terça-feira, 2 de outubro de 2018


02 DE OUTUBRO DE 2018
CARPINEJAR

A tragédia da sorte

Nunca tive o azar de ganhar algum sorteio de viagem, o que me poupou dores de cabeça. Jamais venci promoções colocando o cupom em urnas, por mais tentadoras que fossem, como passagens e estadia pagas em Paris para você e mais um acompanhante. O problema é este: um acompanhante. Um só acompanhante. Se eu arrebato um prêmio desses, gringo como sou, preciso levar a família inteira. É farofada ou tragédia. Pois vou criar ciúme e ressentimento em quem fica. Os pais, os filhos, a esposa, os irmãos e os melhores confidentes se sentirão no direito de participar do grande e talvez único momento de turismo no Exterior. Vão esperar de pé o convite, roendo as unhas.

Cada um dos meus afetos se julgará como a companhia ideal do passeio.

Meu amigo Rodrigo enfrentou esse dilema ao ser anunciado vencedor de concurso de um shopping. Ingênuo, convidou a mãe para acompanhá-lo no navio pela Europa. Estava programado show de Roberto Carlos. Ele não cogitou a chance de lua de mel de graça na Europa romântica e idealizada, mas no contentamento da fã do Rei mais ardorosa de casa. Imaginou conversas maternas com o ídolo no barco, autógrafo e rosas regados a lágrimas.

Não vi alguém se ferrar tanto. Sua namorada já tinha contado para todo o seu círculo de amizades que Rodrigo era o ganhador e que iria junto. Nos longos telefonemas, descrevia o que precisava adquirir para ficar linda nas andanças pelo Velho Mundo. Comprou até uma mala para não passar sufoco. Nem perguntou, achou que não havia ninguém mais próximo e com mais privilégios.

Quando descobriu que o namorado, que no máximo a levou para Pinhal no verão, escolhera a mãe para a viagem, ela surtou:

- Ou eu, ou sua mãe! Escolhe.

Como não poderia retirar o convite para a mãe admiradora da Jovem Guarda, ele prometeu que no próximo sorteio seria ela.

- Que próximo? Isso não vai acontecer duas vezes. Como o nosso amor!

O namoro terminou naquela frase, naquela exclamação. Rodrigo conheceu a sua fossa gritando As Canções que Você Fez pra Mim na beira do palco, histérico, para espanto de sua mãe, que não sabia que o filho conhecia de cor as letras: "É tão difícil olhar o mundo e ver o que ainda existe. Pois sem você meu mundo é diferente. Minha alegria é triste."

CARPINEJAR

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