ônibus. A professora estava triste. Ganhava pouco.

Lamentava, com o cartão eletrônico, não poder mais vender as fichas de ônibus para arredondar o fim do mês. O governo não queria pagar o piso nacional fixado em lei para o magistério.

Ela havia seguido os colegas numa greve desesperada de final de ano. Por causa disso, estava prestes a perder 15 dias do seu parco salário. O governo fazia a chantagem de sempre e jogava a sociedade contra os professores, alegando prejuízo às crianças. A faxineira perguntou:

– Quem é mais importante para a sociedade, eu, que deixo uma casa como um brinco, passo, lavo e, muitas vezes, cozinho, ou quem ensina nossos filhos a ler e a escrever?

A professora hesitou. Não queria ofender a faxineira. Mas estava convencida de que o seu papel era mais importante. Afinal, estudara para exercer a sua profissão, da qual toda a estrutura social depende.

– Eu também passo, lavo, cozinho e deixo a minha casa como um brinco – disse a professora em tom conciliador. – Faço isso depois de ter ensinado um dia inteiro.

– Não seja por isso – emendou a faxineira. – Eu também tenho uma dupla jornada de trabalho. Passo, lavo e cozinho para a minha família depois de ter passado, lavado e cozinhado para a família dos outros.

– Não duvido disso – admitiu a professora. – Mas as coisas têm valores diferentes. Cada atividade tem a sua função social. Mas existem diferenças e hierarquias.

– Eu ganho R$ 80,00 por faxina, chego a fazer duas num dia, não dependo do Estado e não levo trabalho para casa – disparou a faxineira, que era meio neoliberal e completamente cética.

– Quanto você ganha por dia? A professora ficou vermelha. Gaguejou. Fez as contas. Finalmente, muito constrangida, confessou:
– Bem, com a complementação, ganho uns R$ 30,00 por dia.

– E você teve de estudar pra ganhar 30 pilas por dia? Não tem lógica esse negócio. Como pode ganhar menos quem se preparou mais? Por que não faz faxina? Tem vergonha?

Chocada, a professora teve um sobressalto de dignidade. Empertigou-se. Por fim, defendeu-se chorosa: – Eu amo o meu trabalho. Nasci para isso. É uma missão. – Enquanto pensar assim, vai ganhar menos.

– As duas coisas são verdadeiras. O magistério é profissão e missão. Mesmo que o salário seja baixo, continua sendo uma atividade especial, que exige amor.

A faxineira sorriu. Havia algum cinismo no seu sorriso. Não se pode confiar em faxineiras neoliberais.

– Vai ver que sou faxineira por isso. Não entendo essa história. Todo mundo diz que a educação é tudo, mas os professores ganham menos do que nós.

Nunca ouvi alguém falar que ser faxineira é um sacerdócio, uma missão ou atividade essencial. Ninguém nos dá valor em discursos. – É uma questão complexa. Somos muitos professores...

– Policiais e professores deviam demitir-se em massa – radicalizou a faxineira, que era também meio anarquista e de faca na bota. – Se não tiver professor e policial, os salários vão aumentar. A sociedade vai acordar.

Foi a vez de a professora rir com certo cinismo. Não disse coisa alguma por elegância. Limitou-se a pensar: – Como são ingênuas as faxineiras e cruéis os governantes.

juremir@correiodopovo.com.br


27 de novembro de 2008
N° 15802 - LETICIA WIERZCHOWSKI


Quem está matando nossos filhos?

Publicada no dia 12 de novembro na coluna do Sant’Ana, a carta de Themis Krumenauer (mãe do melhor amigo do jovem assassinado no Cristal) não saiu da minha cabeça. Também sou mãe, impossível não chorar durante a leitura. E me pergunto: o que estamos fazendo aqui?

Será que não devemos ir embora para um lugar onde as pessoas possam andar pelas ruas com tranqüilidade, estacionar seus carros; enfim, viver decentemente? Ou, corrigindo a pergunta e me colocando como parte desta equação: o que estamos fazendo com isto aqui? Com este país que um dia foi uma promessa?

Nossos jovens vem morrendo ao som do mar e à luz do céu profundo, enquanto pagamos uma das mais altas alíquotas de impostos do mundo. O nosso povo não tem escolas, nem médicos, nem corpo policial decente. Quando nos uniremos num gesto drástico?

Quando deixaremos de pagar esses impostos, cuja arrecadação altíssima não vem somar à sociedade, mas escoa dos cofres públicos para paraísos fiscais, enquanto nossos filhos não podem andar na rua, enquanto outras mães têm os filhos perdidos para o tráfico?

Em sua carta, a sra. Krumenauer cogita se a mãe do assassino conhece bem o filho, e se sabe do que ele é capaz. Ouso responder: talvez ele nunca tenha tido uma mãe.

Se teve, a palavra mãe não guarda o mesmo significado que tem para nós – provavelmente foi mais uma adolescente grávida pelas ruas, uma criança que gerou outra, ambos esquecidos pelo Estado.

O que vivemos hoje não começou há 18 anos, nem há de terminar no ano que vem. Será necessário muita comida em muita mesa por aí, escolas, policiais e professores bem treinados para que tragédias como essa parem de ceifar a vida dos nossos filhos.

Quando começaremos, sociedade e governo (que recolhe nossos impostos para isso), a sanar essa situação? Meu marido cresceu no Cristal. Por anos trilhou essa rua na qual um jovem foi morto por causa de um skate, e dela só guarda boas lembranças.

Daqui a dez anos, como viverão nossos filhos? Morre-se todos os dias nas nossas esquinas por causa de um par de tênis, de um carro, por causa das drogas.

A nossa juventude vem morrendo dos dois lados da trincheira por baixo da qual escorrem nossos impostos, enquanto o presidente, os governadores, prefeitos e chefes disso e daquilo andam por aí,

em cerimônias e entrevistas, apertando-se as mãos mutuamente, galhardos, eufóricos e sorridentes, e numa ruazinha das centenas de milhares de ruas brasileiras, mais um jovem acaba de perder a vida nessa guerra cotidiana.


27 de novembro de 2008
N° 15802 - PAULO SANT’ANA


A casa é um bem da vida

Há um número que considero horripilante nesta calamidade que se abateu sobre Santa Catarina: ontem havia 79 mil desabrigados e, destes, 27 mil tinham perdido inteiramente suas casas.

Não sei se pode haver coisa pior que uma pessoa perder a sua casa. Perder a casa é um desmoronamento da existência. Perder a casa é o deslizamento da vida.

Milhares de pessoas estão desabrigadas mas não perderam suas casas. Estão apenas esperando que as águas baixem para voltar a suas casas.

Mas outras 27 mil pessoas perderam suas casas, das quais não sobraram nenhum tijolo, os alicerces, as paredes, o teto, os móveis. Tudo desabou do barranco e virou lama.

Eu fiquei calculando a dor, o desconsolo, o desespero de uma pessoa que perde a sua casa.

Sem exagero, perder a sua casa é como perder a vida. Pior que perder a vida: é perdê-la, mas sobreviver para enfrentar a tragédia da reconstrução.

Quando me casei, aluguei uma casa humilde em São Jerônimo, mas não tinha os móveis. Eu só possuía um colchão e um urinol.

É muito penosa a sorte das pessoas que estão começando a sua vida. Então vim até Porto Alegre e comprei, na antiga e ex-Imcosul, um armário, dois sofás e uma cama.

Estes meus raros móveis, os únicos que podia comprar com meu salário de inspetor de Polícia (os policiais sempre, eternamente, ganharam mal), foram descendo numa barca pelo Rio Jacuí para me serem entregues no porto de São Jerônimo.

Era tudo que eu tinha, minha vida se resumia a móveis comprados em prestações. Se eu perdesse esses meus móveis, perdia tudo que eu tinha.

Esses 27 mil catarinenses perderam todos os seus móveis, mas perderam mais que isto, perderam suas casas, suas roupas, seus quintais, suas galinhas, seus cachorros, eles perderam literalmente tudo. Ao perderem suas fotografias e outras lembranças, perderam também sua memória.

Fixe bem uma coisa: uma pessoa que assiste a sua casa deslizar de um barranco (e havia não só casas humildes, algumas eram casas muito boas e caras), olha para o lugar em que morava e vê que aquela casa que se esfarelou no deslizamento perdeu também o seu terreno.

Quem perde a casa no deslizamento perde também o terreno, não tem mais onde edificar outra casa sequer. É uma tragédia pessoal de proporções incalculáveis.

Por isso é que fiquei tomado de compaixão por 27 mil pessoas que perderam suas casas, perderam suas referências, sua origem, suas vidas.

Porque uma calamidade dessa ordem determina que a pessoa que tenha perdido sua família entre os mortos permaneça agora com sua casa, mas sem saber o que fará com ela, sem a família.

E determina também outra tragédia: é que a pessoa tenha permanecido, após a inundação, com sua família, mas sem saber o que fará com ela, pois perdeu a sua casa. É muito mais fácil viver do que reconstruir uma vida.

O sonho da casa própria, quando realizado, é a construção da vida. O pesadelo da perda da casa é a destruição da vida.

Estou trabalhando na minha dissertação de mestrado com déficit habitacional então não há como não endossar as palavras do S’antana. Mas há que se arranjar forças não sei onde, para recomeçar tudo outra vez, pois a vida é isso: um eterno recomeçar de tudo.


27 de novembro de 2008
N° 15802 - LF VERISSIMO


Bota o retrato do velho

No seu discurso no encerramento da Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas realizada em Bretton Woods para combinar como seriam as relações comerciais depois da II Guerra Mundial, que chegava ao fim, lorde John Maynard Keynes, um dos inspiradores e principais participantes à frente do time inglês, do encontro disse que se a cooperação que as nações tinham demonstrado durante a conferência continuasse,

“o pesadelo em que a maioria de nós passou tempo demais das suas vidas terá acabado”, e “a irmandade dos homens terá se transformado em mais do que apenas uma frase”. A competição monetária e os conflitos e barreiras que tinham levado a duas guerras mundiais deixariam de existir.

O otimismo declarado por lorde Keynes só se explica pelo seu cavalheirismo ou gosto pela retórica. Ele tinha sido derrotado na reunião.

Em Bretton Woods as boas intenções esconderam a questão real do encontro: a que Roosevelt já tinha proposto a Churchill quando condicionou a entrada dos Estados Unidos na guerra ao fim dos mercados cativos coloniais e do império econômico britânico, e a necessidade de garantir mercados livres para a produção americana que se multiplicaria com a mobilização para a guerra.

Enquanto Keynes acreditava que o Banco Mundial – insistência sua – realmente favoreceria a irmandade entre os homens, o secretário do Tesouro americano Henry Morgenthau, mais interessado no Fundo Monetário Internacional, empenhava-se na mudança do centro financeiro do mundo de Londres para Washington e Wall Street.

O que venceu em Bretton Woods não foi o espírito público de Keynes mas o espírito prático dos americanos. Morgenthau estava lá para sacramentar a transferência do poder econômico da Inglaterra para os Estados Unidos, a única nação que sairia da guerra em condições de impor sua vontade. E impôs.

O discurso de Keynes prevendo que a cooperação entre as nações traria uma era de inédita prosperidade universal foi muito aplaudido, mas o resultado prático de Bretton Woods foi que os americanos ganharam acesso aos mercados antes dominados pelo desdentado império britânico e a prosperidade universal que veio se concentrou principalmente nos Estados Unidos.

Keynes morreu pouco depois de Bretton Woods. Hoje ninguém se lembra que ele foi um dos fundadores do que está aí, embora pensasse em outra coisa.

A derrota da sua visão do que poderia ter sido, pela imposição americana, tem uma ponta de ingratidão: afinal, foi ele o teórico do dirigismo econômico de Roosevelt que salvou o capitalismo americano de si mesmo na crise dos anos 30.

Não deveria haver retratos dele na sala de nenhum dos monetaristas do Banco Mundial ou do FMI ou de outros economistas da mesma linha. Talvez estejam sendo colocados agora.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008



O MUNDO É UM MOINHO
Cartola

Ainda é cedo amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar

Preste atenção querida
Embora saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
E em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-me amor

Preste atenção o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões a pó
Preste atenção querida

De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estarás a beira do abismo
Abismo que cavastes com teus próprios pés...


O mundo é um moinho

"O mundo é um moinho" talvez seja uma das canções mais bonitas já feitas no Brasil. É de autoria de Cartola, que, morando na favela, fez poesia da melhor qualidade e compôs músicas em que melancolia e força lírica formam um par indissociável.

Na primeira estrofe da letra, a forma "ainda é cedo" tem o sabor de uma réplica, não é mesmo? É como se pressupusesse que algo foi dito antes. Afinal, trata-se quase de uma frase padronizada, usada em quase cem por cento das vezes em que uma visita diz que vai embora.

Nós, educadamente, replicamos: Ainda é cedo. Diríamos então que já de início a letra pressupõe um interlocutor, indicado ao longo do texto com vocativos: "Ainda é cedo, amor"; "preste atenção, querida"; "Ouça-me bem, amor".

A julgar pelo "querida", pelo "resolvida", trata-se de uma mulher. Não ouviremos em nenhum momento a voz dessa mulher, pois, se isso acontecesse, teríamos um diálogo, e a forma da canção lírica poderia resvalar para uma forma dramatizada, quase teatral.

A repetição enfática dos vocativos acaba por indicar o empenho com que se busca prender a atenção da interlocutora, prestes a cair no mundo.

Esse empenho é de tal ordem que chega a ter cara de conselho, ou mais do que isso, de sentença, a começar pelo título. O mundo é um moinho é uma espécie de frase sentenciosa, dita por alguém que certamente deve ter perdido um pouco de si mesmo nas pás desse moinho.

A experiência acumulada legitima o conselho, daí este ter sabor de profecia, digamos assim, o que é marcado pelo futuro do presente: "não serás mais o que és", "o mundo (...) vai triturar seus sonhos", "vai reduzir as ilusões a pó", "tu herdarás só o cinismo". Parece mãe rogando praga, não é?

Além do futuro, o presente do indicativo de valor atemporal, comum em provérbios, também é usado: "Em cada esquina cai um pouco a tua vida".

Não é que isso já esteja acontecendo, já que a moça está ainda para partir. No entanto é uma fórmula lapidar, que sintetiza uma verdade. Ninguém passa ileso pelas esquinas da vida.

Mas você acha que a letra é no fundo, no fundo, uma praga de mãe (ou de pai, ou de amante?). Pois é, tudo depende do contexto. Formas tão carinhosas como "amor", "querida" de certa maneira embalam, acarinham o interlocutor, do qual, no entanto, não se escondem as verdades desse mundo.

Os verbos e expressões ligados à corrosão que a realidade opera sobre os sonhos são bastante violentos: triturar, reduzir a pó, estar à beira do abismo. Mas, como dissemos, a verdade é revelada carinhosamente , se assim podemos dizer. Não só pela ternura dos vocativos, mas pela ternura da melodia mesmo.

A música é doce e melancólica e como que mostra a inutilidade do conselho. Ninguém escapa ao moinho, por mais que queiramos proteger aqueles que amamos.

O saldo da aventura pelo mundo é triste: cinismo, desilusão, perda de identidade: "Não serás mais o que és". O mundo nos aparta de nós mesmos.

Como consolo e promessa de um mundo melhor, resta-nos a arte. Que a música de Cartola nos proteja.

RUY CASTRO

Lévi-Strauss a dois

RIO DE JANEIRO - Claude Lévi-Strauss, o antropólogo francês, está fazendo 100 anos. Em 1935, ele era um jovem marxista com uma visão mecânica da vida, como tantos. Mas veio para o Brasil, embrenhou-se no mato com os nossos bororos e nambiquaras, comeu do cru e do cozido, e isso abalou suas certezas.

Em 1955, a experiência rendeu-lhe um livro, "Tristes Trópicos". Nos anos 50, Lévi-Strauss já acusava o homem de ser o vilão da ecologia, quando os dicionários ainda não tinham chegado a um acordo nem sobre o significado da palavra.

Contrariando o espírito da época, também nunca aceitou a idéia de que, com a alfabetização em massa, o progresso da humanidade seria fatal -quem éramos nós para sair alfabetizando populações que viviam tão bem sem o alfabeto?

Por defender a necessidade de preservar as identidades étnicas e culturais, combateu a idéia da globalização ainda no berço.

Para ele, a globalização conduziria à uniformização, à anulação das diferenças -e o fim das diferenças levaria à indiferença, que é uma das piores pragas que poderiam nos afligir. Pois é o que está acontecendo, e bem que ele avisou.

Minha geração tem vários motivos para ser grata a Lévi-Strauss. Em 1968, um pretexto infalível para um rapaz e uma moça se encontrarem era ler e discutir o último livro do autor da moda.

Eram grandes noites, que, de fato, começavam pela leitura de um capítulo do livro, geralmente o primeiro. Mas nunca se chegava ao segundo.

Naquele ano, o campeão disparado de tais leituras era "Eros e Civilização", de Herbert Marcuse. Mas, então, "Tristes Trópicos" saiu no Brasil, e Lévi-Strauss tomou-lhe o lugar.

Eu tinha 20 anos, morava no Solar da Fossa, em Botafogo, e era incrível como não se passava uma noite sem uma discussão a dois sobre Lévi-Strauss.

FERNANDO RODRIGUES

A crise, Lula e a realidade

BRASÍLIA - Enquanto Lula manda seus ministros dizerem que o Brasil vai crescer 4% em 2009, no mundo real fica cada vez mais claro como está distante o fim da atual crise.

O salvamento do Citibank é a demonstração acabada sobre a gravidade do momento. Pela concordância tácita, também indica a intenção de Barack Obama de utilizar a mesmíssima política do atual ocupante da Casa Branca: despejar toneladas de dinheiro público na economia.

George W. Bush titubeou em setembro. Sua equipe econômica piscou na hora de salvar o Lehman Brothers da falência. O banco evaporou. Depois, a crise foi ladeira abaixo.

Engenheiros de obras feitas no Brasil -e nos Estados Unidos- criticaram a decisão da equipe de Bush. O Lehman era muito grande para quebrar, disseram.

Alguns desses críticos eram os mesmos que antes reclamavam dos socorros estatais a bancos privados -como ocorrera no início do ano com o Bear Stearns. Depois da vacilada, a política econômica ficou clara como nunca.

Haverá dinheiro estatal de sobra para salvar tantos quantos forem os bancos ou empresas em dificuldades por causa de barbeiragens com derivativos e outros ativos tóxicos.

A lógica toda será usar a confiança ainda existente na maior reserva de valor do planeta: o dólar. Mais adiante, quando a inflação brotar por causa da emissão de moeda sem lastro, assistiremos à pior parte da crise, com uma brutal alta dos juros.

No Planalto, mesmo vendo a degradação do cenário, Lula parece comandar um bloco do auto-engano. Repete um mantra sobre a solidez do país.

Fará uma propaganda na TV a respeito. Ou o petista enxerga o que ninguém vê ou prepara o país para uma das maiores decepções recentes ao longo do ano de 2009. A ver.

frodriguesbsb@uol.com.br


26 de novembro de 2008
N° 15801 - MARTHA MEDEIROS


Saga Lusa

O que Chico Buarque, Vitor Ramil, Caetano Veloso, Arnaldo Antunes, Thedy Correa, Duca Leindecker, Fernanda Takai, Gabriel o Pensador, Kledir Ramil e Nei Lisboa têm em comum? Acertou, são escritores. Todos eles lançaram livros, já que são familiarizados com a palavra desde que iniciaram aquela outra atividade, a música.

Há quem torça o nariz: agora qualquer um escreve! Sorte deles, porque não é qualquer escritor que pode fazer o caminho inverso: subir num palco e cantar direitinho.

Pois abram alas para mais uma forasteira no mundo das letras: Adriana Calcanhotto acaba de lançar Saga Lusa, uma viagem lisérgica que narra os dias em que saiu da casinha durante uma turnê em Portugal, tudo por causa de uma overdose de remédios que quase lhe custou a vida – mas que espertamente, ela “curou” com literatura da boa.

Quando eu digo por aí que escrever é terapêutico, sei que estou chafurdando num clichê mais que reprisado, mas o que é um clichê senão uma verdade mil vezes repetida? Escrever cura. Só que nem todo ser humano que se aventura nesse tipo de tratamento consegue um resultado acima da média.

Muitas vezes, o jorro de palavras deve ser mantido no anonimato, o que se quer apenas é que a catarse ajude a recuperar a saúde mental perdida. Mas quando vale a pena compartilhar, ave! Que a arte seja espalhada.

O livro de Adriana é uma viagem no melhor dos sentidos – ao menos para nós, leitores, porque para ela foi violento. Dias inteiros sem dormir, dificuldade de comunicação, o pânico de não conseguir “voltar”, pesadelos, delírios, shows cancelados e Lisboa vista por trás da janela de um hospital, sem poder ser desfrutada – perder a consciência nem sempre é um barato, pode ser um tremendo desconforto.

Mas Adriana tinha duas armas poderosas contra suas alucinações: bom humor e um laptop. E se pôs a escrever tudo o que estava lhe ocorrendo, de uma forma tão divertida, que a gente até pensa: essa guria está inventando. Não estava, mas se estivesse, maior ainda o seu mérito.

Adriana é elegante em suas composições e demonstra, com Saga Lusa, ser elegante também em suas decomposições.

Desestruturada, maluca, revoltada, não importa: consegue rir de si mesma e isso é a prova maior da grandeza de uma pessoa, qualquer pessoa. É nessas reações de humor e inteligência diante do desconhecido que se pode dizer: o mundo tem jeito.

Muita água, muita calma nessa hora, e tudo se resolve. Olha, Adriana, não chego a desejar outros surtos reais, mas os irreais podem ser provocados sem danos à sua integridade. Cante e escreva: esgote-se em seu incrível talento.

Nico Nicolaiewsky ainda não escreveu nenhum livro, mas enquanto não entra pra turma, aproveite que ele está de volta ao Theatro São Pedro com o show Onde Está o Amor?, no próximo sábado e domingo. Uma viagem, também.

Aproveite a quarta-feira - Um excelente dia para você.