sábado, 10 de maio de 2008



11 de maio de 2008
N° 15598 - Paulo Sant'ana


Felizes tempos!

Ah, aqueles tempos em que não precisávamos nos esforçar para sermos felizes!

Eram também tempos em que com rapidez de horas ou de poucos dias deixávamos de ser circunstancialmente infelizes.

Ah, aqueles tempos em que tínhamos tanto entusiasmo e apetite de viver, que não nos detínhamos nem em sonhar: a realidade era mais importante do que o sonho, não havia sequer lugar para a esperança desnecessária.

Ah, aqueles tempos em que a nossa felicidade era tamanha, que nem tínhamos consciência dela. Também, com tanto deleite, como poderíamos adivinhar que mais tarde nos assombrariam as adversidades, para nós a vida seria perpetuamente sorridente, não cabia naquele nosso mundo venturoso sequer a idéia de amarguras e sofrimentos supervenientes.

Era também um tempo sem horários a cumprir, um tempo quase de vagabundagem romântica, de brincadeiras, de subir em árvores e soltar pandorgas, o tempo daquela menina ou menino sonhado que inundou o nosso coração de emoção imensa, aqueles vultos inesquecíveis que antecederam a primeira namorada ou o primeiro namorado, tão vitais e importantes eles foram para nós, hoje não passam apenas de uma lembrança, eis que não se integraram em nossas vidas como principais personagens.

Tempos depois das poesias, dos sonetos, dos acrósticos, dos bilhetes anônimos, da deusa na janela ou do rapazinho de algazarra na esquina.

E tempos depois das primeiras reuniões dançantes, das mãos dadas, do primeiro beijo, do namoro na escola, da ânsia de tomar banho e se arrumar para dançar com ela na noite de sábado, dos comentários sobre os namoros ou pré-namoros dos outros, de passar tenso defronte à casa dela, de esperar uma semana para vê-la na missa de domingo, somente a visão dela era alimento suficiente para manter-se de pé por mais uma semana.

Não percebíamos que nossa felicidade derivava da mais completa ausência de responsabilidade: de que ainda não estávamos sendo objeto da maldição do Gênesis de que teríamos de ganhar o pão com o suor dos nossos rostos.

Não havia contas a pagar, empréstimos a saldar, família a sustentar, nem futuro a prover.

Não havia que poupar, planejar, nem queimar pestanas com orçamentos.

Era um tempo de total descompromisso, a vida fluía sem preocupações e sem agruras.

A felicidade só era possível naquele tempo em que sequer se cogitava da idéia da morte, que não passava de um devaneio remoto, praticamente uma irrealidade.

Como era esplêndida a nossa alegria de viver, talvez nem a notássemos, mas agora nitidamente a reconhecemos.

Mas principalmente, como a maldade e a crueldade, se é que existissem, estavam muito distantes de nós, não tínhamos notícias dos piores defeitos humanos, apenas o calor da nossa camaradagem nos inspirava à inocência e à sinceridade.

Estamos chocados agora com a diferença: este não é mais o mundo alegre e solidário que nos foi oferecido.

Será que por alguma forma colaboramos com essa terrível transformação?

O que é que mudou, o mundo ou nós?

Como éramos felizes!

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