01 DE OUTUBRO DE 2018
DAVID COIMBRA
Torresmo numa hora dessas?
Todas essas coisas acontecendo no Brasil e o que eu queria era falar do torresmo. É que, outro dia, esbarrei em um título irresistível ao percorrer um site de notícias. O seguinte:
"Fã de torresmo, ele pesava 190 quilos e secou 60 quilos em quatro meses ao mudar de hábitos".
Como não ler uma matéria dessas? Abandonei na mesma hora um profundíssimo e denso artigo que tratava dos perigos da polarização política no país e fui ler sobre aquele comedor de torresmo. Não que esteja interessado em perder peso. Até gostaria de me livrar de uns dois ou três quilos, mas não deixaria de beber um único copo de chope cremoso por isso. O que me chamou a atenção, no caso, realmente, foi o torresmo.
Mas isso também não quer dizer que seja um "fã" do torresmo, como foi definido o personagem da matéria. Sou, tão somente, um admirador. Só não como mais torresmo porque não encontro mais em lugar algum. O torresmo foi banido da vida moderna. Vivemos tempos magros, essa é que é a verdade.
Mas quem ousaria falar em torresmo, em meio ao atual momento político? Quem?
Aliás, há uma coisa no torresmo que me incomoda mais do que discutir a quem se deve dizer não na eleição. É aquele fiozinho que às vezes sai para fora do torresmo. Parece um cabelo. Fico pensando que pode ser um pelo do porco. Mas não é, né? Ou será que é? Agora fiquei em dúvida.
A propósito, preciso fazer uma confissão: prefiro falar em comida do que na atual conjuntura política nacional. Fui acostumado a comer bem - minha mãe e minha avó eram cozinheiras supimpas.
Mas houve uma época em que minha mãe não podia mais cozinhar para nós: ela havia se separado do meu pai, era professora do Estado e precisava trabalhar dois turnos para sustentar os três filhos. A saída foi comprar comida de vianda, de uma senhora que cozinhava para fora. Era eu, então com uns oito anos de idade, que ia buscar aquela comida. Chegava do colégio, enfiava as panelas na viandeira e me tocava. A casa da cozinheira não ficava longe - umas duas quadras de distância. Era um apartamento pequeno e meio sujo, no terceiro andar de um edifício na Assis Brasil. Subia as escadas, batia na porta e ela vinha atender. Pegava a comida do fogão - na primeira panela, a maior, ela colocava o feijão, na seguinte, arroz, depois alguma carne, batata e, por último, a salada. Carregava aquilo com certa dificuldade, no caminho de volta, vez em quando derrubando um pouco do feijão. Pior: carregava a contragosto, porque a comida? era horrível. A mais repugnante comida que já provei na vida. Até hoje me lembro do gosto. Por Deus. O feijão era ralo e meio esbranquiçado, o arroz grudado, a carne invariavelmente dura, as batatas murchas, a salada velha.
Como é que aquela mulher sobrevivia vendendo comida?
Felizmente, logo depois minha mãe deixou o magistério, começou a vender livros da Abril Cultural e as coisas melhoraram lá em casa.
Comida, portanto, é um assunto importante para mim, capaz de me causar traumas. Tanto que quase não consigo falar em política quando penso em algo singelo, como um torresmo. Isso faz com que me sinta mal. O país pegando fogo e eu preocupado com toucinho frito. Tento pensar no PT e em Bolsonaro e o que me vem à mente são torresmos, salsichas, costelinhas defumadas e até porcos inteiros. Por falar nisso, já contei a história da Porca Chica? Mas, não! Não posso! Chega de pensar em coisas de porcos. O momento é grave. Fiquemos com os políticos. Ou os porcos? Políticos ou porcos? O que você prefere, leitor?
DAVID COIMBRA
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