terça-feira, 5 de fevereiro de 2008



05 de fevereiro de 2008
N° 15501 - Paulo Sant'ana


O Shopping de antigamente

Quem se lembra das "vendas" de antigamente? Eram os armazéns, hoje extintos pelos supermercados. Tinha de tudo nos armazéns.

Na entrada, as pilhas de tamancos, chinelos e alpargatas. Ao lado, sacos abertos de arroz, feijão, farinha de trigo e milho e erva de chimarrão, para serem vendidos a granel. Em cima da prateleira, os artigos de higiene, sabão, sabão de coco e pedra-pomes.

A pedra-pomes era levemente porosa e tinha uma finalidade peculiar: passava-se principalmente nas diversas partes dos corpos dos garotos que não tomavam banho e deixavam crescer um grosso cascão sobre a pele.

Não havia o que não se encontrasse num armazém de esquina ou de estrada: fumo em corda ou rama e fumo picado, e papel Colomy para cigarro, todas as espécies de inseticidas, o Detefon (que tonteia, mas não mata), o Boa Noite, o Ipril e o Gamexame, o Flit e o Gamerial (contra pulgas) e o Fumeta.

As casas viravam uma fumaceira.

Tinha velas de sebo e de espermacete (substância gordurosa presente nas cabeças dos cachalotes, as baleias pequenas), utilíssimas, junto com os lampiões, para os diários racionamentos de luz. Tinha banha e graxa - que substituíam o azeite - , urinóis, canecas e bandejas alouçadas e esmaltadas, torresmo,

mel e schmier a granel, Glostora, Gumex, brilhantina e vaselina em pasta para os cabelos, Biotônico Fontoura e Emulsão de Scott, Pílulas de Vida do Dr. Ross, Phimatosan, Regulador Xavier (o que regulava o fluxo menstrual, o nº 1 para excesso, o nº 2 para escassez), Xarope Bromil, o amigo do peito. Os armazéns podiam vender remédios.

Ferramentas em geral havia no armazém: martelos, torqueses, alicates, chaves de fenda e até de roda. E alguns armazéns vendiam inclusive arame, telhas, fechaduras e folhas de zinco.

É incrível, mas os armazéns podiam vender também material de construção. E, para a limpeza da casa, cera Parquetina, que deixava o assoalho brilhando. Para os móveis, óleo de peroba era a receita.

Tinha de tudo nas grandes tulhas. Milho de pipoca, lentilha, polvilho, aveia, rapaduras quebradas e em palha, pé-demoleque, doces de batata e de abóbora, merengues, mata-fomes, balas, balas gasosas e quebra-queixo, pirulitos, goiabadas, figadas, marmeladas a granel, quase sempre em cima do balcão.

Não dá para acreditar, mas os armazéns vendiam rojões, bombas, busca-pés, triquetraques, espoletas, todas as espécies de fogos de artifício.

Vendiam colírio, botões, linhas, agulhas, colchetes, alfinetes, percevejos, fita isolante, tachas, pregos, goma arábica, pentes Flamengo, anil Rekitt. Podia-se adquirir leite em garrafas com tampas de alumínio e manteiga Deal.

Sempre havia três tonéis no chão dos armazéns: o do querosene, o do solvente e o do azeite, comprados em litros ou em garrafas pequenas. Os armazéns eram um refúgio seguro da pobreza, tudo ali podia ser vendido a granel, até os cigarros Aspásia, Liberty e Tufuma.

E graxa e tinta para sapatos, inclusive a branca: alvaiade.

As melancias se esparramavam sobre o chão dos armazéns, prontas para serem caladas. Se não fossem rubras e firmes, o freguês não levava.

Café, açúcar cristal, azevém e alfafa, todas as espécies de tempero, charque, toucinho.

O leitor há de se perguntar por que estou lembrando isso. É que me sobrevém uma deliciosa nostalgia dos tempos de guri, em que o acaso me colocava nas mãos algumas moedinhas e eu ia correndo para o armazém.

E meus olhos percorriam todas aquelas pilhas de artigos, como num mercado persa, assim como hoje as pessoas se extasiam nos shoppings. Era o meu grande passeio da manhã ou da tarde.

E quando incomodamente o bodegueiro interrompia o meu sonho de consumo, com autoridade eu lhe pedia que me desse um mandolate e três ou quatro unidades de bala de goma, daquela do tipo de gomos de bergamota coloridos, uma delícia, uma alegria incomparavelmente maior que as que tenho hoje gastando fortunas.

Nunca vamos esquecer. Pedia-se vinho doce Sabiá, e o bodegueiro pegava uma comprida tenaz e descia a garrafa da parte mais alta da prateleira, toda empoeirada.

Que doce recordação!

(Crônica publicada em 09/04/2006)

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