domingo, 12 de abril de 2009


GERALDO LYRIO ROCHA

Páscoa, um grito a favor da vida

Diante de tantas formas de preconceito, violência e exclusão social, o cristão não pode se acovardar na acomodação e na apatia

DESDE AS suas mais remotas origens, a festa da Páscoa é um grito a favor da vida, um compromisso de busca da libertação.

Os antigos pastores do Oriente, na lua cheia da primavera, ao imolar um cordeiro em honra da divindade, acreditavam que o sangue daquela vítima retornaria nas novas crias do rebanho, de modo a garantir o sustento de seus humildes clãs.

Os agricultores, da mesma forma, também agradeciam o dom da vida, simbolizado na fartura da colheita. O ritual dos pães ázimos era um gesto de reconhecimento ao altíssimo, que não deixa faltar o alimento indispensável para a sobrevivência.

Israel, o povo da aliança, assumiu esses antigos ritos, relendo-os à luz de sua própria história de opressão e libertação. Escravizados pelo faraó, os hebreus lutaram para conquistar a liberdade e acolheram a possibilidade de uma nova vida como sinal do amor especial daquele Deus que lutou ao lado do seu povo oprimido contra as forças dos opressores. Israel aprendeu a celebrar a Páscoa como memorial da ação libertadora do senhor em sua história.

Assim, o cordeiro imolado, os pães ázimos, as ervas amargas e o vinho tornam-se símbolos sagrados numa refeição ritual que celebra a luta pela liberdade e o compromisso de promover a vida.

Os cristãos, herdeiros da tradição judaica, compreenderam a paixão, a morte e a ressurreição de Jesus como o cumprimento definitivo de todos os sinais prefigurativos de vida e de libertação presentes na ceia pascal dos hebreus. Cristo é o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Morrendo, destruiu a morte; ressuscitando, trouxe-nos vida em plenitude.

Na celebração anual da Páscoa, ressoam as palavras do apóstolo Paulo: "Cristo, nossa Páscoa, foi imolado. Celebremos, pois, a festa!". Esse convite do apóstolo motiva os cristãos a vivenciar o acontecimento fundamental de nossa experiência de fé. A solenidade da ressurreição de Cristo celebra a grande maravilha que Deus pai realizou em seu filho Jesus, libertando-o das barreiras da morte e concedendo-lhe a vitória pascal e a vida em plenitude.

Na entrega generosa de si mesmo na cruz, Jesus pronunciara o seu "sim" generoso e total ao projeto de Deus para o ser humano. A ressurreição, por sua vez, é o "sim" de Deus pai à missão realizada por Jesus, reconhecendo o valor do seu sacrifício e aceitando a sua doação como resgate em favor da humanidade pecadora.

Ao ressuscitar Jesus, o pai, agindo na força do Espírito Santo, realiza sua intervenção decisiva na história. O senhor da vida vence todas as forças que matam, violentam, escravizam e alienam a humanidade. A certeza da ressurreição de Cristo não é uma evidência que se impõe, mas é dom de Deus e descoberta do ser humano na experiência da fé que amadurece na busca pessoal e na vivência em comunidade.

A luz do senhor ressuscitado gera uma mudança radical no coração humano e abre novos horizontes na compreensão da realidade em que estamos inseridos. A ressurreição é proposta de superação das tristezas, angústias, medos e crises. Nossas energias espirituais se revigoram nas fontes regeneradoras do mistério pascal.

Jesus ressuscitado nos oferece, como presente valioso, o dom da paz, que, longe de instalar-nos em estéril comodismo, torna-nos comprometidos com a construção de uma sociedade justa, fraterna e solidária, pois "a paz é fruto da justiça" (Is. 32,17), como refletimos na Campanha da Fraternidade deste ano.

A Páscoa é a marca registrada e o selo de autenticidade do cristianismo. Não podemos deixá-la cair no vazio ou celebrá-la de maneira meramente formal. Somos convidados a atualizar o sentido dessa festa, retomando o compromisso com o valor sagrado da existência humana e nos empenhando em melhorar a qualidade de vida de nosso povo.

Diante de tantas formas de preconceito, violência e exclusão social, da degradação moral e dos atentados à vida, o cristão não pode se acovardar na acomodação e na apatia. Ao contrário, deve assumir seu compromisso profético e transformador, acreditando que a mudança é possível, pois o Cristo ressuscitado faz novas todas as coisas.

Em meio a uma sociedade marcada por incontáveis sinais de opressão e de morte, que a fé na vitória pascal de Jesus reacenda a chama do amor e leve os cristãos a anunciar e testemunhar o evangelho da vida em gestos concretos de solidariedade, de promoção da justiça e de compromisso com a paz.

DOM GERALDO LYRIO ROCHA, mestre em filosofia pela Pontifícia Universidade Santo Tomás de Aquino, em Roma (Itália), é arcebispo de Mariana (MG) e presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

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