sábado, 23 de abril de 2022


23 DE ABRIL DE 2022
CLAUDIA TAJES

Para trás é que se anda

De uns tempos para cá, minha máquina do tempo só me leva para trás. Não sei que tipo de defeito ela tem, se queimou a válvula ou deu algum crepe no transístor. Quando vejo, estou no meio dos períodos mais trevosos da nossa história, a recente e a que parecia perdida nos séculos e séculos, amém.

Agora mesmo ela levou a um revival da peste negra, um triste passeio pelos idos de mil trezentos e alguma coisa. Com o decreto que acaba de estabelecer que a pandemia não é mais uma emergência em nosso país, pode até parecer que a viagem chegou ao fim. Não é bem assim, como diz, sempre com total propriedade, o professor e epidemiologista Pedro Hallal: a pandemia do coronavírus só estará contida quando fizer, por dia, o mesmo número de vítimas de outras doenças infecciosas que hoje estão sob controle, 10, 15, 20, vá lá. Enquanto morrerem cem pessoas de covid-19 por dia no Brasil, a pandemia continuará exigindo todos os cuidados. Independentemente dos decretos.

E a viagem seguiu para trás.

Quando vi, me sentia em 1500. O que dizer das balsas gigantescas que hoje invadem a Amazônia, levando o garimpo ilegal para dentro das reservas indígenas? Nada que não tenha acontecido desde a chegada dos portugueses, e sacrificando sempre o mesmo povo, agora com a vista grossa dos órgãos de - suposta - defesa ambiental.

Nenhuma volta no tempo ficaria completa sem uma nova versão da Guerra Fria. Enquanto as atrocidades se sucedem na Ucrânia, Estados Unidos e Rússia mais uma vez se enfrentam para mostrar quem tem o pinto maior, quer dizer, o maior poderio. As consequências, bem, são as consequências. Não se faz omelete sem quebrar o mundo.

Tudo isso sem falar nas tristes lembranças do AI-5. Cada vez que algum integrante da família do barulho elogia um torturador, desfia os horrores da ditadura e traz de volta uma das partes mais lamentáveis do nosso passado. Os áudios dos juízes do Superior Tribunal Militar surgem em boa hora para quem ainda insiste em negar o que houve.

Quando parecia que a viagem para trás tinha chegado ao fim, fui ao supermercado. Olha ela de volta, a inflação. De um dia para o outro, diferenças nos preços e até um sutil desabastecimento dos produtos mais baratos. Fui embora correndo, temendo que um fiscal do Sarney encarnasse em mim.

Já em casa, dando uma catada nas redes, vi as fotos dos candidatos às próximas eleições, os mesmos homens velhos e brancos de sempre, sem representatividade alguma, e achei que estava nos anos 40.

É passado sem glórias demais para mim. Amanhã chamo um técnico para consertar a minha máquina do tempo.

CLAUDIA TAJES

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