sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008



Romance de dois mundos

O vento assobiando nas gruas, romance de 2002 da portuguesa Lídia Jorge e ora lançado no Brasil, é, sem dúvida, uma grande narrativa que está solidamente construída sobre dois mundos:

o primeiro, contemporâneo, envolvido com a transformação acelerada da Terra, movido pelo instinto selvagem de futuro; e o segundo, mais antigo, fala de uma velha fábrica cuja história cruza-se com a de uma família numerosa recém-chegada da África.

A escritora nasceu no Algarve, em 1946. Estreou na literatura em 1980, com o romance O dia dos prodígios, logo aclamado pela crítica portuguesa. Seus romances O cais das merendas (1982) e Notícia da cidade silvestre (1984) foram distinguidos com o Prêmio Cidade de Lisboa e A costa dos murmúrios recebeu o Prêmio Bordallo, entre outros.

Em O vento assobiando nas gruas, Lídia narra a saga de Milene Leandro, a protagonista, e, seguindo seus passos, os leitores vão se deparar, entre muitas coisas, com um caso de amor, um crime e um silêncio selado para sempre.

A avó de Milene, Regina Leandro, fugiu do hospital e foi encontrada morta à entrada da velha fábrica de conservas de Valmares. Milene é a única pessoa que vivia com a avó e a única a estar presente para a organização do funeral.

Os demais parentes estão de férias. Milene é uma pessoa simples de espírito e tenta encontrar as palavras exatas para comunicar e descrever as circunstâncias da morte da velha senhora aos parentes.

Acontece que todos os membros da família parecem mais interessados em ignorar a verdade e em assegurar que a sua reputação não seja manchada pela morte solitária da velha matriarca.

Nesse meio tempo, a família cabo-verdiana que ocupa a fábrica recebe uma Milene totalmente esgotada pelos acontecimentos que envolvem a morte da avó. Uma tímida relação inicia-se entre Milene e Antonino Mata, o jovem viúvo, pai de duas crianças e condutor de gruas.

A partir dessa ligação surpreendente, que está na base do romance, é que o sentido do livro vai ultrapassar, e em muito, uma simples história de amor.

Os leitores vão sentir, nesse romance de corte moderno e que tem tons multiculturais, que seu conteúdo é antifascista, anti-racista e anticapitalista.

A exposição de uma personagem comovedora e inesquecível, que luta contra as infâmias cometidas contra ela pelos próprios familiares, vai envolver o leitor, que certamente torcerá pela heroína, vítima de uma série de abandonos, insensibilidades, ignorâncias, silêncios e acusações.

O vento assobiando nas gruas foi o vencedor do Grande Prêmio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores (2003), do Prêmio Correntes d´Escritas/Casino da Povoa (2003) e, em 2006, do prestigioso Prêmio Albatros da Fundação Günter Grass.

Os leitores vão constatar, uma vez mais, que não por acaso Lídia Jorge é considerada uma das maiores vozes da literatura portuguesa das últimas décadas. 498 páginas, Editora Record, telefone 21-2585-2000.

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