segunda-feira, 12 de maio de 2008



SAMPA

Fiquei três dias em São Paulo participando de uma banca num concurso para professor na USP. Fui ao teatro no Centro Cultural São Paulo ver uma peça, 'Ensaio de Mulheres', interpretada por sete homens.

Percebi que a cidade superou alguns dos assuntos mais comentados na época em que morei lá. Por exemplo, quase não se fala mais do tempo. Isso é uma raridade. O tempo é um assunto universal, especialmente com motoristas de táxi.

Alguns teóricos da comunicação já estudaram a importância do tempo nas conversas cotidianas e chegaram a dar um nome erudito para esse tipo de contato: função fática. No popular, falar do tempo serviria apenas para estar falando, mostrar que a comunicação está acontecendo, renovar o contato, comunicar, sentir-se em comunhão com alguém, jogar conversa fora.

Quando se fala do tempo, não há troca de informação. É pura forma. Serve para trocar calor humano. Tempo e futebol são irrelevantes. São ótimos assuntos na hora em que falta assunto.

Além disso, qualquer um pode dar a sua opinião democraticamente. O tempo tem uma vantagem sobre o futebol: não há briga de torcidas organizadas. No futuro, haverá programas de debate sobre o tempo em todas as televisões brasileiras.

Uma pesquisa garante que 90% das conversas entre brasileiros são sobre tempo, futebol e mulher. Pois é, mas em São Paulo, o tempo e as mulheres estão fora de moda. Foram substituídos por outro assunto ainda mais palpitante: o trânsito. Afora o caso da menina Isabella, que chocou todo mundo e provoca reações indignadas ou de perplexidade, os paulistanos só pensam no trânsito.

Em cada trajeto de carro, principalmente os mais curtos, variando entre 50 minutos e duas horas, cada um desenvolve complexas teorias sobre o futuro das cidades, a circulação de carros, os engarrafamentos e, obviamente, as soluções para o problema.

Todo mundo tem as suas propostas, e o debate segue as mesmas regras no passado aplicáveis ao futebol, ou seja, cada interlocutor defende uma camiseta, quer dizer, um projeto, isto é, uma utopia.

Não ter uma idéia sobre o que fazer com o trânsito de São Paulo equivale à falta de educação, uma descortesia, uma infração à regra superior da etiqueta. Parece até que o próximo best seller brasileiro terá como título 'Etiqueta no Trânsito'. Sem dúvida, o tema é altamente excitante.

Há quem defenda o rodízio, já aplicado, e o pedágio dentro da cidade com preços elevados. Há quem proponha que os caminhões só possam circular depois das 22hs.

Há quem postule a construção de 25 linhas de metrô, o que criaria empregos, inclusive para levantar os túneis que caírem) e geraria um mundo subterrâneo com muitas utilidades lícitas e ilícitas. Já que eu estava lá, parado no trânsito, resolvi também dar o meu palpite, o que me valeu imediatamente a fama de bem-educado, simpático e boa gente. Dei exemplos internacionais.

Comparei São Paulo com Berlim, Paris, Londres, Buenos Aires e Nova Iorque. Declarei a minha admiração pelas cidades com metrôs. Condenei a indústria automobilística que ajudou a desmantelar a rede ferroviária brasileira. Defendi o trem-bala entre Rio de Janeiro e São Paulo.

Mais, defendi que o trem-bala vá de Montevidéu a Belém do Pará. Mas a minha sugestão que mais impacto causou foi esta: aproveitar um desses feriados, quando saem 2 milhões de carros em direção à praia, e não deixá-los voltar. Sem dúvida, eu tenho futuro como urbanista.

juremir@correiodopovo.com.br

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