sábado, 7 de junho de 2008



08 de junho de 2008
N° 15626 - Paulo Sant'ana


Inconstitucional

Eu sei que a Justiça tende a aceitar como prova uma gravação que uma pessoa faz da conversa que teve com outra.

Mas não podia aceitar. Porque nesse caso é transgredido um princípio da Constituição que afirma ser "inviolável a intimidade das pessoas".

Se todas as pessoas fossem gravadas enquanto falam, durante todos os dias e todas as horas, a vida sobre a face da Terra ficaria insuportável.

Por que fere a inviolabilidade da intimidade gravar-se uma pessoa com quem se fala ou que nos confia um segredo e o revelamos a outrem?

Porque a intimidade se resume, de acordo com sua significação etimológica e semântica, por uma "ligação de afeição e confiança".

Porque a intimidade se "passa no interior da família ou entre pessoas muito chegadas entre si".

Sendo assim, aceitar-se denúncia por gravação de alguém que conversou conosco intimamente ou aceitar-se denúncia de quem obteve a informação pela relação de confiança que tinha com o denunciante, a quem tinha afeição, somente em caso de legítima defesa, para impedir delito ou transgressão contra si. Em caso contrário, fere a Constituição, que declara inviolável a intimidade dos cidadãos.

Se todos tivessem que ter o cuidado com as confidências que fazem a outros, a vida se transformaria em um inferno.

Marido e mulher não poderiam confessar um ao outro as suas fraquezas. Tudo que um pai ou uma mãe, mesmo um filho dentro de casa, dissessem ou confidenciassem, amanhã ou depois, quando houvesse um rompimento entre eles, denunciariam uns aos outros.

Dois amigos que se interpenetrassem profundamente na amizade, estariam correndo o risco de serem denunciados um pelo outro se se separassem.

Ou seja, a intimidade compreende também o direito das pessoas de falar em voz alta. Se as pessoas tiverem medo de falar em voz alta, a vida no meio social se tornaria inviável.

Imaginem várias pessoas dentro de um fumódromo, desabafando, levando a sinceridade no bate-papo às últimas conseqüências, como poderiam ser livres na conversação se soubessem que todos ali dentro portavam individualmente um gravador, cujas gravações poderiam ser mostradas a outras pessoas que não estavam ali e não eram da confiança de quem falou.

Em qualquer ambiente, o que se diz em confiança não pode ser transmitido a outrem. Essa é a diferença entre o que se diz em conversa e o que se assina em documento.

Volto ao segredo. Ele é de propriedade inconteste de seu detentor. E só este tem o direito de transmiti-lo a alguém. Evidentemente a alguém em quem confia. Se quem ouviu um segredo sair por aí a divulgá-lo, viola a intimidade do confidente, trai o confidente.

Em suma, não pode sair do trato íntimo, a não ser com autorização de todos os que estão rodeados pelo círculo de confiança, amizade, coleguismo ou parentesco, tudo que se disse lá dentro do âmbito da confiança.

Por isso é que a Constituição declara ser inviolável a intimidade. E se tem tal respeito pela intimidade a Constituição, como é que a Justiça, consta, aceita gravação de conversa entre duas pessoas como prova contra uma delas?

Sei que aceita, respeito que o aceite, mas não concordo.

O que digo para um filho, para minha mulher, para meu colega, para meu amigo, não pode, levado por qualquer um deles como prova contra mim, ser acolhido.

Simplesmente pela razão de que foi a confiança que eu tinha no meu interlocutor, logo a minha intimidade, que me fez dizê-lo.

E não se pode fazer valer a liberdade de intimidade como prova contra qualquer pessoa.

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