05 de fevereiro de 2008
N° 15501 - Luís Augusto Fischer
Os livros do Paulo Hecker
Num dos movimentos que precisei fazer para renovar carteira de motorista (precisei fazer uma prova quase imbecil, feita não para avaliar mas sim para constranger o candidato), na semana passada, gastei uma hora num sebo do Centro. Faço isso seguido, mas dessa vez a experiência me bateu mais forte.
É que nesse sebo estão expostas para venda, já há alguns meses, centenas de livros do falecido Paulo Hecker Filho, escritor que freqüentou a poesia, a narrativa, a memória, a crônica, o teatro, a tradução, quer dizer, todas as vertentes desse pequeno mas infinito mundo das letras. E ali estão porque ali foram colocados, naturalmente.
Não importa aqui saber quem os colocou (eu sei); o que importa é que parte substantiva da biblioteca de um sujeito importante, que fez de sua vida um espaço literário, está ali à venda, para quem quiser. Isto é: está ali para ser dispersa, para sempre, para nunca mais.
Paulo Hecker, que conheci mas de quem não fui próximo, militava na área desde a juventude extrema. Terá publicado dezenas de volumes, de que conheço parte, e creio que na poesia realizou sua melhor vocação; mas pela profusão e pela irregularidade das edições nem esse lado seu fica visível (uma antologia bem feita faria justiça a seu talento). E leu muito, leu sempre.
Seus exemplares estão rabiscados, sublinhados; há casos de livros dele, que vi lá no sebo, com anotações, correções, comentários ao que lia, tudo isso constituindo uma riqueza que, pelo andar da vida, se perderá, mas que numa biblioteca pública poderia estar reunido, para o leitor do futuro saber como era nosso tempo.
O que mais me doeu foi ver exemplares de livros de poemas dele mesmo, Paulo Hecker: estavam ali, anotados pelo autor, com versos emendados, com alteração de palavras, com anulação de passagens, quem sabe na perspectiva de uma reedição futura, que não houve, nem haverá.
(A parte da fabulosa biblioteca dele que está à venda é, por dolorosa coincidência, o teatro e a poesia, mais a narrativa em francês, três regiões de sua predileção.)
É uma pequena vergonha que isso tenha acontecido, não para os indivíduos envolvidos, mas para nós. Já aconteceu algo assim com a biblioteca de Guilhermino César e outros; a do querido Carlos Reverbel era para estar incorporada numa biblioteca pública, mas não deu o ar da graça ainda. Agora a do Paulo Hecker.
No meio desses milhões que pagam para trazer artistas descartáveis a todo momento aqui para o Estado, não sobraria uma meia dúzia de tostões para guardar livros e memórias?
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