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sexta-feira, 16 de maio de 2008
16 de maio de 2008
N° 15603 - Opinião ZH | David Coimbra
O livro, a frase
Tenho um velho livro, Maravilhas do Conto Francês, que é velho mesmo. A encadernação original nem existe mais, o livro foi reencapado em pano, num tecido axadrezado que bem daria um kilt escocês. Há contos que, como promete o título, são maravilhosos.
De Stendhal, Balzac, Mérimée, Maupassant, Verlaine e outros de igual quilate. Não sei se o comprei em um sebo, se ganhei de presente, não sei como foi parar em minhas mãos, mas sei que o possuo há tempo. Li as histórias com prazer. Na última página da última delas, de Tristan Bernard, encontrei uma dedicatória:
"Lelê: Só queria te desejar felicidades em tudo que tu desejas alcançar. Seja pouco ou muito, o importante é que pra ti seja muito. E não te esquece da gente quando estiveres no Louvre. Até. Beto. Julho de 1961".
Embora tenha lido o livro há pelo menos 20 anos, nunca esqueci da dedicatória. Porque, sei lá, imaginava a Lelê em Paris, com aquele mesmo livro debaixo do braço, zanzando pelo Louvre, pensando no Beto que a esperava no ultramar. Tinha sua história, aquele livro. Havia emoções impressas em suas páginas, e não só as que os autores tentavam transmitir.
Ontem, lidava na minha pequena biblioteca e, sem qualquer razão consciente, tomei o livro de uma estante e reli a dedicatória. Enquanto o fazia, senti que havia algo preso sob a capa de pano. Uma saliência que talvez até tivesse percebido antes, mas que só agora se soltara.
Era como se fosse um cartão ou um bilhete. Fiquei aceso de curiosidade. Fiz à faca uma pequena incisão no tecido e empurrei o papelzinho para fora.
Era uma foto.
Uma daquelas fotos antigas, do tamanho de uma caixa de fósforos, com as bordas recortadas em ziguezague. Duas pessoas estavam retratadas, um homem e uma mulher. Posavam lado a lado em uma praia que não consegui identificar.
Ela vestia um maiô que poderia remontar aos anos 50, tudo ficava pudicamente coberto por aquele maiô. Ele usava um calção que lhe subia ao umbigo.
Ambos olhavam sorridentes para a câmera, os braços pendentes ao longo do corpo, relaxados. A foto, tão antiga quanto o livro, estava escurecida, desgastada, mal divisei os rostos deles e a paisagem que lhes fazia moldura.
Intrigado, pensei no motivo pelo qual alguém esconderia uma foto dentro de uma capa de livro.
Então, a virei.
No verso, alguém escreveu a lápis uma frase em letra de fôrma, sem ponto final. Uma frase de letras apagadas, como se fosse desenhada sem convicção. A seguinte:
"Eu era feliz".
Foi como se levasse um soco no peito. Eu era feliz. Quem teria escrito a frase? O Beto? A Lelê? Ou algum outro antigo dono do livro? Eu era feliz. Significava que, quando a frase havia sido escrita, a felicidade já se fora.
E a felicidade, óbvio, existia na época em que o flagrante na praia fora colhido. E a reunião dos dois personagens da foto é que era a causa da felicidade. Assim, tornava-se lógico que a razão da infelicidade era a separação dos dois.
O que aconteceu? Um deles morreu? Romperam?
Mais: por que a parcela sobrevivente do casal costurou a foto sob a capa do livro? Por que aquele livro em especial?
As possibilidades têm rondado o meu cérebro, desde então. Quem diria que, num livro escrito por tantos mestres, a melhor história seria a do seu leitor?
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