31 de maio de 2016 | N° 18539
CARPINEJAR
Barbárie
Ela pode ter sido prostituta, ela pode ter sido usuária de drogas, ela pode ter se relacionado com quantos homens quisesse ao mesmo tempo, ela pode ter feito apologia de armas em sua página pessoal, pode ter dançado funk até cansar, pode ter saído de minissaia e sem sutiã, pode ter se encontrado de madrugada, pode ter fantasias eróticas de violência, pode ter se calado de vergonha, nada justifica o estupro, nada justifica ter sido contrariada, ter sido coagida, ter sido barbarizada, ter sido filmada agonizando.
Ela não consentiu com a transa, muito menos com a transa coletiva, muito menos com a gravação absolutamente debochada e sarcástica no momento em que sofria. Ela foi violentada em todos os seus direitos por uma gangue de boçais.
Se alguém usar um desses argumentos para relativizar o ocorrido, deve pôr a mão na consciência para ver apenas que não tem mais consciência. Está sendo álibi da misoginia no país.
A mulher não é culpada por ser mulher, não tem que se esconder ou disfarçar que é mulher, não tem que se preservar e ser recatada para não chamar atenção.
Se um heterossexual tivesse sido estuprado por 33 sujeitos armados, ninguém duvidaria de seu sofrimento. Ninguém colocaria em dúvida o seu depoimento. Ninguém insinuaria que ele facilitou o desenlace. Ninguém descontaria a sua dor pelas suas experiências anteriores. Só aconteceria o mesmo preconceito se fosse gay ou travesti – as minorias são sempre subestimadas.
O passado foi uma escolha dela, o presente é também a sua escolha e ela não quis sexo, ela foi dopada, manipulada, sequestrada e forçada por dezenas de homens covardes e brutais, pretendendo conseguir o prazer à força. Não tinha como se defender, como pedir ajuda, como escapar. Era uma menor indefesa naquele instante.
Os seus antecedentes não diminuem o crime. Os seus gostos culturais não atenuam a monstruosidade. A barbárie é digna de guerra civil, de uma sociedade sem rapidez de polícia e de Justiça, com os presídios lotados, em subcondições.
Jamais a vítima será culpada. Ela tem o poder de definir quando deseja se despedir ou quando pretende ficar. Não é não, não não é charme, não é que ela esteja se fazendo de difícil, não é que ela esteja seduzindo e ganhando tempo. Não é não. Ir para um lugar perigoso não significa assumir riscos. Vamos parar de hipocrisia.
Machismo é explicar o que não tem explicação. O estupro coletivo é inexplicável. O inexplicável merece condenação sumária.