terça-feira, 23 de março de 2010



23 de março de 2010 | N° 16283
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Um bar em Berlim

Uma noite entrei em um bar em Berlim e pedi um whisky on the rocks. Fui prontamente servido em coquetel com perguntas tipo: de que parte dos Estados Unidos eu era? Em que batalhão estava servindo (naquela época a cidade ainda estava dividida entre quatro potências)? Era verdade que os americanos não gostavam dos alemães?

Como ficava muito difícil ficar explicando que eu não era de parte alguma dos Estados Unidos, que não pertencia a nenhum batalhão, que não fazia a mínima ideia do que algum Frank, de Omaha, pudesse pensar de um Hans, de Bremen, assumi um ar circunspecto e me dediquei a saborear o meu uísque.

Não foi, em absoluto, um episódio isolado. Em Kreuzberg, que era onde eu morava, fui várias vezes confundido com um yankee, apesar de meu layout francamente latino.

Uma tarde, na grande estação central de Hamburgo, fui indagado, por uma senhora de avançada idade que degustava um café, se eu não era por acaso espanhol.

Expliquei imediatamente que não, que tanto quanto eu sabia eu era genuinamente cachoeirense. Ela disse: engraçado. Tenho um primo que é a sua cara. Agradeci muito pela deferência e me lembrei imediatamente de Fort Erie, Canadá, onde uma loira nativa me tomou por belga.

Desculpei-me na hora: eu não era sequer europeu e o único belga que conhecia se resumia a um canário que em casa me dava a honra de sua companhia.

Conto todos esses incidentes absolutamente inusitados para mostrar que as aparências enganam. Conto também para lembrar o quanto podemos ser frágeis em nossos julgamentos.

Isso tem a ver com as pessoas com que cruzamos na rua a cada dia.

Um rosto fechado pode significar uma amostra de antipatia. Mas pode espelhar do mesmo modo uma tímida inconformidade calada.

Um cumprimento não respondido pode representar um sinal de desatenção, mas pode da mesma forma traduzir uma simples e banal distração.

Pois assim é a convivência diária, em nosso comum território de desencontros. Uma voz que clama e outra que não responde.

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