02 de dezembro de 2015 | N° 18373
DAVID COIMBRA
Firmeza e flexibilidade
A ação político-administrativa mais inteligente da história do Brasil, a mais eficaz, mais sofisticada e, ao mesmo tempo, a mais simples, a que mais levou em consideração as peculiaridades do povo brasileiro, aquela que merecia estátuas em todas as capitais e estudos em todas as escolas e louvores em todas as missas, sem dúvida, foi a URV.
Unidade Real de Valor.
A mãe amantíssima do Plano Real, esse rapagão que hoje anda meio desgrenhado e perplexo pelo Brasil.
Já li muitas besteiras escritas por doutores sobre a URV, sobretudo doutores vinculados ao PT. Na época, o PT foi praticamente o único partido que se opôs à URV e ao Plano Real. Havia um pacto político em torno de Itamar Franco, uma ideia de união para que o governo desse certo.
Deu certo.
A URV e o Plano Real salvaram o Brasil e inclusive permitiram a ascensão de Lula e a boa fase econômica que o país atravessou em parte da primeira década do século 21.
Sei o quanto a URV foi boa, e não por teoria. Eu estava lá, eu vi e vivi, eu ganhava meu salário e sofria com a inflação, que não era essa assustadora de hoje em dia, que se aproxima dos 10% em 2015. Era de 5.000% ao ano.
Cinco mil por cento, sabe o que é isso? Eu sei.
A URV foi perfeita por ter sido maleável sem deixar de ser firme. É a melhor forma de se lidar com o povo brasileiro. Porque o brasileiro é avesso à mudança brusca e à ordem gritada. Todos os seres humanos são, é verdade. Todos cumprimos a lei da inércia: se estamos parados, queremos permanecer parados; se estamos em movimento, queremos permanecer em movimento constante e em linha reta.
No entanto, seres humanos acostumados a sociedades legalistas concordam em cumprir outras leis, as dos homens, e aceitam grandes transformações com mais resignação.
Nós, brasileiros, reagimos pessimamente a novidades impostas pelo Estado. Nossa tendência é reclamar, dizer que vamos fazer e não fazer, ou, simplesmente, se rebelar.
Há quem diga que o brasileiro não reclama de nada. Não é verdade. O brasileiro reclama de tudo. Até do que lhe pode fazer bem. A Revolta da Vacina, 111 anos atrás, foi o caso mais espetacular que demonstrou essa realidade. Foi uma insurreição tão popular e autêntica quanto obscurantista, apoiada até por intelectuais incensados, como Rui Barbosa. Terminou com dezenas de mortos, cento e tantos feridos e quase mil presos.
Por quê? Porque foi uma imposição.
Nos anos 90, a secretária de Educação do Rio Grande, Neuza Collares, mulher do governador, tentou impor o calendário rotativo nas escolas públicas. Era uma boa ideia para resolver o problema da falta de vagas nos colégios, mas a reação da comunidade à mudança brusca foi tão violenta, que quase derrubou o governo.
Agora, em São Paulo, o governo tenta implantar nas escolas uma regra que parece lógica: onde estudam os pequenos, só os pequenos; onde estudam os grandes, só os grandes. É o que acontece aqui, nos Estados Unidos. E é muito bom. Não é saudável misturar crianças de seis, sete anos de idade com adolescentes de 15, 16 anos. É até perigoso.
O governador de São Paulo, porém, foi insensível e muito pouco inteligente. Mal avisou que faria, fez. Não deu tempo de adaptação às famílias, não entendeu o que é o transtorno da transformação, e agora está enfrentando o drama de ver sua autoridade fraturada por seu autoritarismo. Erro grave. O bom administrador não tem de conhecer apenas o que administra. Tem de conhecer quem ele administra.
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