sábado, 11 de abril de 2009



11 de abril de 2009
N° 15935 - CLÁUDIA LAITANO


O que quer o homem?

Uma frase escrita por Freud em uma carta à psicanalista francesa Marie Bonaparte foi incansavelmente citada no século passado: “A grande indagação que ficou sem resposta, à qual eu mesmo não soube responder, apesar de meus trinta anos de estudo da alma feminina, é a seguinte: o que quer a mulher?”.

A invenção da mulher que trabalha fora e dentro de casa, escolhe e rejeita parceiros, tem filhos, mas passa apenas parte do tempo com eles, viria a acontecer algumas décadas depois da morte do pai da psicanálise. Mas se ele ainda estivesse vivo, talvez lhe ocorresse perguntar também o que quer o homem nos dias de hoje.

Na ficção, e também em ensaios, a pergunta tem se tornado cada vez mais frequente.

Em sua estreia como autor de teatro, com a peça O Homem da Tarja Preta, em cartaz em São Paulo, o psicanalista Contardo Calligaris coloca em cena algumas das angústias desse sujeito que já não sabe mais o que as mulheres, e os outros homens, esperam dele:

“O que ocorre hoje é que os grandes estereótipos em torno dos quais a masculinidade se estruturou, como o papel de provedor, entraram em crise. Por que características o homem contemporâneo se reconhece? A feminilidade se reconhece por dar à luz. Já a posição do homem é mais trágica e perigosa.

Talvez matar seja sua particularidade, aquilo de que se vale para ser levado a sério”, comenta Contardo em uma entrevista a respeito do espetáculo, lembrando os atiradores, invariavelmente do sexo masculino, que cometem chacinas em escolas e universidades e os maridos/namorados que executam as mulheres que os rejeitam.

Evidentemente, nem todas as crises de identidade masculinas terminam em violência (embora seja plausível supor que atrás de cada homem violento existe alguma espécie de crise de masculinidade em curso).

Para nós, mulheres, é sempre um pouco espantosa a necessidade que alguns homens têm de reafirmar seu gênero nas coisas mais tolas – que podem ir da tolerância ao frio ao tipo de alimentação preferido. O fato é que qualquer bobagem pode ser associada com “coisa de macho” ou “não-macho”, até mesmo trabalhar gripado, como sugeriu o presidente Lula dia desses. Mas ser ou não ser homem já não é a única questão. O problema hoje em dia é saber “como” ser homem.

Em cartaz em Porto Alegre, o filme Gran Torino, de e com Clint Eastwood, revela nas entrelinhas o estranhamento do homem à moda antiga com os novos modelos masculinos.

Com o ator que foi um dos símbolos de virilidade do século passado no papel principal, Gran Torino mostra a perplexidade de um sujeito durão, já próximo da morte, diante de um mundo que ele não entende e do qual não se sente mais parte.

Distante dos filhos (o pai que brinca e conversa com as crianças é uma invenção relativamente recente), o personagem de Clint Eastwood acaba se aproximando de um jovem vizinho que ele decide ensinar a “ser homem” – conforme o modelo que ele aprendeu: a paixão pelos carros, a habilidade para usar ferramentas, a iniciativa com as mulheres, o jeito para falar grosso com os inimigos e os amigos também.

O menino, de origem oriental, gosta mesmo é de lidar com plantas, atividade considerada indigna de um homem na sua cultura. No filme, o contraponto ao jovem jardineiro é uma gangue de garotos violentos que barbariza a vizinhança. Clint não entende nenhuma das duas opções – ser homem, na sua época, era outra coisa.

E hoje é o quê? Os meninos de agora têm a chance de escolher: inventar a sua identidade conforme as múltiplas possibilidades que sua época oferece ou naufragar nas variadas formas em que a angústia e o deslocamento se manifestam – inclusive, infelizmente, na violência.

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