terça-feira, 9 de outubro de 2007


Juremir Machado da Silva

UM DIÁLOGO COM MIRÓ

Não vou contar todos os detalhes desta minha última viagem a Barcelona. Fui na terça-feira. Voltei na sexta. Precisava jogar futebol no sábado. Bater bola e papo com os amigos não tem preço. Vale qualquer sacrifício.

Em Lisboa, peguei duas horas de fila e de gritaria no aeroporto para trocar uma passagem por causa de uma conexão perdida por atraso no vôo. As agências e as companhias marcam conexões com margens de horário improváveis.

Houve uma interessante discussão entre um croata, que falava um inglês macarrônico, e um galego careca - que odiava os norte-americanos, os ingleses e a língua inglesa, a qual não pretendia aprender nem torturado - porque o primeiro tentou passar na frente de todo mundo.

Quase saíram no tapa. Insultavam-se pelo tom da voz. Funcionava perfeitamente. O galego berrava coisas que certamente nunca ouvimos no Brasil: 'Isto é um curral para vacas. Isto é pior que Terceiro Mundo.

Exijo respeito'. Ainda bem que isso não acontece na Europa. Teve uma hora em que o croata pediu ajuda para três freirinhas. Elas apontaram para o galego e responderam em uníssono: 'Pede ajuda para ele'.

Em Barcelona, no retorno, quando já estávamos todos acomodados no avião, o comandante avisou que, devido ao intenso tráfego aéreo, ficaríamos 45 minutos estacionados esperando a nossa vez de decolar.

Milton Zuanuazzi com certeza vai gostar de saber disso. Nada como voltar ao nosso berço ibérico. Na linda capital catalã é fácil se hospedar em hotéis três ou quatro estrelas sem Internet no quarto. Um belo Primeiro Mundo de segunda.

Mas com muito charme. Nem pensem que estou reclamando. Foi ótimo. Visitei novamente alguns lugares que adoro. Pude pagar caro por coisas baratas, agüentar o mau humor dos taxistas e driblar os malandros nas ramblas tentando dar todo tipo de golpe.

O mais em voga atualmente é bem pensado. Uma moça bonita, quase uma gata, te pede uma moeda para o seu grupo de teatro. Um cara chega por trás e te enfia a mão nos bolsos. Tudo tem seu preço. Como sempre, eu me senti em casa.

Passei uma tarde, como sempre faço quando vou a Barcelona, na Fundação Miró. Fiquei mais uma vez deslumbrado com a aparente simplicidade das obras de Joan Miró.

Eu, claro, mais toda a torcida do Barcelona e o mundo inteiro. Desta vez, empaquei diante de um dos quadros mais famosos do pintor, 'Oro del azul'. Perguntei pateticamente ao quadro: como ser tão maravilhosamente simples assim?

Miró me respondeu: ouvindo música, passeando no campo, buscando no estilo a pureza das coisas e nunca desistindo de uma linguagem própria e capaz de levar à origem das sensações. Saí com a cabeça repleta de constelações, de cores, de jogos e de risos infantis. Saí muito feliz.

Meu companheiro de passeio foi o escritor quase santanense, radicado no Rio de Janeiro há décadas, Flávio Moreira da Costa, uma pessoa muito sensível e gentil.

Em 1977, na biblioteca que meu pai cuidava, em Palomas, eu vi um livro do Flávio, 'Os espectadores'. Era o seu livro de estréia. Li-o de cabo a rabo. Adolescente, entendi pouco. Levei 30 anos para encontrar o autor, hoje muito premiado.

Depois de um banho de Miró, estamos ligados para sempre. Juntos, fomos espectadores do belo. Há cheiro de Palomas na universalidade genialmente infantil da pintura de Miró. Não pensei um segundo sequer na morte de Che Guevara.

juremir@correiodopovo.com.br

Nenhum comentário: