sábado, 19 de abril de 2008



20 de abril de 2008
N° 15577 - David Coimbra


Cardeal não precisava correr

O Cardeal não tinha um pulmão. Arrancaram-no durante uma cirurgia de combate à tuberculose ou outra doença tão terrível quanto. Bem ruim uma pessoa não ter um pulmão, pior ainda para Cardeal, que era centroavante. Jogou em Pelotas nos albores do século passado, que tão distante já se vai.

Tornou-se uma lenda que respirava e calçava botinas. Quem o viu em campo jura jamais ter existido centroavante como Cardeal. Mais tarde, o Fluminense o contratou e também no Rio Cardeal foi venerado como um semideus, como um Hércules, um Maciste.

Ouvi falar de muitos jogadores como Cardeal, dos quais seus contemporâneos asseguravam, dedo em riste, queixo erguido;

- Melhor que Pelé!

Houve muitos desses: Friedenreich, Leônidas, Zizinho, Gessy Lima. Muitos. Mas ninguém, como Cardeal, jogou com um único pulmão arfando no peito.

É assim que contam como Cardeal jogava: impossibilitado de correr, ele com seu pulmão solitário, ficava parado nas imediações da meia-lua, debaixo de seu boné vermelho que lhe rendeu o apelido. Não participava do jogo, o Cardeal; assistia-o.

A bola corria para lá, para cá, e ele parado, olhando, fincado na grama, meio desinteressado. Seu marcador se aborrecia de ficar ao lado dele. Ali nada acontecia, ali era como se o tempo fosse o tempo pastoso do pesadelo.

Mas, de repente, a bola chegava ao pé do Cardeal. E ele, estivesse onde estivesse, procedia sempre da mesma forma: girava o corpo de modo a posicionar-se mais ou menos de frente para a goleira e, num toque macio, de chapa, com a parte interna do pé, com aquele ossinho que se projeta ao lado do dedão, batia embaixo da bola, que subia devagar, mansinha, aparentemente dócil e afeita à defesa, só que, eis a malícia, eis a picardia, dois centímetros longe do alcance do goleiro.

De alguma maneira o Cardeal, num átimo de segundo, calculava a posição do goleiro, a sua própria posição no gramado, a velocidade da bola, e tocava nela com tal maestria que ela voava em curva na direção inexorável do ângulo, e entrava, entrava sempre, gol do Cardeal.

Sempre penso no Cardeal, quando surgem essas notícias de doping. Porque o doping pode fazer correr, mas fará jogar? A química ainda não descobriu substância que ensine um gaiato a bater na bola, ainda não descobriu uma droga que faça um perna-de-pau transformar-se em um Cardeal.

O duelo

Certa tarde de 1997 eu estava em Lyon, na França, cobrindo um torneio do qual participava a Seleção Brasileira, e testemunhei um duelo de titãs.

Romário desafiou Ronaldo Nazário.

Naquela época, discutia-se muito quem era o melhor dos dois, era a pauta de todos os jornalistas que cobriam a Seleção. Então, Romário propôs a brincadeira. A competição era a seguinte: pouco antes dos treinos, os jogadores da Seleção tinham o hábito de tentar acertar a bola no travessão.

Chutavam de fora da meia-lua, um de cada vez. O que acertasse mais vezes no travessão, vencia. Concurso difícil: é preciso mais precisão para carimbar o travessão do que para fazer o gol. Foi para o que Romário desafiou Ronaldo.

- Vamosh veh quem é o melhoh, peixe?

Ronaldo topou. Caiu na cilada. Romário chutava uma e, BENG!, acertava, outra e, BENG!. acertava de novo, mais uma e, BENG!, em cheio. Acertou seis em 10. Ronaldo? Duas.

Romário sempre foi o melhor. Romário, imagino, jogaria com um único pulmão.

Destarte e outrossim

Desconfio de quem fala destarte, outrossim e envidar. Escrever até pode, mas quando ouço um destarte no meio de uma frase, paro. Não consigo entender mais nada que o cara está falando. Só penso naquilo: "Ele disse destarte, ele disse destarte..."

E não é que o novo vice de futebol do Grêmio, André Krieger, disse que ia envidar esforços para contratar cinco grandes jogadores?!? Fiquei meio sestroso, penando: "Ele vai envidar, ele vai envidar..."

Mesmo assim, confio nele: contratará bons jogadores e, com esses, o Grêmio terá, mais do que time, grupo. Porque time o Grêmio até tem. Quer ver?

Victor; Felipe, Jean, Leo e Bruno Telles; Eduardo Costa, Willian Magrão, Rafael Carioca e Roger; Soares e Perea.

É um bom time. Mas basta dois se lesionarem para deixar de ser um bom time. É pouco para o Grêmio.

Já o Inter tem time e tem grupo. O que tem faltado ao Inter, em seus eventuais fracassos, é condução. Quando se ausenta a liderança de Fernandão, isso Alex já disse, o Inter desanda.

Só que não neste domingo. Neste domingo o Inter não desanda nem se Fernandão falar destarte, outrossim e envidar tudo junto, na mesma frase.

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