domingo, 30 de setembro de 2007



DANUZA LEÃO

A tal da carência

Amor é bom, mas se jogamos no outro a responsabilidade por nossa vida e nossa felicidade, o peso fica grande

RECEBI carta de um leitor me fazendo a célebre pergunta: "Afinal, o que querem as mulheres?" Ele e seu grupo de amigos têm em torno de 40 anos, trabalham, são simpáticos, separados das mulheres, alguns com filhos, outros sem, mas não conseguem uma namorada; estão achando que o que as mulheres querem é um homem bonito, de sucesso, rico, apaixonado e fiel. Será?

Não, leitor, você não tem razão. As mulheres, para começar, são todas diferentes umas das outras, não existem duas iguais. Uma é capaz de gostar de um homem feio, pobre e sem emprego, casado, com filhos, além de tudo infiel (até a você), e se apaixonar perdidamente.

Aliás, o que faz uma pessoa se apaixonar por outra? Vai saber. Este é um dos grandes mistérios da vida.

Pelas qualidades não é; pela disponibilidade não é; pela capacidade de serem fiéis também não. O interesse por alguém bate ou não bate; quantas vezes homens lindos e charmosos chegam perto de uma mulher, cheios de amor pra dar, e nada, porque não bateu?

E quantas outras vezes uma mulher viu um homem lá no fundo da sala sozinho, totalmente desligado, e dá aquela curiosidade de saber o que ele está pensando, já que não está rindo e dizendo bobagens ou coisas inteligentíssimas, sozinho com ele mesmo, e parecendo não precisar de nada nem de ninguém porque não precisa de ninguém para existir?

Algumas mulheres gostam de ter sua curiosidade despertada, de um certo desafio, para poderem testar seu poder de sedução e conquista. Porque dizem que são os machos que caçam, mas algumas fêmeas também adoram caçar.

Talvez meu leitor esteja agindo de maneira óbvia demais, ao tentar ganhar uma mulher. Mulher é um bicho complicado, e se sentir que a parada está ganha, perde o interesse.

Assim como fica muito evidente, quando uma mulher está desesperadamente procurando um homem -e dessas eles fogem como o diabo da cruz; quando eles estão querendo muito uma mulher, elas também sentem e não se interessam, a não ser que o interesse seja especificamente nela.

E sabe por quê? Porque fica claro que eles e elas não estão querendo aquele homem ou aquela mulher, mas qualquer um, qualquer uma, para suprir sua carência.

E não há nada pior do que uma pessoa declaradamente carente. São os que estão sempre prontos para ver o filme que o outro quer, ir ao restaurante que o outro quer, que está sempre de acordo com suas opiniões, e antes de decidir qualquer coisa, procura saber primeiro o que o outro acha.

Quem entrar numa dessas vai se arrepender do dia em que nasceu. Porque os carentes jogam todas as suas fichas no outro; não têm vida própria, não têm prazeres pessoais, que seja ler um livro, jogar paciência ou ver vitrines, e é como se dependesse do outro para respirar.

Amor é bom, mas se jogamos em cima do parceiro/a a responsabilidade por nossa vida e nossa felicidade, convenhamos, o peso fica muito grande.

Por isso, meu querido leitor, não fique procurando uma mulher para uma relação, digamos assim. Faça como Zeca Pagodinho: deixe a vida te levar e um dia, quando estiver distraído, ela vai aparecer, de mansinho, como quem não quer nada.

Porque, percebendo que você não precisa dela para ser feliz, ela vai, quem sabe, até se apaixonar. E não é isso que você quer?

danuza.leao@uol.com.br

JOSÉ SIMÃO

Buemba! A Taís foi suicidada!

E como é que uma novela com tanta baranga, traição e crimes pode se chamar "Paraíso'?

BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!
E o verdadeiro final de "Paraíso Tropical": a Taís suicidou-se.

Ela foi suicidada pela irmã gêmea. É que a irmã tentou o suicídio e matou a gêmea por engano. E a Bebel virou musa do Corinthians: vira e mexe, volta pra zona! E como é que uma novela com tanta baranga, traição, falcatruas e crimes pode se chamar "Paraíso Tropical"?

E não é só o Brasil, a Argentina também é o país da piada pronta: sabe como se chama a organizadora da Copa Gay na Argentina? Natalia ROLLA! Ela devia ser atacante, artilheira. Natalia Rolla entra com bola e tudo. Argentina, el país de la broma pruenta.

E mais uma: argentino é preso em CASCAVEL com cinco COBRAS na cueca. Isso não é mais argentino, é um polvo. E se ele tem cinco cobras devia usar luva no lugar da cueca. Rarará. E argentino tem mania de grandeza mesmo!

E o Lula discursando na ONU? "Companheiros, se a vida te dá um limão, faça uma limonada, mas se puser etanol e açúcar vira Little Country Girl". Tradução: caipirinha! E aí pediram pra ele declinar o verbo "can".

E ele: I cana, you cana, we cana e dá-lhe cana! Rarará! E ainda marcou encontro com a dona Marisa na esquina da Walk com Don't Walk. E ainda descobriu que Honolulu é a capital da ONU!

E a ONU não serve pra porra nenhuma. Só pra amarrar a bandeirinha na antena do carro e estacionar em qualquer lugar de Nova York! E o Churchill bebia gin o dia inteiro e salvou o mundo.

O Bush parou de beber e tá botando fogo no mundo. E o Lula diz que parou de beber, mas o povo continua de fogo! E essa: "Discurso de Lula inclui Doha e etanol".

Então: "Companheiros, se doher, passe etanol". Doha a quem doher. Rarará! É mole? É mole, mas sobe. Ou como diz aquele outro: é mole, mas chacoalha pra ver o que acontece!

Antitucanês Reloaded, a Missão. Continuo com a minha heróica e mesopotâmica campanha Morte ao Tucanês. Acabo de receber mais um exemplo irado de antitucanês.

É que em Passos, Minas Gerais, tem a placa no banheiro de um bar: "Favor não deixar vestígios de sua passagem por aqui". Rarará! Mais direto impossível. Viva o antitucanês. Viva o Brasil!

E atenção! Cartilha do Lula. Mais um verbete pro óbvio lulante. "Fomento": companheiro com uma fome de jumento. Rarará.

O lulês é mais fácil que o inglês. Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje, só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

simao@uol.com.br


Brasil de cara feia

Aguinaldo Silva , autor de "Duas Caras" , que estréia amanhã, diz ter se inspirado em José Dirceu ("tenho medo dele') para criar seu vilão

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
O autor em seu apartamento no centro do Rio


LAURA MATTOS
ENVIADA ESPECIAL AO RIO


Uma gambá invadiu o jardim de Aguinaldo Silva, num luxuoso condomínio da Barra (Rio). Cavou um buraco e lá teve filhotes. A família vivia feliz, até que o jardineiro dasavisado enterrou o lar, e a matriarca morreu. Dois gambazinhos conseguiram sair, mas um se afogou na piscina. O que se salvou foi adotado pelo novelista, que tenta mantê-lo vivo com mamadeiras.

"É uma gracinha, quando mama segura a minha mão", conta o autor, que detém o recorde de audiência das novelas, com "Senhora do Destino". Ele batizou o "filho" de "Duas Caras", nome de sua nova, que estréia amanhã. "Espero que viva e faça sucesso!"

Esse Silva pai do pobre gambá é sua "cara do bem". Mas ele quer mostrar a outra. "Tenho 64 anos, não preciso mais viver de aparências, fazer média. Não há nada que me impeça de dizer a verdade, o que sinto". Dito e feito. Na entrevista à Folha, apesar da vigilância de uma assessora da Globo que anotava cada palavra, ele mandou ver. Criticou até novelas da emissora ("assoladas pelo maniqueísmo e o politicamente correto").

E detonou José Dirceu, que inspirou o protagonista de "Duas Caras". Ex-ministro de Lula e deputado cassado pelo mensalão, Dirceu, no passado, fez plástica em Cuba para mudar de rosto e, de volta ao Brasil, casou-se usando falsa identidade para fugir da perseguição na ditadura.

Com a anistia, revelou-se à mulher, com quem tivera um filho, e se separou. "Quem faz isso é capaz de qualquer coisa. Tenho medo dele." A seguir, trechos do papo com Silva, que se vangloria de só ter no currículo novelas das oito, nenhuma das seis ou sete, e que fará a primeira com imagem de alta definição da Globo.

FOLHA - Por que "Duas Caras"?
AGUINALDO SILVA - A novela nasceu da obsessão que as pessoas têm de mudar, não só porque querem, mas porque há muitas alternativas, silicone, botox, plásticas, escova progressiva.

Todo mundo quer ser Nicole Kidman, Juliana Paes. Essa obsessão tem a ver com insatisfação. Nesse mundo enlouquecido, está todo mundo insatisfeito sem saber por quê. As mudanças não alteram a insatisfação, mas pelo menos iludem.

FOLHA - O sr. já mudou seu corpo?
SILVA - Nunca. Sou um privilegiado porque há 25 anos tenho o mesmo peso [84 quilos] e dizem que a mesma cara, mas nisso não acredito muito [risos]. Até o cabelo parei de pintar. Aos 64 anos está na hora de deixar o cabelo normal, até porque pintar dá muito trabalho.

FOLHA - Por que chegou a hora?
SILVA - A gente vive muito com a questão da boa educação, de aparências, nunca fala o que pensa para não ofender os outros, sempre procura usar de todo o tato possível.

Mas a partir de uma certa idade você está liberado para falar o que quiser, fazer o que quiser e assumir a sua aparência física real. Estou mudando ao contrário. Quando fiz 64, decidi ser exatamente como sou. Falo o que tenho que falar, as pessoas ficam ofendidas porque sou sincero, direto e nunca escondo o que eu penso.

FOLHA - Por que aos 64 anos?
SILVA - Quando você se torna um ancião, adquire direitos, não só se aposenta. É preciso encarar os fatos: 64 é uma idade bastante madura. Tive a noção de que a partir de agora não há nada que me impeça de dizer a verdade, o que sinto.

Passei a vida inteira tendo cuidado com o que falava, apesar de ter opiniões fortes sobre as coisas. Pensei: "Chega, os anos que me restam vou dedicar a isso". As pessoas idosas são deliciosamente verdadeiras. É uma segurança que só a idade dá.

FOLHA - A história do protagonista de "Duas Caras", que se casa por interesse, foge com o dinheiro da mulher e faz plástica para mudar de vida, é inspirada na de José Dirceu?

SILVA - Não posso negar que ele tenha me inspirado, assim como outros, como o ex-chefe de censura militar Romero Lago. Abadía [traficante que fez plásticas para fugir da polícia] veio depois, mas tem muito a ver também. E a história do Zé Dirceu sempre digo que é uma lenda urbana, como a dos jacarés que vivem no esgoto, e essa comparação é bem interessante...

O fato é que essa história -casamento, vida dupla, abandono da segunda vida para voltar à política- já ouvi centenas de vezes, mas toda vez ela me faz muito mal, porque sinto uma crueldade muito grande. Uma pessoa que faz isso é capaz de qualquer coisa. Tenho medo dele. Confesso que quando ele era chefe da Casa Civil, sempre pensava nisso. Tenho horror.

FOLHA - Regina Duarte tinha medo de Lula, e o sr. tem de José Dirceu...
SILVA - Pois é, mas eu acho que o Zé Dirceu era o rosto que o Lula não queria mostrar.
FOTOS DE HOJE DA FOLHA

Familiares das vítimas do acidente com o vôo 1907, da Gol,
se reuniram neste sábado em cerimônia em Brasília



Parada da diversidade sexual em Santiago, realizada anualmente no Chile,
reuniu milhares de pessoas neste sábado

sábado, 29 de setembro de 2007



30 de setembro de 2007
N° 15382 - Martha Medeiros


Amo você quando não é você

Podemos corrigir nosso passado com os próprios protagonistas do passado, desde que eles nos enxerguem com olhos mais curiosos, com um coração mais disposto e que acenem com um novo futuro

Parece aquelas notícias de jornal popular, mas merece uma página inteira na imprensa nobre. Escute só: um casal em crise estava, cada um, em segredo, trocando e-mails com um pretendente virtual. Ela querendo ver o marido pelas costas e total mente envolvida pelo cara com quem teclava todos os dias.

E o marido querendo que a bruaca evaporasse para poder curtir a gata que conheceu num chat. Você certamente já matou a charada: cada um marcou um encontro às ganhas com seu amor clandestino e shazam: descobriram que estavam teclando um com o outro sem saber.

Ou seja, marido e mulher não se amavam mais, porém se apaixonaram um pelo outro pela internet, usando pseudônimos. Imagine a cena: você se arruma para um primeiro encontro com alta carga erótica e dá de cara com seu cônjuge.

Eu iria rir da situação e tentaria reinvestir no casamento desgastado, dessa vez estabelecendo novos códigos, mas o casal em questão não teve senso de humor e pediu o divórcio, alegando que estavam sendo "traídos". Moralismo nessa hora?

Não é preciso teses nem seminários: este fato, isoladamente, consegue explicar e exemplificar o ponto frágil dos casamentos de longa duração.

Todo ser humano é vaidoso - uns mais, outros menos - e essa vaidade se estende ao campo da sedução. Por mais que a gente ame a pessoa com quem casamos, a passagem do tempo reduz o feedback sexual.

As transas podem até continuar prazerosas e relativamente assíduas, mas já não temos certeza se seríamos capazes de chamar a atenção de alguém que nada soubesse sobre nós, e esta é uma necessidade que não esmorece nunca: seguimos interessantes?

seguimos atraentes? E a pergunta mais séria entre todas: depois de tanto tempo fundidos com um parceiro, sabemos ainda quem somos nós?

Sendo assim, ficamos suscetíveis a uma paquera. Pela internet, parece seguro, sem conseqüências, mas não impede que nos apaixonemos - nem tanto pelo outro, mas principalmente por nós mesmos.

Recuperamos a adolescência perdida: nos tornamos novamente audazes, sedutores e jovens - paixão rejuvenesce mais que botox.

É a chance para a gente se reinventar e ganhar uma sobrevida neste mausoléu de sentimentos chamado "estabilidade afetiva". Não, você não, que é de outra estirpe. Estou falando de gente comum.

Este casal pagou um mico, mas fez um alerta à humanidade: somos capazes de nos apaixonar por quem já fomos apaixonados, desde que esta pessoa se apresente a nós como uma novidade e nos dê também a chance de sermos quem a gente ainda não foi.

Este marido, que em casa talvez fosse carrancudo e desleixado, revelou-se bem-humorado e empreendedor para sua nova "namorada".

A esposa, que em casa talvez bocejasse pelos cantos, mostrou-se alegre e entusiasmada para o novo "namorado". Estavam o tempo inteiro conversando com quem conheciam há anos, mas, da forma que se apresentaram, desconheciam-se.

Já escrevi uma vez sobre este tema: a gente se apaixona para corrigir nosso passado. Agora fica claro que podemos corrigir nosso passado com os próprios protagonistas do nosso passado, desde que eles nos enxerguem com olhos mais curiosos, com um coração mais disposto e que acenem com um novo futuro.

Um excelente domingo este que encerrra setembro, dando lugar para outubro que vem aí a largos passos.


30 de setembro de 2007
N° 15382 - Paulo Sant'ana

A saga dos geminianos

Sou geminiano. E nós, geminianos, somos seres muito especiais.

Orgulhamo-nos de que são ou foram geminianos Chico Buarque de Holanda, Garcia Lorca, Fernando Pessoa - o mais geminiano de todos os geminianos, usou uma dúzia de heterônimos - , Marilyn Monroe, Paul McCartney, Jean-Paul Sartre, John Kennedy, Machado de Assis, Che Guevara, Bob Dylan, Miles Davis.

Um time de respeito.

Uma característica básica dos geminianos é que nascemos para sermos reféns.

As pessoas nos amam, mas agem conosco como se nos odiassem. Da mesma forma, nós começamos amando e logo em seguida ficamos definitivamente aprisionados a tudo e todos que odiamos.

Os geminianos se deixam escravizar com extrema facilidade. Porque nós disputamos com os ingênuos a supremacia da bondade e com isso nos tornamos presas fáceis logo após a aproximação.

Os geminianos não gostam de ficar em casa à noite, mas logo em seguida aparece alguém em suas vidas, escalado para obrigá-los a não sair para a rua.

Os geminianos detestam qualquer compromisso e por isso nutrem medo pânico por formar família. Esse receio parece que os atrai terminantemente para o meio familiar, nunca mais se livrando dos tentáculos da afetividade, restando pregados para sempre às cruzes do sentimentalismo.

Forçoso é reconhecer que os geminianos são dados a trair, faz parte da sua herança genética a pluralidade amorosa. Seus corações têm catedrais imensas, onde abrigam todos que se magnetizam com sua larga capacidade afetiva.

Por outro lado, o inverso, os geminianos possuem uma invulnerabilidade para a traição. Ninguém tem coragem de ser infiel a eles, tão imensa é a sua capacidade de conquistar para sempre a quem por eles é tocado.

Mas essa fidelidade tributa o geminiano com pesados impostos de submissão, tão terríveis que talvez tivesse sido melhor para ele ter sido atingido pela traição, desde que isso significasse o que mais almeja o geminiano, a liberdade, benesse obviamente inatingível para ele.

São assim os geminianos, suas atribulações são devidas a que eles não sabem ser competentes para traduzir em gestos, ações e palavras o quanto se atiram a abnegados esforços de amor e amizade, o que inspira fatalmente os outros à desconfiança.

Não é permitido aos geminianos serem felizes. Haverá sempre dedos acusadores a apontar para eles, o que lhes causa um desespero aterrador em face da consciência clara de que na maioria das vezes estão sendo injustiçados.

Na verdade, a missão dos geminianos na Terra não é serem felizes, é fazer os outros felizes, embora estes assim nunca se considerem.


30 de setembro de 2007
N° 15382 - David Coimbra


A viagem do obelisco

Fui consultar a dona Célia Ribeiro sobre o Obelisco de Luxor.

- Diz-se Lúcsor, não Lúchor - explicou-me ela, paciente.

A Dona Célia é uma francófila, sabe tudo de Paris, e me interesso pelo Obelisco de Luxor e, embora o Obelisco de Luxor seja de Luxor, está em Paris, por isso fui falar com a dona Célia, que é uma francófila e sabe tudo de Paris, o que significava que ela deveria saber sobre o Obelisco de Luxor, e sabia mesmo, tanto que enfatizou que se diz Lúcsor, não Lúchor.

Entendeu?

Bom. A verdade é que o Obelisco de Luxor, que está em Paris, nem sempre esteve lá. Em Paris.

O Obelisco de Luxor manteve-se fincado em Luxor durante mais de três mil anos, adornando o templo mandado construir pelo faraó Ramsés II, que, suspeitam os historiadores, foi quem debateu acerbamente com Moisés a permanência dos hebreus como escravos no Egito.

Foi ele, Ramsés, que sofreu com todas aquelas pragas, sapos, gafanhotos, morte dos primogênitos, tudo isso, para acabar tendo o seu exército todinho afogado nas águas do Mar Vermelho, que Moisés abriu e depois, ladinamente, fechou.

Naquele tempo, Luxor nem se chamava Luxor; era Tebas. Com o que, o Obelisco de Luxor devia se chamar Obelisco de Tebas, o que complica ainda mais a história. Além do mais, estou tergiversando. Chega. Vou tentar simplificar.

Na porta de entrada do templo de Ramsés havia um par de obeliscos de pedra, imponentes, gigantescos, tão grandes que nem Obelix seria capaz de erguê-los.

Os séculos passaram, os milênios também, a glória do Antigo Egito esvaneceu-se quando o seio de Cleópatra foi mordido pela naja, e ninguém mais se lembrava do fulgor dos faraós.

Até que Napoleão chegou.

Durante a Campanha do Egito, Napoleão escalou as pirâmides, forjou aquela frase famosa e espalhou 150 cientistas pelo país. Voltou para casa frustrado com a empreitada militar, mas cheio de informações colhidas pelos cientistas, o que acabou cevando a egiptologia moderna e um interesse pelo Egito Antigo com uma intensidade que só existe na França - os franceses adoram o Egito.

Outro butim que Napoleão literalmente arrancou da areia do deserto foi o Obelisco de Luxor (Lúcsor!).

Como o monumento pesava 320 toneladas, um navio foi construído especialmente para transportá-lo. A operação toda levou dois anos. Hoje, o obelisco está plantado na Place de la Concorde, majestoso, invencível, tri.

Há quem diga que o obelisco foi um presente do vice-rei do Egito, Mohammed Ali, que o trocou com os franceses por um relógio em 1836, fazendo um péssimo negócio, o que deixou os egípcios bem chateados.

Mas tanto faz. O certo é que os franceses levaram o obelisco embora e hoje ele é um dos orgulhos de Paris.

Os europeus fizeram muito disso, na sua fúria colonialista. A Pedra de Roseta está no Museu Britânico, a magnífica Vitória de Samotrácia e a delicada Vênus de Milo enfeitam o Louvre, o Altar de Pérgamo encanta Berlim, e assim por diante.

Por quê?

Porque os orientais preservaram mal, ou simplesmente não preservaram, suas relíquias. Na Europa, esses patrimônios da Humanidade estão protegidos, bem cuidados e democraticamente expostos à admiração pública.

Desculpem-me, pois, as comunidades gregas, egípcias, turcas e iraquianas, mas prefiro os tesouros históricos no Louvre do que em Bagdá.

Assim essa discussão sobre os despojos de Jango, se devem continuar em São Borja ou repousar no memorial que está sendo levantado em Brasília. Onde os restos mortais de Jango serão tratados com mais dignidade e, até, com a suntuosidade merecida?

Eis a questão.

E os nossos velhos estádios de futebol? Que fazer deles? Há quem os defenda como relíquias históricas. Não são. São obsoletos, desconfortáveis e atrasados.

São velhos, não antigos. Portanto, saúdo a demolição do Olímpico e a nova Arena que Paulo Odone pretende construir.

Hoje, Paulo Odone já é um dos maiores presidentes da história do Grêmio. Se construir a Arena, será o maior. Será, assim, um Napoleão!


30 de setembro de 2007
N° 15382 - Moacyr Scliar


Moda & modelos

O que acontece com a emoção reprimida pelas modelos? Transforma-se em ansiedade

Moda é coisa importante. Vestir bem, com elegância e bom gosto, não é só questão de vaidade; é também fator de auto-estima e uma forma de assumir identidades.

Dize-me como te vestes e eu te direi de que grupo social fazes parte, punk, dark, patricinha. Daí a extraordinária expansão da indústria da moda.

E daí a ascensão das modelos profissionais, coisa que para muitas jovens está sendo uma escolha de vida. Uma garota do Interior pode se transformar numa supermodelo e ganhar muito mais do que ganharia se fosse médica ou professora.

Profissão interessante, essa. Predominantemente feminina; os modelos masculinos parecem um tanto deslocados, quando não contrafeitos, nos desfiles.

A passarela é território das mulheres. Belíssimas, o que corresponde a uma tendência geral. Provavelmente nunca, na história da humanidade, as mulheres foram tão belas (e as brasileiras disso são um exemplo).

Há modelos famosas, que ganham muito dinheiro. Este êxito incendeia a imaginação das garotinhas que olham, deslumbradas, as vencedoras, aquelas que a TV e as revistas mostram sempre. Agora: ser modelo não é fácil. É uma profissão exercida de acordo com uma estrita e rigorosa rotina.

As modelos desfilam todas do mesmo jeito; foram treinadas para isso. Em primeiro lugar, adotam aquele estranho jeito de caminhar, que as torna semelhantes a aves pernaltas. Mais interessante, e perturbadora, é a expressão facial. Modelos, por definição, são impassíveis.

Não sorriem, não olham para ninguém, muito menos abanam para conhecidos ou familiares - o olhar é vago, perdido no horizonte, como se estivessem em outra dimensão (e provavelmente estão em outra dimensão).

Mostrar emoções? De jeito nenhum. A passarela não é o palco, a modelo não é atriz, não é cantora.

Aparentemente não está minimamente interessada naquelas pessoas que, lá de baixo, a observam, às vezes com admiração, às vezes até com inveja. Esta impassibilidade chama a atenção; contrasta com a expressão dos manequins, ao menos dos antigos manequins das vitrines.

Estes sempre sorriam; um sorriso fixo, imutável, meio sinistro até (não raro manequins figuravam em filmes de terror). Mas os manequins sorriem; as manecas (será que ainda se usa este termo?) não sorriem.

São figuras meio robóticas, que executam maquinalmente seu trajeto. Só no final do desfile é que aparecem, batendo palmas (maquinalmente).

Pergunta: o que acontece com esta emoção que não é expressa, que é reprimida? Provavelmente transforma-se em ansiedade.

Ansiedade quanto ao desempenho, ansiedade quanto ao futuro, algo que caracteriza as ocupações de duração fugaz, ligadas à juventude, ao vigor atlético, à conformação física.

Será que estou engordando, é uma dúvida que deve ocorrer a muitas modelos, no desfile, fora do desfile, nos pesadelos. A resposta sabemos qual é: a anorexia nervosa.

Que já está se transformando em preocupação generalizada. Ainda recentemente uma modelo foi barrada em Londres, não por excesso de peso, mas por falta de peso. Ou seja: os organizadores de desfiles não querem ser acusados pela doença das modelos.

É a outra face da moda, esta. A face que as modelos, por boas razões, evitam mirar. Talvez isso explique por que uma modelo jamais olha para as pessoas que vão ao desfile.

Ela não quer ver, de pé no fundo do salão, uma garotinha a olhá-la deslumbrada. A garotinha que um dia foi e cujos sonhos gostaria de recuperar.

Falando em modelos, em Jogo de Damas, editado pela modelar, sempre exemplar e nunca alvar L&PM, David Coimbra faz uma saborosa incursão pela História em busca de grandes mulheres. E as encontra!


30 de setembro de 2007
N° 15382 - Luis Fernando Verissimo


Meio esquisito

A Carol arranjava cada namorado...

Um vez anunciou que traria o namorado novo para conhecer os pais, mas que não estranhassem. Ele era meio esquisito. Além dos cabelos eriçados de quem acaba de levar um choque elétrico, e das roupas indianas lustrosas, tinha algo de megalomaníaco.

Quando Carol chegou trazendo o novo namorado pela mão, a mãe não se conteve e exclamou: - Deus do céu! E ele: - Não, mas chegou perto.

A COLA

A idéia de reunir a turma 25 anos depois da formatura parecera ótima, mas o César se arrependeu de ter aceito o convite assim que viu quem sentara ao seu lado na churrascaria. O Marçal. Logo o Marçal!

- E aí, velho?

- Tudo bem. E você? - Quero saber tudo. Casado? Divorciado? Filhos? Netos? - Casado. Dois filhos. - Grande!

O Marçal o cutucara. Aquilo ele tinha esquecido. O Marçal cutucava.

O "grande" viera acompanhado de uma cutucada no braço. A cutucada doera.

- E você? - perguntou César, tentando se afastar do Marçal. - Dois casamentos. O que é que eu estou dizendo? Três. Acabei de me divorciar da terceira. Nenhum filho.

- É mesmo? - Você não pensa que eu esqueci, pensa?

- Do quê? - Da cola que você não me deu. - Cola? Eu?

- Você não lembra? Claro que lembra. A cola que eu pedi e você negou. Por princípio. Lembra?

Outra cutucada. Mais forte. - Não me lembro de nada.

- Lembra, lembra. Você era o primeiro da turma. Não me deu cola por uma questão de princípios. E ainda me deu uma lição sobre princípios.

Por causa dos seus princípios eu quase rodei no exame. Me formei ali, ali. Com as minhas notas baixas, sem qualquer recomendação, não tinha nenhum perspectiva depois da formatura. Fui trabalhar vendendo carros. E sabe o que eu sou hoje? Hein? Hein?

Cutucada. Cutucada. - O quê? - Milionário! Ao contrário de você que é... O que você é, mesmo? - Advogado.

- Advogado, claro. Você se formou como primeiro da turma. Todas as portas se abriram para você. Aposto que é um advogado corretíssimo. Tem uma vida corretíssima, uma mulher corretíssima, filhos corretíssimos. Tudo que merece um homem de princípios. Grande!

- Pare de me cutucar. - O quê? - Não me cutuque! - Salsichão?

O garçom colocara um espeto entre os dois. César fez um gesto para Marçal.

- Você primeiro. - Não, não. Você. Quem tem princípios, principia. - Vamos esquecer essa história? Afinal, faz 25 anos.

Marçal ficou em silêncio, olhando para o seu prato vazio. Não aceitou salsichão. Nem coração de galinha. Quando veio a picanha, virou-se para César e cutucou-o outra vez no braço. Dessa vez, de leve. Pediu:

- Me fale da sua família. Da sua vida.

E confessou que quando vira o César na mesa pedira para sentar ao seu lado. Precisava saber tudo a seu respeito. Tudo. Numa boa.

Sem ressentimentos. Como tinham sido os 25 anos com princípios do Cesar, em contraste com os seus 25 anos sem princípios, em que só enriquecera. O César se importava?

- Não - disse César. - Só não me cutuque.

RAZÃO

Da série "Poesia numa hora destas?!" Você quer razão para um porre? No fim deste corre-corre. - se morre!

André Petry

Que Brasil é este?

"Entre documentos perdidos em uma enchente e contratos de gaveta, entre a punição injusta e a impunidade aberta, entre um catador de papelão e um senador da República, temos a crônica de dois Brasis"

Em março de 2005, o catador de papelão José Machado Sobral foi preso por engano em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo. Confundido com um suspeito de tentativa de homicídio, ele foi levado para uma delegacia.

Sem documentos, que perdera numa enchente, e sem dinheiro para pagar advogado, acabou sendo conduzido a um presídio. Ficaria dois anos e meio preso por um crime que não cometeu.

(Na mesma data, o senador Renan Calheiros rompeu sua sociedade secreta com o usineiro João Lyra em uma rádio e um jornal – é aquela sociedade selada com contrato de gaveta, uso de laranjas e pilhas de dinheiro vivo.)

Em junho de 2006, o catador de papelão já completava um ano e três meses de cadeia e, como ninguém conseguia confirmar sua identidade nos arquivos de seu estado natal, Pernambuco, um juiz mandou libertá-lo.

Mas a burocracia não emitiu o alvará de soltura, e o catador de papelão ficou na prisão. A essa altura, dividia a cela com vinte presos.

(Na mesma data, tal como previam seus planos, Renan Calheiros ficou encantado com a agilidade da burocracia do Ministério das Comunicações: ganhou a concessão de nova rádio FM para operar em Alagoas. Meses depois, a concessão seria aprovada em sessão do Congresso, presidido pelo próprio Renan Calheiros.)

No dia 6 de setembro passado, finalmente exibiram uma foto do catador de papelão à vítima em Pernambuco. A vítima disse que a foto não era do assassino.

O catador de papelão era negro. O assassino, branco. O catador de papelão tem 54 anos. O assassino, uns 40. Estava desfeita a confusão, mas José Sobral seguiria preso. Nem o juiz de Guarulhos nem o de Pernambuco tinham autoridade para soltá-lo.

(No mesmo dia, os jornais noticiaram que o Conselho de Ética do Senado decidira, por 11 votos contra 4, pedir a cassação do mandato de Renan Calheiros.

O pedido de cassação não se devia ao laranjal da sociedade clandestina em rádios e jornais, mas ao uso de um lobista para pagar suas despesas pessoais. O senador disse aos repórteres: "Vamos ganhar. É ter calma". Ganhou mesmo.)

No dia 21 de setembro, Renan Calheiros perdeu seu advogado, Eduardo Ferrão. Dono de um dos escritórios mais caros de Brasília, Ferrão alegou que estava farto do assédio de repórteres e fotógrafos. Achava que o tumulto estava prejudicando outros clientes. Renan compreendeu. Afinal, com a absolvição no caso do lobista, o advogado cumprira a missão.

(No mesmo dia, depois de dois anos e meio preso por engano, o catador de papelão foi libertado, graças ao empenho de um defensor público, Bruno Lopes de Oliveira.

Em entrevista ao repórter Rogério Pagnan, do jornal Folha de S.Paulo, José Sobral disse: "Eu não tinha ódio nem revolta. O ódio que está dentro de mim é terrível. Imagina ficar numa cadeia tanto tempo sendo inocente. Como você ficaria?".)

Entre documentos perdidos numa enchente e contratos de gaveta, entre um advogado abastado que parte e um defensor público que chega, entre a punição injusta e a impunidade aberta, entre um catador de papelão e um senador da República, temos a crônica de dois Brasis. Isso é triste.

Eu ratifico: Muito triste e as injustiças estão aí as pompas, num povo sofrido, pacato e resignado. Mesmo assim desejo que tenhamos todos um excelente fim de semana.

Diogo Mainardi

McCarthy estava certo

"Agora que jornalistas da minha listinha de fato foram trabalhar para Lula, com carteira assinada e tudo, aguardo os pedidos de
desculpas de meus detratores arrependidos, as odes em minha homenagem, os beijinhos e os cafunés"

A TV do Lula já tem um chefe: Tereza Cruvinel. Na quarta-feira, ela foi escolhida para presidir o canal estatal. Petistas e peemedebistas brigam para abocanhar cargos na Petrobras.

Enquanto isso, o lobista Mainardi, com seu jeito sonso, conseguiu emplacar mais um nome de sua listinha para um posto de comando no governo.

A primeira listinha do lobista Mainardi foi publicada numa coluna de dezembro de 2005. Nela, relacionei uma série de jornalistas comprometidos com Lula. Mais do que simples torcedores ou correligionários do presidente, acusei-os de distorcer os fatos a fim de abafar as denúncias contra os mensaleiros. A certa altura, eu dizia:

O Globo tem Tereza Cruvinel. É lulista do PCdoB. Repete todos os dias que o mensalão ainda não foi provado. E que José Dirceu não deveria ter sido cassado. Ela aparelhou o jornal da mesma maneira que os lulistas aparelharam os órgãos públicos. Quando tira férias, seu cunhado, Ilimar Franco, assume sua coluna.

Minha listinha de colaboracionistas na imprensa incluía o nome do atual ministro Franklin Martins, que indicou Tereza Cruvinel para a TV do Lula. E o nome de Helena Chagas constava de uma listinha sucessiva em que tratei da quebra do sigilo do caseiro Francenildo. O que fará Helena Chagas? Ela dirigirá o departamento de jornalismo da TV estatal.

Fui muito atacado na época da primeira listinha. Me acusaram de ligeireza. Me diagnosticaram um extenso rol de neuroses. Quatro dos citados chegaram a me processar:

Franklin Martins, Leonardo Attuch, Paulo Henrique Amorim e Mino Carta. Até aquele momento, os quinta-colunas da imprensa permaneciam incógnitos. Ninguém admitia que a afinidade partidária pudesse interferir no desempenho profissional dos jornalistas.

E ninguém admitia que eles pudessem estar trabalhando para Lula clandestinamente. Agora que alguns deles de fato foram trabalhar para Lula, com carteira assinada e tudo, aguardo os pedidos de desculpas de meus detratores arrependidos, as odes em minha homenagem, os beijinhos e os cafunés.

No fim daquele primeiro artigo, anunciei o plano de delatar todos os lulistas da imprensa, formando o tribunal macarthista mainardiano. Como sempre acontece comigo, a piada se voltou contra mim.

Por muito tempo, fui tachado como um macarthista que perseguia seus colegas por motivos puramente ideológicos. O fato é que Joseph McCarthy estava certo: o comunismo tinha um monte de agentes infiltrados no sistema americano.

O fato é que eu também estava certo: o lulismo tinha um monte de agentes infiltrados na imprensa brasileira.

Dois anos depois do estouro do mensalão, já podemos fazer um retrospecto do caso. O STF delineou com clareza suas principais ramificações: o núcleo presidencial, o núcleo parlamentar, o núcleo bancário, o núcleo publicitário.

O mensalinho tucano irá desmascarar o núcleo oposicionista. Quanto ao núcleo jornalístico, a ida de Tereza Cruvinel para a TV do Lula fechará o ciclo de uma vez por todas. Estou à espera dos beijinhos. Estou à espera dos cafunés.

Ponto de vista: Stephen Kanitz

Cuidado com o que ouvem

"Achar que tudo o que ouvimos é verdadeiro é viver ingenuamente, com sérias conseqüências para nossa vida profissional"

"Vigilância epistêmica" é a preocupação que todos nós devíamos ter com relação a tudo o que lemos, ouvimos e aprendemos de outros seres humanos, para não sermos enganados. Significa não acreditar em tudo o que é escrito e é dito por aí, inclusive em salas de aula.

Achar que tudo o que ouvimos é verdadeiro, que nunca há uma segunda intenção do interlocutor, é viver ingenuamente, com sérias conseqüências para nossa vida profissional. Existe um livro famoso de Darrell Huff chamado Como Mentir com Estatísticas, que infelizmente é vendido todo dia, só que as editoras não divulgam para quem. Cabe a cada leitor tentar descobrir.

Ilustração Atômica Studio

Vigilância epistêmica é uma expressão mais elegante do que aquela palavra que todos nós já conhecíamos por "desconfiômetro", que nossos pais nos ensinaram e infelizmente a maioria de nós esqueceu.

Estudos mostram que crianças de até 3 anos são de fato ingênuas, acreditam em tudo o que vêem, mas a partir dos 4 anos percebem que não devem crer. Por isso, crianças nessa idade adoram mágicas, ilusões óticas, truques. Assim, elas aprenderão a ter vigilância epistêmica no futuro.

Lamentavelmente, muitos acabam se esquecendo disso na fase adulta e vivem confusos e enganados, porque não sabem mais o que é verdade ou mentira.

Nossa imprensa infelizmente não ajuda nesse sentido; ela também não sabe mais separar o joio do trigo. Hoje, o Google indexa tudo o que encontra pela frente na internet, mesmo que se trate de uma grande bobagem ou de uma grande mentira.

Qualquer "opinião" é divulgada aos quatro cantos do mundo. O Google não coloca nos primeiros lugares os sites da Universidade de Oxford, Cambridge, Harvard ou da USP, supostamente instituições preocupadas com a verdade.

In veritas é o lema de Harvard. O Google não usa sequer como critério de seleção a "qualificação" de quem escreve o texto no seu algoritmo de classificação.

Ph.Ds., especialistas, o Prêmio Nobel que estudou a fundo o verbete pesquisado aparecem muitas vezes somente na oitava página classificada pelo Google. Avaliem o efeito disso sobre a nossa cultura e a nossa sociedade a longo prazo.

Todos nós precisamos estar atentos a dois aspectos com relação a tudo o que ouvimos e lemos:

• Se quem nos fala ou escreve conhece a fundo o assunto, é um especialista comprovado, pesquisou ele próprio o tema, sabe do que está falando ou é no fundo um idiota que ouviu falar e simplesmente está repassando o que leu e ouviu, sem acrescentar absolutamente nada.

• Se o autor está deliberadamente mentindo.

Aumentar a nossa vigilância epistêmica é uma necessidade cada vez mais premente num tempo que todos os gurus chamam de "Era da Informação".

Discordo profundamente desses gurus, estamos na realidade na "Era da Desinformação", de tanto lixo e "ruído" sem significado científico que nos são transmitidos diariamente por blogs, chats, podcasts e internet, sem a menor vigilância epistêmica de quem os coloca no ar.

É mais uma conseqüência dessa visão neoliberal de que todos têm liberdade de expressar uma opinião, como se opiniões não precisassem de rigor científico e epistemológico antes de ser emitidas.

Infelizmente, nossas universidades não ensinam epistemologia, aquela parte da filosofia que nos propõe indagar o que é real, o que dá para ser mensurado ou não, e assim por diante.

Embora o ser humano nunca tenha tido tanto conhecimento como agora, estamos na "Era da Desinformação" porque perdemos nossa vigilância epistêmica. Ninguém nos ensina nem nos ajuda a separar o joio do trigo.

Foi por isso que as "elites" intelectuais da França, Itália e Inglaterra no século XIV criaram as várias universidades com catedráticos escolhidos criteriosamente, justamente para servir de filtros e proteger suas culturas de crendices, religiões oportunistas e espertos pregando mentiras.

Há 500 anos nós, professores titulares, livres-docentes e doutores, nos preocupamos com o método científico, a análise dos fatos usando critérios científicos, lógica, estatísticas de todos os tipos, antes de sair proclamando "verdades" ao grande público.

Hoje, essa elite não é mais lida, prestigiada, escolhida, entrevistada nem ouvida em primeiro lugar. Pelo contrário, está lentamente desaparecendo, com sérias conseqüências.

Stephen Kanitz é administrador www.kanitz.com.br


Os amigos e as mulheres

Vi, numa revista americana, um anúncio que de alguma forma me comoveu. Acho que era de uma seguradora. Dois garotos estão encostados um no outro e lê-se o seguinte: lembra o tempo em que você podia contar com alguém?

Toquei no anúncio porque decidi falar, mais uma vez, dos amigos. Mais especificamente, das dificuldades que as mulheres acham que os amigos têm influência negativa sobre nós.

E sentem um terrível ciúme deles. Como se cada centímetro de espaço que concedemos a nossos amigos representasse um centímetro a menos para elas.

Elas mais ou menos nos dizem o seguinte: ele ou nós. Algumas dizem isso de forma mais clara, outras recorrem a sutilezas, mas a essência da mensagem parece sempre a mesma: amigo bom é ex-amigo.

Lembro com detalhes o que aconteceu com meu amigo Totó. Éramos adolescentes e nossa turma era simplesmente

incomparável. Duvido que houvesse outra turma, em todo o mundo, tão fantástica. Éramos unidos, diversos nas partes mas coesos no conjunto, e nos amávamos tanto.

Sabíamos que, desde que estivéssemos juntos, conquistar o mundo era uma tarefa bem fácil para qualquer um de nós. Pois um dia o Totó arrumou a primeira namorada séria.

E a primeira providência dela foi afastá-lo de nós. Relembro a cena ainda com pesar: o Totó passando de mãos dadas com ela na outra calçada, longe da esquina em que nós ficávamos.

Claro que essa namorada passou. Mas a mágoa da troca de calçada jamais foi esquecida pelos amigos. (Não me julgo um cara rancoroso, mas também eu jamais esqueci. Releio o que escrevi e noto que nem sequer o nome da namorada mencionei. Revanchismo. Mas aqui vai: Eliane.)

E então digo o seguinte. É um grande erro das mulheres a compulsão de detestar nossos amigos. Eles quase sempre estão do lado de nossas namoradas e nossas mulheres. Sobretudo quando estamos procurando, descaradamente, novas namoradas e novas mulheres.

“Você não vai fazer uma coisa dessas com a Maria”, “a Maria dá de dez nessa vaca atrás de quem você está correndo”. Eis algumas das frases que ouvimos de nossos amigos quando nos lançamos a aventuras.

Eles, como certos cães de aparência assustadora mas com alma de bebê, só atacam quando são atacados primeiro.

No caso do Totó, por exemplo, fomos atacados primeiro. Toda a campanha sanguinolenta que movemos contra a namorada foi apenas uma resposta ao golpe vil que recebemos.

Mulheres e amigos são complementares, como uma boa colher de Nescau e um copo de leite gelado. Cada parte tem sua função. A presença do Nescau não diminui o leite, nem a presença do leite diminui o Nescau.

É uma imagem meio capenga, admito, mas preciso considerar que fui subitamente assaltado por uma feroz vontade de tomar um copão de Nescau gelado. (Copázio, corrigiria minha mãe, que jamais conseguiu dar um português decente a este seu filho.)

E antes que meu espaço se encerre quero dizer que dedico esta coluna à minha velha turma. A melhor turma do mundo em todos os tempos. Parece que os vejo ao meu lado agora. E reparo naquele ali, baixinho, de blusão de couro e chiclete na boca, o mais esperto de todos nós.

É o Edu, o Eduardinho. Vejo o Edu como o Senhor do Mundo em cima de uma pequena moto azul de 50 cilindradas que ganhou aos 18 anos, os olhos com o fulgor arregalado de quem não conhece obstáculos que não possa transpor. E o vejo depois num paletó ridículo, que ele jamais usaria.

Mas fora atirado de sua moto numa guia e estava num caixão. E então me ocorre que o Edu não viveu o suficiente para assistir à falência de seus sonhos de menino, como todos os seus amigos que sobrevivemos e seguimos em frente.

E então eu penso que se essa coluna fosse musicada, tocaria agora uma balada de Hendrix chamada Angel. E me arrepio.

Uma vez, lá para trás, nós, da velha turma, estávamos ouvindo Angel enquanto fumávamos um baseado no quarto do Fernão. Um trecho da música fala de alguém que voa pelos céus. O Mingo disse: não dá pra ver o Edu voando pelos céus?


29 de setembro de 2007
N° 15381 - Paulo Sant'ana


Saúde no Alegrete

É certo que viria resposta do prefeito de Alegrete às acusações da promotora local de descaso no transporte de doentes para Porto Alegre: "Caro SantAna:

jamais desejamos ocupar teu valoroso espaço para expormos situações limitadas ao nosso município de Alegrete, mas diante de colocações sem nenhum cunho aprofundado pela promotora de Justiça Alessandra Moura, vimos solicitar nosso direito de resposta para fazermos algumas correções no que foi noticiado.

Até alguns anos atrás, quando questionados em algum lugar, os alegretenses respondiam sobre a sua naturalidade de maneira sucinta e em tom adequado de voz.

Nos dias atuais, Alegrete transformou-se em uma espécie de grife, principalmente após tu teres te declarado filho de coração deste pago pelas relações que manténs conosco, após o conterrâneo Ernesto Fagundes fazer show na Europa vestindo orgulhosamente a camiseta do Flamenguinho do Alegrete e após o melhor árbitro do Brasil, Carlos Eugenio Simon, desfilar em duas Copas do Mundo, em seus dias de folga, com a indumentária do Efipan (maior evento de futebol infantil do mundo).

Poderíamos citar muitos outros motivos para justificar as causas que os nossos conterrâneos no presente enchem o peito para quase gritar sou do Alegrete.

Com todo este clima, do grande desfile de cavalarianos e visita da governadora, deparamos com tua coluna no sentido inverso, em face do texto redigido por uma de nossas promotoras.

SantAna, cabe esclarecer que sou prefeito por quatro mandatos e fui também deputado estadual e em nenhum momento tive qualquer problema com o Ministério Público, sempre respeitei a hierarquia dos poderes.

Assim sendo, não posso aceitar ingerência sobre o Poder Executivo como o sugerido de nomeações etc., senão estaríamos, após a Constituição de 1988, saindo de um período de exceção militar para um do Ministério Público, algo que não acreditamos.

Pelo texto, parece que não temos respeito pela comunidade: transporte de gado. É exatamente o contrário...

O nosso Alegrete tem dado exemplos amplamente positivos na área da saúde junto à gestão do atual secretário: diminuímos a mortalidade infantil nos últimos quatro anos de 20,54 (2004) - 16,2 (2005), - 13,9 (2006) para 10,8 (2007),

estamos ampliando o nosso pronto-socorro municipal, ampliando atendimento médico desde a atenção básica até a assistência, o município mantém repasse regular para manter nosso hospital filantrópico atendendo à comunidade, muitas vezes extrapolando a responsabilidade do município.

Estamos atualmente investindo em torno de 22% (último quadrimestre) do orçamento em saúde, certamente em prejuízo a outras áreas, mas é a solução até a regulamentação da Emenda Constitucional 29, aprovada lá no ano de 2000, que obriga, além dos municípios colocarem no mínimo 15% em saúde, os Estados, 12%, e a União, 10%, és sabedor que apenas os municípios a cumprem.

Sobre o transporte fora do domicílio, cabe esclarecer que está disponível a todos os usuários sob a responsabilidade do município, respeitando sempre as diretrizes do SUS.

Até o momento do ano, foi investido pelo município de Alegrete em torno de R$ 250 mil somente para quem necessita tratar-se em outra localidade, as questões levantadas na coluna há muito já estão sanadas.

Acho que estes esclarecimentos demonstram, pelo menos em parte, o respeito que a prefeitura municipal de Alegrete através de sua Secretaria de Saúde tem com seus usuários. Um caloroso abraço (ass.) José Rubens Pillar, prefeito, e Paulo Eduardo Bastos, secretário da Saúde".


29 de setembro de 2007
N° 15381 - José Pedro Goulart


Sexo na rua

Um pequeno furgão, com as janelas pintadas para que não se veja nada dentro, estaciona em uma rua movimentada com centenas de pessoas passando. Subitamente a porta do furgão se abre e de lá desce um casal, os dois completamente nus. Ali mesmo, diante de todo mundo, eles começam a transar (não é simulação, é sexo mesmo).

Tudo é muito rápido e antes de qualquer reação eles correm para dentro do furgão que sai rapidamente de cena. Do lado de fora alguém grava tudo e quase imediatamente o feito está disponível na rede.

A questão não é o ato obsceno/debilóide, a questão é a necessidade de furar o bloqueio da mesmice, da repetição infinita dos assuntos comuns. É a função da desordem, mesmo que muitas vezes ela seja idiota. É preciso competir com o dia-a-dia não-espetaculoso. Com a vida ordinária. É preciso conviver com o que não há.

Tomemos a China como exemplo: o que aconteceu por lá nos últimos dias? Um bilhão e duzentos milhões de pessoas e... nada. Nenhuma manchete vinda de lá. Um bilhão e duzentos milhões de pessoas! E se levarmos em conta as capas dos sites e jornais, nem precisamos da China para garantir o argumento.

Fora um ou outro sobressalto - uma tragédia, um bebê de 11 quilos, um transplante de face - , na maioria das vezes não há nada relevante, apenas pedaços de uma certa "caricatura factual": "fulana fotografada sem calcinha", "quando as galinhas se coçam é sinal de chuva", "roubo em cemitério intriga a população".

O fato de que os fatos são cada vez menos extraordinários nos remete a um certo esgotamento, inclusive do que seria abstrato e, portanto, inesgotável.

Essa sensação talvez se deva ao excesso de conexão a que nos submetemos o tempo todo. A internet cada vez mais portátil junto ao celular e sua base periférica nos deixa praticamente invulneráveis a qualquer surpresa.

Além disso, o mundo está mapeado por satélites (ponto para os paranóicos): estamos sendo vigiados o tempo todo. Sabemos também do clima, quando vai chover, ou se a temperatura vai cair. E assim vamos, online uns com os outros numa conexão tão extensa quanto inútil.

James Dean, Bob Dylan, Sid Vicious...

Os símbolos da contracultura morreram ou envelheceram ou sucumbiram. Sobrou uma certa histeria no sentido de produzir factóides num mundo que vem se obrigando a ocupar "qualquer" espaço visual, ou promover barulho naquilo que deveria estar em silêncio, obstruindo os canais da imaginação.

Diante disso, não deixa de ser uma resposta sair de uma van com o pênis ereto, transar no meio da rua, na frente de centenas de desconhecidos e depois exibir para milhões de internautas anônimos.

Hoje e amanhã tem o show do Nico Nicolaiewsky no Theatro São Pedro: Onde Está o Amor? Não deixe de ir, talvez você encontre a resposta a essa instigante questão, na minha opinião a única que realmente interessa.


29 de setembro de 2007
N° 15381- Cláudia Laitano


Falem mal, mas falem

Ao contrário dos ministros Gilberto Gil e Tarso Genro, não assisti à cópia pirata de Tropa de Elite.

A preferência inabalável pela tela do cinema me poupou da constrangedora ginástica moral necessária para explicar por que a pirataria só é condenável na casa dos outros - e isso se os outros não forem nossos chapinhas. Não sei, portanto, se o filme de José Padilha legitima a tortura e transforma policiais truculentos em rambos da classe média.

Não sei se o argumento de "mostrar a realidade" justifica as escolhas estéticas e políticas feitas pelo diretor ao longo do filme. Não sei e não vou ficar sabendo antes da estréia oficial - marcada, sinistramente, para o Dia das Crianças (a violência, policial ou não, não costuma selecionar vítimas pela idade, e o filme não esconde isso).

Mas ainda que as piores críticas se confirmem, e Tropa de Elite seja mesmo um filme que se presta a uma leitura fascista do complexo problema da violência urbana, acho que não corro muito risco em afirmar que 10 linhas sobre essa polêmica são mais interessantes do que as dezenas de páginas impressas e virtuais que debateram o palpitante suspense a respeito da identidade do assassino da Taís ao longo de toda a semana que passou.

Parece covardia comparar filme brasileiro com telenovela. O primo pobre da cultura nacional, sempre dependente do financiamento do Estado e a um passo de se perder na irrelevância das salas vazias e das boas intenções artísticas, contra um bem-sucedido produto de exportação, que, na pior crise de audiência, nunca deixa de contar seus espectadores na casa das dezenas de milhões.

Mas é exatamente a distância que separa esses dois mundos que dá a idéia do tamanho do feito que foi levar os debates em torno de um filme nacional para as capas do jornais. Falem mal, mas falem de um filme, de um livro, de um espetáculo de teatro, de uma idéia, de uma tentativa de entender como as coisas funcionam ou de emocionar para além das sensações fáceis e programadas.

Essa é a relevância que, no mundo ideal, o universo da arte e mesmo do entretenimento deveria ter, virando assunto não apenas pelo viés recorrente dos escândalos da vida privada ou porque "todo mundo comenta", como a dança do siri ou o assassinato da Taís, ou porque acidentalmente entrou em debate a discussão sobre um tema polêmico como a propriedade intelectual - foram as cópias piratas que inicialmente chamaram a atenção para Tropa de Elite.

Em uma época de excesso de informação e escassez de idéias, em que intelectuais são cobrados pelo seu silêncio e escritores contemporâneos que "arrebentam" nas livrarias têm cinco mil leitores, discutir temas como o uso indiscriminado da tortura,

o papel da classe média na indústria do tráfico, as soluções, ou falta de, para a violência urbana graças a um filme e a um livro (Elite da Tropa, que deu origem ao longa-metragem) é um prodígio que merece ser celebrado. Viva o debate estético e político. Vivam as pessoas que odeiam Tropa de Elite e as que gostaram do filme também.

Porque elas tiram o cinema brasileiro do fundo das prateleiras das locadoras e das madrugadas do Canal Brasil e o colocam bem no meio das conversas que podem fazer diferença.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007



LAnçamentos

Mestre-Cuca Larousse traz mais de 1800 receitas, explicadas passo a passo, elaboradas com ingredientes adaptados à culinária brasileira.

Dicas de alimentação saudável, compras de melhores produtos e de conservação, bem como 60 receitas práticas estão no volume, com fotos e ilustrações. Clássicos da cozinha brasileira também estão nas 1136 páginas do livro, que custa R$ 99,90. Larousse, telefone 11-3044-1515 .

Estórias gerais traz histórias em quadrinhos de sertão e de bandidos, roteirizadas por Wellington Srbek e ilustradas por Flavio Colin a partir de narrativas geniais de Guimarães Rosa, Dias Gomes, Suassuna e outros. A obra já é considerada um clássico do quadrinho nacional e traz sete histórias. 160 páginas, Conrad, telefone 11-3346-6088 .

Religião, Psicopatologia & Saúde Mental, do professor de psicopatologia Paulo Dalgalarrondo, fala do fenômeno religioso e estabelece ligações com a psicanálise, a psicopatologia, a antropologia, a sociologia e a psicologia.

A religião faz bem ou mal à saúde mental? Estas e outras questões estão na obra. 288 páginas, Artmed, telefone 3027-7000.

Fidelidade obrigatória e outras deslealdades, da psicanalista e professora Regina Navarro Lins e do romancista e jornalista Flávio Braga, apresenta um texto antigo e outro atual sobre infidelidade e um texto crítico que acompanha as narrativas.

A idéia central da obra é falar da fidelidade e sua aplicação à vida conjugal. 128 páginas, Best Seller, telefone 21-2585-2002 .


Jaime Cimenti

A redenção de Judas

Jeffrey Archer é um dos romancistas mais populares do planeta. Grande contador de histórias, seus romances Caim e Abel, Filhos da Sorte, Falsa Impressão e Doze Pistas Falsas, entre outros, atingiram a incrível marca de 125 milhões de exemplares.

Formado em Oxford, participou como membro do Parlamento Britânico e, atualmente, compõe a Câmara dos Lordes.

Francis J. Moloney é considerado um dos mais conceituados estudiosos da Bíblia e, nos últimos trinta anos, figura como influente personagem no seio da tradição teológica católico-romana.

Por dezoito anos atuou como membro da Comissão Teológica Internacional para a Santa Fé e tem sido continuamente associado a seu superior, o cardeal Joseph Ratzinger, o papa Bento XVI.

Moloney pesquisou muito sobre o Novo Testamento e escreveu muitas obras. É Superior Provincial da Congregação Salesianos de Dom Bosco.

Os dois autores uniram-se em torno de um projeto arrojado e pretensioso: redimir a figura de Judas, estigmatizado como traidor e sempre criticado.

O Evangelho Segundo Judas, romance escrito por Archer a partir de um evangelho originalmente escrito por Benjamim Iscariotes, o primogênito de Judas, pretende apresentar a verdadeira história do apóstolo e do papel real que ele desempenhou na vida e na morte trágica de Jesus de Nazaré.

A confiável erudição de Moloney e a sedutora arte narrativa de Archer partem da inovadora idéia de que Judas não teria traído Cristo. Por acreditar que Jesus não era o Messias e saber que, por isso, seria assassinado, Judas teria pretendido tomar a defesa de Jesus.

A partir daí, uma visão mais humana de Jesus é apresentada e, segundo Archer, a visão de Judas é muito mais interessante do que a dos outros onze apóstolos. É um evangelho com um ponto de vista absolutamente novo, como se constata.

Segundo Bento XVI, o nome "Judas" provoca nos cristãos uma reação instintiva de crítica e condenação, e a traição dele permanece um mistério.

A obra original de Jeffrey Archer, sem dúvida, possibilita novas interpretações, novas visões e reflexões diferentes sobre aquela que é considerada a história mais famosa de todos os tempos e sobre as circunstâncias que a cercam.

Archer decidiu escrever uma história para leitores do século XXI, mas com o indispensável aval de Moloney, no sentido de que o resultado fosse digno da confiança de judeus e católicos do primeiro século.

O resultado, meticuloso, está aí. Tradução de Lílian Palhares, 112 páginas, R$ 31,00. Editora Bertrand Brasil, telefone 21-2585-2070 .

Juremir Machado da Silva

SOMOS TODOS IGUAIS

O Brasil é um país sem preconceitos. Terra de samba e pandeiro. É assim, ao menos, que gostamos de nos imaginar ou de falar para inglês ver e ouvir. Somos todos iguais perante...

Perante quem mesmo? De agora em diante, do ponto de vista dos partidos políticos, somos todos iguais perante o caixa 2, a enganação geral e o 'eu não sabia'.

Mesmo os adversários mais renhidos, PSDB e PT, têm em comum a mesma prática de financiamento ilícito de campanha, o mesmo operador, Marcos Valério, o mesmo banco, o Rural, o mesmo publicitário, o conversador de fiado Duda Mendonça, e a mesma desfaçatez nas explicações fajutas: 'Eu não sabia' e 'Todo mundo faz'.

É como se Inter e Grêmio se irmanassem na compra de resultados. Ou como nossos chimangos e maragatos que praticavam a degola com a mesma desenvoltura.

O ex-governador de Minas Gerais Eduardo Azeredo pode gabar-se de ter sido o inventor do mensalão. Ele não o faz por ser um homem discreto e por preferir a sua casa a uma cela especial.

Quer dizer, como imagem, pois ninguém vai para a cadeia no Brasil por praticar bobagens como um mensalão aqui, outro ali. Agora, confessem que é lindo ver todos os partidos unidos por um vínculo tão profundo e secreto. Não acham? Bem, já nem tão secreto.

O partido dos ricos e o partido dos pobres passam no mesmo caixa, contratam os serviços escusos do mesmo lobista, trocam informações, repassam tecnologia criminosa, intercambiam sistemas complexos de infração à lei e correm abraçados para o mesmo objetivo: o poder a qualquer custo.

Os partidos políticos nunca foram sérios no Brasil. Getúlio Vargas, num sábio e cínico 'equilíbrio de antagonismos', criou logo dois partidos, o PSD e o PTB, um para a oligarquia e outro para a massa. Foi um imenso sucesso.

O entendimento é tão perfeito entre os partidos que Mares Guia, ex-vice governador na chapa de Azeredo, é o articulador político do governo federal do PT. Mares Guia foi o José Dirceu do PSDB.

Como se diz popularmente, uma mão lava a outra e várias mãos lavam (ou levam) muito dinheiro. O PSDB banca a vestal denunciando o mensalão do PT. Mas fecha o longo bico tucano na hora de explicar o mensalão do Azeredo. Entre eles, impera a máxima do 'somos todos irmãos na tristeza e na alegria'.

O mais interessante é que ninguém expulsa ninguém. Por que será? A Polícia Federal já descobriu que boa parte das verbas que irrigaram a lavoura tucana saiu de cofres públicos. Nada como uma boa investigação desinteressada para igualar as ações! Em caso de empate, zera-se o jogo e começa tudo de novo. Uau!

Somos um exemplo de tolerância para o mundo. Somos praticamente uma nação de tolerância. A miscigenação é total. Não há distinção de partido nem de classe social.

Todo mundo pode beneficiar-se de um caixa 2 azeitado e eficaz. O 'tucanoduto' teria levado combustível financeiro para as campanhas de, ao menos, 159 candidatos, incluindo aliados de outros partidos. É o golpe suprapartidário.

Sem dúvida, é um dos casos mais bem-sucedidos de distribuição eqüitativa de renda no Brasil. Nem o Bolsa-Família foi tão longe.

O mais impressionante é a candura de Eduardo Azeredo. Ele se justifica afirmando que não se ocupou das contas da própria campanha. Tinha mais o que fazer. É o famoso 'façam o que for preciso, mas não me contem...'.

juremir@correiodopovo.com.br

Uma ótima sexta-feira e um excelente fim de semana este que já é o último de setembro. Outubro vem aí a passos largos.


28 de setembro de 2007
N° 15380 - Paulo Sant'ana


Compaixão do Nordeste

Zero Hora na contracapa e Diário Gaúcho na capa, ontem, mostraram, em municípios gaúchos diferentes, duas pessoas dentro de suas casas com água da chuva pela cintura.

São Sebastião do Caí estava submersa, a Grande Porto Alegre ficou inundada e, nas ilhas do Guaíba, a Defesa Civil procurava tirar desesperadamente de seus casebres os flagelados da nossa inundação.

Eu tenho reclamado do inverno que passamos este ano e até solicitei de modo patético na televisão que nunca mais alguém elogie na minha frente o inverno, não desejo jamais ouvir outra vez "gosto do inverno", isso soa como um sacrilégio depois que sofremos os mais duros infortúnios deste inverno trágico e inesquecível, um inverno que se originou no outono, se alastrou pelos maiores rigores do próprio inverno e agora enche de calamidades a primavera.

Nenhum dos tormentos da nossa cheia e do nosso inverno de emergências de hospitais lotadas de todas as pestes respiratórias se equiparam no entanto ao que estão sofrendo os nossos irmãos do Nordeste com a seca que os dizima.

Em Sergipe, os 143 municípios estão sob estado de emergência, no Piauí 1 milhão de pessoas estão sob calor inclemente, fome e doenças, o mesmo acontece no Maranhão. Os rebanhos vão sendo tomados de inanição, faltam água e alimentos, há sete meses não chove em vários municípios do Sergipe:

No meu Cariri

Quando a chuva não vem Não fica lá ninguém Somente a sorte ajuda

Se não vier do céu Chuva que nos acuda Macambira morre

Xiquexique seca Juriti se muda.

Com todos esses pertinazes males do inverno que tornam os gaúchos vítimas de uma epidemia de tosse que grassa por todo o Rio Grande, parecendo que descendemos dos macacos catarríneos, as gargantas latejando de dor com as faringites e laringites, nossas vicissitudes ainda assim não encostam nem de longe nos amargores da gente nordestina, as cisternas e as caixas-dágua vazias, as mesas sem alimentos, os animais domésticos e de campo jazendo esqueleticamente pelos caminhos.

Como foi cruel a natureza com nossos irmãos nordestinos. E podemos nós, gaúchos, nos considerar afortunados com a ambiência climática que age sobre nós, adversa, mas paradisíaca perto da que assola o Nordeste desprotegido de todos os governos.

Atrapalha-nos é verdade, no momento, o excesso de água, a inundação.

Mas temos de nos consolar: o fatal é não ter água.

Antes ela nos sobre que nos falte.

Assistimos ontem no Jornal Nacional a um lamentável bate-boca ofensivo e histérico entre os ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa, o relator do mensalão, na sessão do Supremo Tribunal Federal.

Depois desta, os incidentes periódicos do Sala de Redação são considerados debates de cursilhos.

Juremir Machado da Silva

SOMOS TODOS IGUAIS

O Brasil é um país sem preconceitos. Terra de samba e pandeiro. É assim, ao menos, que gostamos de nos imaginar ou de falar para inglês ver e ouvir. Somos todos iguais perante...

Perante quem mesmo? De agora em diante, do ponto de vista dos partidos políticos, somos todos iguais perante o caixa 2, a enganação geral e o 'eu não sabia'.

Mesmo os adversários mais renhidos, PSDB e PT, têm em comum a mesma prática de financiamento ilícito de campanha, o mesmo operador, Marcos Valério, o mesmo banco, o Rural, o mesmo publicitário, o conversador de fiado Duda Mendonça, e a mesma desfaçatez nas explicações fajutas: 'Eu não sabia' e 'Todo mundo faz'.

É como se Inter e Grêmio se irmanassem na compra de resultados. Ou como nossos chimangos e maragatos que praticavam a degola com a mesma desenvoltura.

O ex-governador de Minas Gerais Eduardo Azeredo pode gabar-se de ter sido o inventor do mensalão. Ele não o faz por ser um homem discreto e por preferir a sua casa a uma cela especial.

Quer dizer, como imagem, pois ninguém vai para a cadeia no Brasil por praticar bobagens como um mensalão aqui, outro ali. Agora, confessem que é lindo ver todos os partidos unidos por um vínculo tão profundo e secreto. Não acham? Bem, já nem tão secreto.

O partido dos ricos e o partido dos pobres passam no mesmo caixa, contratam os serviços escusos do mesmo lobista, trocam informações, repassam tecnologia criminosa, intercambiam sistemas complexos de infração à lei e correm abraçados para o mesmo objetivo: o poder a qualquer custo.

Os partidos políticos nunca foram sérios no Brasil. Getúlio Vargas, num sábio e cínico 'equilíbrio de antagonismos', criou logo dois partidos, o PSD e o PTB, um para a oligarquia e outro para a massa. Foi um imenso sucesso.

O entendimento é tão perfeito entre os partidos que Mares Guia, ex-vice governador na chapa de Azeredo, é o articulador político do governo federal do PT. Mares Guia foi o José Dirceu do PSDB.

Como se diz popularmente, uma mão lava a outra e várias mãos lavam (ou levam) muito dinheiro. O PSDB banca a vestal denunciando o mensalão do PT. Mas fecha o longo bico tucano na hora de explicar o mensalão do Azeredo. Entre eles, impera a máxima do 'somos todos irmãos na tristeza e na alegria'.

O mais interessante é que ninguém expulsa ninguém. Por que será? A Polícia Federal já descobriu que boa parte das verbas que irrigaram a lavoura tucana saiu de cofres públicos. Nada como uma boa investigação desinteressada para igualar as ações! Em caso de empate, zera-se o jogo e começa tudo de novo. Uau!

Somos um exemplo de tolerância para o mundo. Somos praticamente uma nação de tolerância. A miscigenação é total. Não há distinção de partido nem de classe social.

Todo mundo pode beneficiar-se de um caixa 2 azeitado e eficaz. O 'tucanoduto' teria levado combustível financeiro para as campanhas de, ao menos, 159 candidatos, incluindo aliados de outros partidos. É o golpe suprapartidário.

Sem dúvida, é um dos casos mais bem-sucedidos de distribuição eqüitativa de renda no Brasil. Nem o Bolsa-Família foi tão longe.

O mais impressionante é a candura de Eduardo Azeredo. Ele se justifica afirmando que não se ocupou das contas da própria campanha. Tinha mais o que fazer. É o famoso 'façam o que for preciso, mas não me contem...'.

juremir@correiodopovo.com.br

Uma ótima sexta-feira e um excelente fim de semana este que já é o último de setembro. Outubro vem aí a passos largos.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007



Dia de finados

Numa manhã especial, destas que não gostam de figurar em calendários de feriados ou de datas oficiais, resolvi, de repente, ir, sozinho, ao cemitério, para visitar os túmulos de meu pai, Alberto, que partiu cedo, em 1987, aos 67 anos de idade, e de meu irmão, Gianfranco, que, em 1996, nos deixou, mais cedo ainda, aos 47.

Levei flores, claro, passos e movimentos leves, pensamentos, preces, silêncios e lágrimas, energias positivas e lembrei de um amigo do meu irmão, o Volpe, que, no velório, com síntese bonita, disse que nessas horas é chorar e lembrar as coisas boas.

Dia de finados pode e/ou deve ser qualquer dia, qualquer hora, qualquer lugar. O 2/11 tem gente demais, barulho demais, carros demais, até flores demais.

Os falecidos preferem visitas em dias mais sossegados, atitudes mais discretas. Sábios, não estão nem aí para cerimônias, pompas, formalidades, agendas lotadas-apressadas e outras coisas passageiras do tipo. Para eles, como disse Mario Quintana, o tempo é só um ponto de vista dos relógios e amar é mudar a alma de casa.

Eles têm a eternidade e o amor da gente. Sabem muito bem que amar é sentir que o outro não morrerá. Tinha sol e frio naquela manhã, movimento, passarinhos, brisa, operários trabalhando.

Fiquei pensando que tinha muita vida por lá. Quando caminhava calmamente em direção à saída, feliz e em paz com minhas lembranças e satisfeito com minhas modestas atitudes anônimas, pensei que me afastava de lá melhor do que tinha entrado.

Aí notei, a algumas dezenas de metros, a chegada de um caixão acompanhado de quatro ou cinco pessoas.

Um rapazinho de uns catorze ou quinze, debulhando-se em pranto convulso, não parava de gritar: "Não vai mãe! Não vai mãe!" A paz acabou ali. O menino era negro, de família muito pobre, pelo visto, e me veio à mente o antigo ditado africano: mãe é ouro, pai é vidro.

Em respeito ao rapaz e aos demais, me afastei e desviei. Nem a estátua do Teixeirinha e as flores frescas que sempre tem lá me acalmaram ou distraíram. Saí com andar trôpego. Minha mãe ainda está por aqui, com quase oitenta.

Sempre vai estar. Assim como o choro e as palavras do rapaz, tão ou mais comoventes que as expressões das almas torturadas dos personagens dos filmes de Ingmar Bergman, só que concretos e ao vivo, na sessão das nove da manhã cemiterial. (Jaime Cimenti)


Clássico sobre a própria vida

Zen e a arte da manutenção de motocicletas - Uma investigação sobre os valores, do norte-americano Robert M. Pirsig, formado em química, filosofia e jornalismo e que estudou filosofia oriental na Índia, desde que publicado pela primeira vez em 1974, tornou-se um clássico moderno sobre questões fundamentais da vida.

Depois de ter sido recusado por 122 editoras, foi acolhido por uma. O resto é uma das histórias de sucesso editorial mais impressionantes e importantes do século XX. Milhões de exemplares foram vendidos em vinte e três línguas.

A obra de ficção autobiográfica, de estrutura e enredo aparentemente simples, trata de uma viagem de moto realizada por um homem e seu filho durante as férias de verão, de ponta a ponta do país. No fim e ao cabo, a viagem transforma-se numa odisséia pessoal e filosófica jamais imaginada.

A partir do relacionamento entre o pai e seu filho, um profundo confronto interno se dá no narrador. O ofício e a arte de consertar motocicletas vai dando margem a um processo austero, mas belíssimo, pelo qual se reconciliam a ciência, a religião e o humanismo.

O autor, de início, revela que viajar de motocicleta proporciona uma forma diferente de ver as coisas. De carro, diz, você está sempre dentro de uma moldura, num compartimento, com visão limitada. De moto não há moldura, você entra em contato direto com tudo à sua volta.

Está dentro da paisagem, não apenas contemplando-a, completa. Em verdade, a obra contém três livros: o relato de uma viagem de moto, uma meditação sobre o conceito de qualidade e a história de um homem perseguido por seu eu anterior.


Essa nova edição foi atualizada e incorpora uma arguta introdução do autor e um guia de leitura que inclui, entre outras coisas, uma entrevista com Pirsig e cartas e documentos que detalham o processo que deu origem a este livro extraordinário.

Em entrevista, nas páginas finais da nova edição, o autor dá detalhes interessantíssimos sobre como nasceu o livro e como as idéias foram tomando corpo. Não é à toa que muitas reportagens escritas sobre Zen tinham títulos como "o livro de filosofia mais lido de todos os tempos".

Um clássico tão bem-sucedido, que tem por tema a própria vida, merece sem dúvida, tal tratamento. O julgamento do tempo e os eleitores, que são sempre os melhores juízes, revelam, e bem, a justiça da enorme aceitação do livro e por que esta epopéia moderna mudou a mentalidade de toda uma geração, ainda servindo de inspiração para milhões de pessoas.

Pirsig nos convida a pensar e a agir de forma diferente. Bem zen, mostra que muitas vezes as palavras são realmente de prata e o silêncio é de ouro. 442 páginas, tradução de Marcelo Brandão Cipolla, Martins Fontes, telefone 11-3241-3677.


27 de setembro de 2007
N° 15379 - Nilson Souza


O homem-foca

Há poesia no futebol. Sim, esse jogo de pontapés é também um repositório de metáforas nem sempre perceptíveis. Agora mesmo, quando toda a arte do nosso mais apaixonante esporte parecia ter migrado para a Europa, surge uma desafiadora novidade: o drible da foca, inventado pelo baixinho Kerlon, atacante do Cruzeiro de Minas.

Para quem não acompanha futebol, explico do que se trata. O jogador levanta a bola e a conduz com a cabeça, correndo na direção do gol adversário sem deixá-la cair.

Cria uma dificuldade inesperada para os marcadores, que não sabem o que fazer para quitá-la, sem precisar apelar para a ignorância como fez o lateral Coelho, no jogo que deu evidência à jogada.

Equilibrar a bola na cabeça não é a coisa mais difícil do mundo. Qualquer garoto de subúrbio faz isso. O que Kerlon fez de diferente foi conduzi-la ousadamente entre adversários, provocando espanto, aplausos e também indignação.

Acabou dividindo o mundo do futebol entre aqueles que consideram a jogada uma obra de arte (felizmente, a maioria) e aqueles que a consideram uma manifestação de menosprezo aos adversários menos habilidosos (uma minoria, mas truculenta).

Ora, o futebol é um jogo de enganos. Consiste, fundamentalmente, em iludir o oponente, em colocar a bola fora do seu alcance, em deixá-lo para trás, em fazer o que o outro tenta evitar. Por isso, a habilidade e a inteligência costumam levar vantagem sobre a força bruta.

Não é incomum que atletas de pouca estatura, pequenos e frágeis, consigam superar brutamontes. O que vale é a esperteza, a sadia esperteza de iludir o rival, como o prestidigitador ilude os sentidos dos espectadores de sua mágica.

Quando o truque é descoberto, perde a graça.

Lembram-se daquele Mister M, que se tornou mundialmente famoso por desvendar os segredos do ilusionismo? Ele era um legítimo estraga-prazer. Chegou mesmo a ser odiado pelos mágicos. São assim os marcadores que agem com violência contra os artistas da bola.

Mas não acho que eles devam ser odiados. Têm é que ser driblados. O melhor antídoto para a truculência é expô-la ao ridículo. Sempre é possível inventar um novo truque que o espertalhão vai quebrar a cabeça para desvendar.

Por isso também aplaudo o homem-foca, que acrescentou um lampejo de poesia ao nosso pobre futebol, tão desfalcado de craques e de criatividade.

Sei que tem gente que torce o nariz, mas estou convencido de que a vida só tem encanto quando alguém sai da rotina e provoca perplexidade, sorrisos ou até mesmo a indignação de quem prefere a mesmice das coisas.
´
Ainda que com chuva que a quinta-feira seja ótima para todos nós.


27 de setembro de 2007
N° 15379 - Luiz Pilla Vares


Profissão: perigo

A ditadura brasileira (e as de outras fronteiras) sempre esteve de marcação cerrada em cima dos jornalistas e, em muitos casos, não teve prurido em simplesmente matar: basta lembrar o caso célebre de Vladimir Herzog.

Mas a ditadura passou (e em outras fronteiras também), e os jornalistas estão teoricamente livres para escrever e investigar.

Mas apenas teoricamente, pois o capital também se sente livre para defender seus interesses (que são muitos). Entretanto, outro inimigo dos jornalistas entrou abruptamente em cena, com uma violência inaudita: os traficantes de drogas.

Custa crer que o barbarismo cometido contra Tim Lopes seja hoje apenas uma lembrança que o tempo vai apagando. Recentemente, Amaury Ribeiro Jr., do Correio Braziliense, sofreu atentado a bala.

Causa surpresa e indignação o fato de que a mídia não dê a devida atenção a esses casos de intimidação ou vingança. Estamos diante de um processo crescente de banalização do comércio de drogas e da ação dos traficantes que estendem seu poder paralelo, constituem suas próprias milícias e instituem sua "lei". Com isso, atingem diretamente o coração da sociedade e vão progressivamente corroendo o tecido social.

É claro que a mera repressão por parte das autoridades não é suficiente para deter a escalada. Inúmeras ofensivas já foram feitas, e o problema sempre reaparece e de forma cada vez mais ostensiva.

É chover no molhado repetir que há necessidade de medidas preventivas, que supõem ações integradas permanentes nos locais onde mais se desenvolveu e enraizou-se o tráfico.

Mas, acima de tudo, torna-se fundamental a indignação da sociedade, o que somente será possível se os órgãos da mídia nacional abrirem suas páginas, garantindo, ao mesmo tempo, proteção permanente para os seus profissionais envolvidos diretamente nas matérias investigativas sobre a corrosão que se verifica na sociedade a partir da extensão dos poderes dos traficantes,

numa rede com tendência a se amplificar. Imunizar parcelas cada vez mais vastas da sociedade com programas factíveis que transcendam as necessárias ações policiais.

Certamente, a questão educacional, através da arte como um lugar de convivência, do esporte e do lazer, é um elemento básico para desenhar um futuro, talvez utópico, para a infância e a juventude brasileiras. Mas não é hora de levantar a bandeira branca, e a profissão de jornalista ainda será sinônimo de perigo por bastante tempo.

Juremir Machado da Silva

INTER, CAMPEÃO BRASILEIRO DE 2005

Não custa insistir. Nem repetir. Nunca o Brasil esteve tão atolado na imoralidade. Chegamos ao topo da podridão ou ao fundo do poço. A corrupção ultrapassou o seu terreno natural, a política, e atingiu o universo sagrado do futebol.

O ex-presidente do Corinthians Alberto Dualib confessou que o título brasileiro de 2005 é de fato e de direito do Internacional. Afirmou que o clube gaúcho foi roubado. Todo mundo sabia disso. Faltava o recibo. Tenho certeza de que a direção colorada não vai se intimidar desta vez. É hora de entrar na Justiça Comum.

Estou convencido de que o presidente colorado não vai se acovardar nem amarelar. Ficar em silêncio significará ser conivente. Não é porque o Corinthians é o time do coração da Rede Globo e do presidente da República que tudo ficará por isso mesmo. É hora de uma nova Revolução Farroupilha.

Às armas, cidadãos colorados, formem os seus batalhões! Que sirvam nossas façanhas de modelo a toda a Terra. Se não der, que sirvam, ao menos, de modelo aos paulistas. Temos, mais uma vez, como fizemos em 1932, de enquadrá-los na marra.

A torcida colorada deve manifestar-se durante os jogos. Pacificamente. Mas com determinação. É tempo de mobilização total. Sugiro que o Inter entre em greve se nada acontecer.

Que abandone o atual campeonato. Nada de temer a Fifa, essa organização terrorista e ditatorial que se imagina acima do direito internacional e da Justiça. No Brasil, pode-se trocar de religião e de mulher, mas não de clube de futebol. Prova de que só o futebol é realmente importante.

Somos capazes de aceitar tudo, de políticos ladrões a administradores incompetentes, mas não podemos admitir que o sacrossanto universo do futebol seja maculado com arranjos extracampo.

Na Itália, a poderosa Juventus foi rebaixada quando se envolveu num escândalo de compra de resultados. Na França, o Olympique de Marselha foi parar na quarta divisão por motivo semelhante.

O Brasil não pode ficar atrás. Imaginem se fosse o contrário, se um presidente do Internacional confessasse um favorecimento ilícito ao seu clube, ainda mais contra o poderoso Corinthians, o que aconteceria?

Digam-me o que aconteceria! O que estariam dizendo os jornalistas bairristas e tendenciosos de São Paulo? A situação é muito grave.

Imaginem os discursos do chatonildo Galvão Bueno, a figura mais patética da mídia brasileira, em defesa do 'timão'! Imaginem as diatribes do corintiano Juca Kfouri pregando moral na televisão! Certamente, Lulla pediria a José Dirceu para tomar providências jamais vistas neste país.

Haveria uma campanha nacional contra os gaúchos. Seríamos destratados, ofendidos e humilhados. Tudo isso mostra o quanto o Rio Grande conta pouco no cenário nacional. Podem nos roubar sem medo de punições. Estão rindo da nossa cara. Apostam que tudo vai terminar em pizza.

Onde estão os nossos deputados e senadores, que não se manifestam? Já nos sacrificam em tudo. Por exemplo, na retenção do dinheiro previsto pela chamada Lei Kandir. Agora, não bastasse isso, garfeiam o Rio Grande do Sul no futebol.

Tudo tem limites. O Inter precisa fazer alguma coisa. Já que greve de sexo não se aplica ao caso, sugiro greve de gols. Não seria difícil. Temos experiência. Vamos à luta. Tenho certeza de que o Grêmio não deixaria assim.

juremir@correiodopovo.com.br


27 de setembro de 2007
N° 15379 - Paulo Sant'ana


Palavra de honra

Ontem foi a vez de os três senadores gaúchos responderem para esta coluna sobre a minha suposição de que dois deles votaram pela absolvição de Renan Calheiros.

Inicialmente me telefonou o senador Pedro Simon (PMDB), garantindo-me que desde a reforma da Previdência os três têm combinado os mesmos votos.

Simon deu-me sua palavra de que Paulo Paim (PT) e Sérgio Zambiasi (PTB) votaram pela cassação de Calheiros, estava junto deles em toda a sessão e sentiu epidermicamente a voltagem da vontade e intenção de ambos.

A seguir, o senador petista enviou-me uma mensagem de Brasília: "Prezado Paulo SantAna. Permita-me, contristado, discordar de sua coluna de hoje.

A imprensa gaúcha, inclusive Zero Hora, concedeu-me espaço para expressar a minha posição, onde tive a oportunidade de abrir o meu voto muito antes da sessão do dia 12 de setembro. Deixei claro para o Rio Grande saber que votaria pela perda de mandato do senador Renan. Posição que também foi registrada, com clareza, pelos veículos sediados em Brasília e no centro do país.

Na reunião da bancada de senadores petistas, fui o único que abriu o voto. A minha decisão de votar pela perda de mandato do presidente do Senado teve o apoio irrestrito do PT gaúcho.

Gostaria de lembrar que sou o autor da PEC 50/06 que acaba com o voto secreto no Congresso Nacional. Essa proposta já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, neste momento, está pronta para ser votada no plenário.

O fim do voto secreto vai dar transparência a esta casa e às ações dos parlamentares e, com total certeza, vai ser um importante instrumento da verdade para que fatos como o sugerido na sua coluna não se repitam mais. Um abraço, (ass.) senador Paulo Paim".

Finalmente, o e-mail do senador petebista: "Prezado Paulo SantAna. Sou daqueles leitores viciados na tua coluna e concordo com o Kadão: é difícil fazer crônica como o SantAna. Mas o importante mesmo é que o teu espaço, acima de tudo, prima pela democracia.

Ontem fomos surpreendidos por tuas intuições e deduções a respeito de nossos votos no processo contra Renan Calheiros, e no nosso caso só nos restam duas coisas: a nossa palavra, reproduzida por todos os veículos de comunicação do RS e o inestimável testemunho de nosso colega Pedro Simon, pois no momento de nosso voto pela cassação de Calheiros estávamos juntos.

Mesmo respeitando teus dons intuitivos, basta lembrar como votamos em 2003 na primeira PEC do voto aberto. Nós, os três senadores gaúchos, votamos sim, infelizmente fomos derrotados por muitos dos que hoje exigem, e têm nosso apoio, o fim imediato do voto secreto. Portanto, imagino que, por dedução de quem nos lê e por coerência de nossa parte, agora não poderia ser diferente.

O atual projeto do voto aberto foi apresentado em 2006 pelo senador Paulo Paim e o pedido de votação urgente do fim das sessões secretas foi de minha iniciativa ao recolher as assinaturas de todos os líderes partidários com assento no Senado.

Em relação à CPMF, mantenho o que disse à coluna da Rosane Oliveira. Defendo a destinação de um percentual para os programas de saúde da família, cujo custo mensal é de R$ 18 mil por equipe e para o qual o governo federal repassa apenas um terço do valor, e para os agentes comunitários de saúde, cujo custo mensal por equipe é de R$ 5 mil, enquanto o governo paga apenas R$ 2 mil.

Nos dois casos, a responsabilidade pelo custo final é das prefeituras.

Entendo que sua aprovação passa por um compromisso do governo de apressar a reforma tributária, o que necessariamente implicará o fim da CPMF. Um afetuoso abraço de seu admirador, (ass.) senador Sérgio Zambiasi".


27 de setembro de 2007
N° 15379 - Luis Fernando Verissimo

Em torno da fogueira

Escritores como Balzac e Dickens publicavam seus livros em capítulos na imprensa, no caso do Dickens em revistas que ele mesmo editava e que algumas vezes só continham o seu trabalho.

A popularidade de Dickens era imensa. Multidões impacientes iam ao porto de Nova York esperar os navios que chegavam da Inglaterra com novos exemplares dos seus folhetins, e só se pode imaginar a angústia que era depender de ventos e correntes marítimas para saber quem matara uma Thaís da época.

Como o Gilberto Braga, Dickens também recebia sugestões do público sobre o que fazer com seus personagens e como direcionar suas tramas. Ítalo Calvino escreveu que essa interação entre público e autor não vinha de uma confusão de ficção com realidade, mas da velha comunhão tribal em torno das primeiras fogueiras com os primeiros contadores de histórias, uma tradição que sobreviveria à substituição da narrativa oral pela escrita - e bem mais tarde a da fogueira comunitária pela televisão.

O próprio Dickens reforçava a analogia e, transformado em celebridade pelo sucesso e valendo-se da sua vocação de ator frustrado, lia suas histórias em público na Inglaterra e suas províncias e nos Estados Unidos, podendo sentir ao vivo a reação às suas criações e o poder encantatório da sua arte antiga.

E, sem dúvida, ouvir protestos e palpites sobre suas narrativas. Olha aí, Gilberto: uma idéia. Que você pode tomar como uma receita para a loucura.

Já disseram que aprende-se mais sobre a Europa, e principalmente Paris, do começo do século 19 na ficção de Balzac do que no trabalho de qualquer historiador ou sociólogo.

Balzac fez de Paris não apenas cenário, mas personagem dos seus livros, e lá estão, além da aristocracia e do povão com seus modos e diferenças, as pretensões, as manias, até as gírias da época.

Seria demais dizer das novelas de televisão sobre o Rio, que mesmo feitas por um especialista em Rio como Gilberto Braga são muitas vezes simplistas e improváveis, o que (de novo) Calvino disse de Balzac, que sua obra é uma espécie de topografia moral de Paris, que nela a cidade se transforma em linguagem e ideologia, mas não é improvável que no futuro se descubra a topografia moral do Rio desta época numa novela popular.

E certamente não faltará quem dirá que seus autores foram os Dickens e Balzacs do seu tempo.

No fim, admirável mesmo é este gosto nacional pela narrativa, esta reunião em torno de uma fogueira eletrônica para ouvir histórias que no Brasil se repetem mais do que em qualquer outro lugar do mundo. E no horário nobre!

quarta-feira, 26 de setembro de 2007


CLÓVIS ROSSI

A banalização do absurdo

SÃO PAULO - Acabou o trabalho escravo no Brasil. Era uma imensa chaga aberta -uma delas apenas. Trabalho escravo em pleno século 21 era também uma demonstração -uma delas apenas- do primitivismo do país tropical.

Agora, não há mais. Ou melhor, não há mais fiscalização, logo não haverá mais denúncias de trabalho escravo e, sem denúncias, só saberão que existe trabalho escravo suas vítimas diretas e os respectivos algozes. Ninguém mais.

É o mundo ideal para qualquer governante, já que todo governante odeia críticas e denúncias. A "mídia golpista" perde, assim, uma chance de atacar o governo.

Tivessem a Procuradoria Geral da República e o STF também suspendido seus trabalhos antes da denúncia do mensalão e de sua aceitação, não existiria o que a procuradoria chamou de "organização criminosa", rótulo aceito pelo STF.

Ironias à parte, o fato é que a suspensão da fiscalização sobre trabalho escravo é um aspecto -um deles apenas- da banalização do absurdo em que se transformou o Brasil.

A paralisação se deve, essencialmente, a uma ação de senadores contra a autuação de uma fazenda do Pará. Os pais da pátria, em vez de zelarem pelo devido cumprimento da lei, preferem punir quem de fato zela por ela. Se houve abuso dos fiscais, o certo seria puni-los, após a devida apuração.

Paralisar a fiscalização equivale a deixar de prender assassinos em flagrante só porque um policial, num dado dia, abusou na hora de prender alguém.

Mas, bem feitas as contas, quem se surpreende com o absurdo, ainda mais quando o absurdo é praticado por senadores? Afinal, o Senado caiu oficialmente na clandestinidade na hora em que líderes do governo e da oposição decidiram reunir-se, longe das vistas do presidente da Casa, para decidir o que ela deve fazer. Seria absurdo, não estivéssemos no Brasil.

crossi@uol.com.br


Ambientalista caminha entre milhares de tartarugas
marinhas na costa da Província de Guanacaste, na Costa Rica

Taxistas bloqueiam ruas de Paris para protestarem
contra projeto que lei que prevê o fim da isenção de impostos



Seu poder de transformação
Anônimo

Sou menino...
Sou homem...
Sou sonho...
Sou realidade...
Sou tristeza...
Sou alegria...
Sou...
Em uma fração de segundo
Tudo que existe no mundo
Sou tímido,
extrapolado,
delicado,
atrevido,
faminto,
inquieto,
calmo,
doce,
guerreiro...
Sou...
quem, realmente, sou!
igual a tantos outros,
nem perfeito,
nem imperfeito,
modelado com maestria,
quando por suas mãos
sou tocado,
beijado,
desejado

Nesse instante,
me transformo
não faço mais comparações
Sua paixão,
seu amor,
seus carinhos,
me fazem ser diferente
e eu respondo
sem pensar...
Sou mais,
sou tudo,
largo os escudos,
pulo muros,
consigo te alcançar
no seu delicioso e sincero,
jeitinho de me amar.


26 de setembro de 2007
N° 15378 - Martha Medeiros


A coreografia do amor

Quando eu escrevo sobre uma peça de teatro, um filme ou um livro, não é uma crítica de uma profissional.

É a opinião de uma amadora que usa o mesmo equipamento que a maioria das pessoas: o achômetro. Tem mais: quase nunca me atenho exatamente ao que vi, mas ao pensamento que me foi despertado a partir do que vi.

Por exemplo, fui longe enquanto assistia ao espetáculo de dança do grupo japonês Sankai Juku, que se apresentou recentemente no Teatro do Sesi, como parte da programação do Em Cena.

Meu achômetro registrou uma iluminação deslumbrante, uma apresentação onírica, um esplendor diante dos olhos. Um espetáculo delicado, minucioso, sofisticado, universal, surpreendente e que, com o passar do tempo, vai ficando tedioso.

Quando já se está na fase dos bocejos e das cabeceadas, chega o final. Acaba. Então a platéia aplaude ruidosamente e o agradecimento do grupo faz o espetáculo ganhar uma sobrevida. Eles agradecem com uma espécie de coreografia do adeus, um momento mágico, tocante.

Cerram-se as cortinas e ficamos com a consciência de que o que se viveu naquele espaço de tempo dentro do teatro foi algo realmente importante e único, mesmo que em alguns momentos do "durante" tenhamos olhado impacientemente para o relógio.

Agora mate a charada: a que isso se compara? Exatamente: a uma relação de amor.

O amor começa sob o impacto da paixão. Parece que você está sonhando. Nada pode ser mais elevado, mais perfeito.

Você não sabe exatamente o que vai acontecer, e fica atento a todos os movimentos, procurando sentido no mistério, encantado com o que está vivendo e confiante no que está por vir.

E o tempo passa. E o que era novo e surpreendente cai numa espécie de rotina, de repetição. Nada está ruim, mas já não mantemos atenção plena - sem desmerecer o que se está vivendo, passamos a olhar para os lados, a procurar uma melhor posição na cadeira, em algum lugar o corpo começa a coçar.

Então vem o primeiro bocejo. E o segundo. Você não sabe mais ao certo se está gostando, só sabe que tem que continuar ali.

Discretamente, espia que horas são. Não sabe quando vai acabar, mas já pensa no fim. Deseja esse fim, aliás. Secretamente. Com uma culpa dos infernos. Devia estar mais feliz.

Até que a relação termina, porque tudo termina. Você se alivia com a idéia, mas não sai correndo. Fica para uma conversa com seu futuro ex. Analisa com ternura o que viveu. Descobre que o passado foi belo. Que você teve uma oportunidade que poucos têm: o de chegar bem perto do sublime.

Emociona-se, então, pela última vez, com uma intensidade nova.

E vai embora. O coreógrafo e principal bailarino do grupo Sankai Juku, o senhor Ushio Amagatsu, que tem uma espiritualidade e uma alma muito mais refinada que a minha, me enfiaria uma espada pontiaguda no meio do peito se soubesse desses meus devaneios mundanos. Mas que aborrecida seria a vida sem a liberdade de interpretação.

Uma ótima quarta-feira, dia Internacional do Sofá. Aproveite o sol porque a noite a promessa já será de chuva por aqui.