segunda-feira, 8 de setembro de 2008



08 de setembro de 2008
N° 15720 - LF VERISSIMO


Bisbilhotice

“Bisbilhotar” vem, se não me falha o etimológico, do italiano “bisbigliare”, que não é bisbilhotar no nosso sentido, mas quase o seu oposto. Os sinônimos de “bisbigliare” no meu dicionário italiano são “mormorare”, “sussurrare”, “dire sottovoce”. Ou seja, o que se faz para evitar a bisbilhotice dos outros.

Um bisbilhoteiro brasileiro e um “bisbigliatore” italiano, conforme o dicionário, não teriam diálogo, um tentando desesperadamente ouvir o que o outro murmura ou sussurra. O que aproximaria os dois seria o fato de que é tão difícil encontrar um italiano falando baixo quanto um brasileiro. O sottovoce não pegou em nenhum dos dois povos.

E o que sempre agrava as crises brasileiras – como essa dos grampos, ou da bisbilhotice banalizada e oficializada – é que ninguém, do presidente ao gari, passando por ministros e comentaristas, se segura na hora de dizer bobagens. Se ao menos as dissessem sottovoce, o dano seria menor.

Não apenas não se sabe quem grampeou o juiz, mas como. Discutem, em voz alta, se as tais maletas da Abin só previnem a escuta ou também escutam, como se não bastasse consultar o manual de instrução.

Você e eu, que nos acostumamos com os grampos como apareciam nos filmes antigos – a cápsula dentro do telefone, o microfone escondido no lustre, no decote ou na azeitona do martini etc. –, temos todo o direito à nossa ignorância e a só imaginar o que existe de novo e sofisticado na ciência da bisbilhotice.

Mas parece que ninguém sabe, e a ignorância de quem deveria saber para poder controlar gera as bobagens.

Fala-se no perigo de um Estado policialesco sabendo da vida privada de todo mundo, mas isso pressupõe um Estado pelo menos eficiente. Pior é um Estado tão confuso que ainda não definiu as atribuições das suas agências, ou sabe o que elas fazem, e com quê.

Mais assustadora é a bisbilhotice privada aparelhada com toda essa nova ciência e aproveitando a ignorância do Estado para nos controlar. O lado bom disso é que começaríamos a falar mais baixo.

No futebol se discute se juiz bom é o que se destaca ou o que não aparece. O que chama atenção pela qualidade da sua arbitragem ou o que apita tão bem que não interfere no jogo e por isso não chama atenção.

A dúvida também cabe quando se avaliam juízes do Supremo Tribunal Federal: melhor é o que aparece e se destaca ou o que se destaca por não aparecer?

A pergunta – para a qual não tenho a resposta – é, claro, a propósito do atual presidente do Supremo, Gilmar Mendes, que tem aparecido mais do que é costume no cargo, não se sabe se por gosto ou pelas circunstâncias.

O que certamente não dá para dizer de Mendes é que se trata de um “bisbigliatore” no sentido italiano.

E, a todas essas, aquela cena de amigos do Daniel Dantas oferecendo dinheiro para a Polícia Federal poupá-lo de investigações vai recuando no tempo, já meio envolta na neblina do esquecimento.

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