sexta-feira, 29 de abril de 2022


Cartas inéditas de prisioneiros de Auschwitz

Eu te escrevo de Auschwitz - As cartas inéditas dos prisioneiros do campo de concentração (Editora Planeta, 224 páginas, R$ 52,90), de Karen Taieb, chefe do departamento de arquivos do Memorial da Shoá, o Museu do Holocausto em Paris, traz cartas inéditas escritas por prisioneiros do famoso campo de concentração. São missivas enviadas por judeus franceses deportados às suas famílias e outras correspondências clandestinas que descrevem o terror vivido no campo de concentração.
Quase cinco mil judeus escreveram, sob coação de oficiais nazistas, entre os anos 1942-1944 e tudo fazia parte de uma operação de propaganda (a chamada Brief-Aktion) que visava tranquilizar os familiares dos deportados e, assim, esconder o horror a que eram submetidos.
Expressões vagas como "Está tudo bem comigo" e "Estou com saúde" estão na maioria das mensagens e elucidam ainda mais a perversidade da máquina de morte nazista. Os deportados escreviam que estavam bem no exato momento em que eram encurralados. As cartas lançavam uma breve luz sobre essas vidas, e, então, se fazia a escuridão.
Os relatos apresentam detalhes do inferno cotidiano ao qual estavam submetidos os prisioneiros.
Além de trazer à tona esse acervo pouquíssimo conhecido, Karen também nos apresenta outras correspondências e, assim, além de revelar uma parte desconhecida da história do Holocausto, ao mesmo tempo presta uma homenagem à memória das vítimas. Outro efeito do livro é colocar à vista de todos os crimes cometidos pelo regime nazista contra a humanidade.
Responsável pelos arquivos que estão no Memorial do Shoá no histórico bairro do Marais, em Paris, Karen desde 1993 realiza um intenso trabalho de pesquisa e registro da história do extermínio dos judeus na Europa. A verdade nua e crua, e muito cruel, é que as "boas notícias" dos deportados anunciavam que logo não haveria mais notícia alguma. A prova de vida escondia o terrível segredo da morte próxima.

Lançamentos

  • Bambini (V.S. Zattera, 240 páginas, R$ 50,00), de Vera Stedile Zattera, professora, pesquisadora e especialista em indumentária, detalha a história das colonizações italiana e gaúcha nas décadas de 1920 a 1980, com centenas de fotos , ilustrações e imagens icônicas de crianças do século XX.
  • A Sombra da Passarela (Helvetia Editions, 145 páginas) é a quinta obra do advogado e escritor Cassiano Gilberto Santos Cabral e trata de dois crimes em cenários de Porto Alegre. A ação se passa também na Itália e em Portugal. Pratos típicos e outros dados culturais estão presentes na obra.
  • Na Estrada com o Ex (Editora Intrínseca, 416 páginas, R$ 54,90), de Beth O'Leary, autora de Teto Para Dois, traz um carro, cinco pessoas, muitas histórias e um encontro inesperado entre dois antigos namorados. Não bem um encontro, uma colisão, digamos - e seiscentos quilômetros de estrada pela frente...

A Pior Pessoa do Mundo

A Pior Pessoa do Mundo, o longa norueguês indicado ao Oscar 2022 que está em cartaz agora no Brasil, meio atrasado, dirigido pelo experiente e consagrado Joachim Trier e estrelado pela premiada Renate Reinsve, merece ser visto e dá muito o que pensar. O filme retrata quatro anos da millennial que está fazendo trinta anos e que, depois de cursar medicina e psicologia e se dedicar à fotografia, ainda perdida entre muitas pessoas e opções, vai trabalhar numa livraria e se relacionar com um artista maduro de 45 anos. Isso até conhecer um jovem bonito que vai mudar o rumo de suas indefinições.
O filme deixa mais perguntas do que afirmações e mostra como a adolescência atualmente vai muito além dos 24 anos que a ONU estabelece como limite da fase em que a gurizada entra no mundo adulto. Alguns acham que a adolescência, com suas indecisões, múltiplas escolhas e confusões, vai até lá pelos cinquenta.
A Pior Pessoa do Mundo tem trabalhos de ator excelentes, enquadramentos perfeitos e sedutores e, em alguns momentos, dá para dizer que parece, no bom sentido, um Woody Allen nórdico. Nunca foi fácil o autoconhecimento, o entendimento do amor e do sentido da vida e nesse mundo que vivemos, mais do que antes, ficamos aí, entre milhões de opções que nos tonteiam, procurando o melhor a fazer, buscando esperança e procurando viver da melhor forma conosco e com os outros. Não está fácil, mas as filas andam, as vidas seguem e as lutas internas e externas continuam.
Igual a milhões de pessoas por aí, a protagonista sabe que fere seres próximos com seus sentimentos e suas ações, mas percebe que é preciso tentar entender o que se passa e, quem sabe, consertar alguma dor que ficou para trás, colocar um remendo em maus tratos acontecidos. O que encanta, instiga e impressiona na personagem principal são as mudanças de humor e de atitude e as complexidades não só dos millennials (nascidos aproximadamente entre 1980/2000) mas da maioria de humanos que andam por aí, imersos nessa sociedade líquida, conectados e desconectados, sozinhos e acompanhados por milhões, vivendo comédias e dramas num cotidiano rápido e com referências que por vezes duram o mesmo tempo que os fogos de artifício.
A transição da adolescência para o mundo adulto sempre foi complicada e um romance imortal como O Apanhador no Campo de Centeio, entre outras obras de arte importantes, nos mostra como os dilemas de juventude seguem universais e com muito mais perguntas filosóficas do que respostas.
A Pior Pessoa do Mundo fala do que é ser mulher na atualidade, lembranças das mães e avós, maternidade, caminhos a seguir e mostra, em um prefácio, doze capítulos e um prólogo, até mesmo uma viagem provocada pelo ingestão de cogumelos alucinógenos. Cenas engraçadas, cenas românticas e cenas trágicas mostram uma obra que desafia rótulos e definições. O filme é um work in progress, uma obra que segue em andamento depois do final e que provavelmente vai motivar outros trabalhos do aclamado cineasta e dos competentes atores.

A propósito...

Ao fim e ao cabo, o filme nos faz pensar que , atualmente, melhor do que julgar, criticar, entender ou explicar os outros, talvez seja melhor gostar deles, aceitá-los e tentar, ao menos, conviver do modo mais amoroso e pacífico possível. Em tempos de polarizações terríveis e deletérias, a ideia democrática e plural de convívio simpático, claro, vem bem. Brigar dá muito trabalho. Dois trabalhos, pelo menos. Brigar e depois ter de fazer as pazes. Ou brigar e ter o trabalho de conviver com os esqueletos no armário e os pensamentos ruins. A Pior Pessoa do Mundo mostra que devemos ser como as pilhas, ter, ao menos, um lado positivo. Aí quem sabe a gente tem mais energia e durabilidade. Enfim, um bom filme sobre relações e sonhos contemporâneos, longe de falsos moralismos, discursos "politicamente corretos" e outros patrulhamentos chatos.

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