terça-feira, 8 de julho de 2025



08 de Julho de 2025
CARPINEJAR

Mistério entre duas praças próximas

O porto-alegrense é misterioso. Por mais que exista pesquisa de mercado, nunca definimos com precisão por que um lugar dá certo e outro não.

Como o morador da Capital é fiel aos hábitos - escuta a rádio que os pais escutavam, assina o jornal que os pais assinavam, repete os restaurantes da infância -, depois que uma predileção se consolida, é difícil fazê-lo mudar de ideia.

Não deixará jamais de frequentar seus pontos turísticos, em detrimento de novos. Quem vai à Redenção nunca se ausentará de bater o cartão-ponto ali a vida inteira. Quem vai ao Parcão jamais alterará seu destino. Quem vai à Orla não será persuadido a seguir itinerário diferente.

Experiências bem-sucedidas não são trocadas. Nenhuma novidade vence a tradição. Um caso emblemático é o da Praça Gustavo Langsch, rodeada pelas ruas Artur Rocha, Desembargador Moreno Loureiro Lima, Professor José Salgado Martins e um trecho da Engenheiro Afonso Cavalcanti.

É um dos mais belos recantos no outono, com as árvores caducifólias manchando o chão de amarelo, laranja e vermelho. Não deve nada, em termos de solo colorido e purpúreo, ao Central Park.

Mas está sempre vazia. Recebe visitantes esparsos e solitários. O que causa estranheza é que ela é muito parecida com a Praça da  Encol, exibindo uma rota excelente para caminhada.

Só que a Praça Carlos Simão Arnt, conhecida popularmente como Encol - entre a Avenida Nilópolis e a Rua Jaraguá, a menos de um quilômetro dali -, conserva-se lotada, um formigueiro no início e no fim do dia.

Ambas têm quase a mesma extensão, entre 25 mil e 30 mil metros quadrados, estão localizadas no mesmo bairro (Bela Vista), com a mesma iluminação, com o mesmo cenário, mas uma enche e a outra permanece deserta.

Algumas observações costumam ser usadas como desculpas: a Praça Gustavo Langsch constitui um reduto pouco funcional, em um declive, exigindo subir e descer lomba; é úmida no inverno, ligeiramente mais escondida, sem uma grande avenida passando ao seu largo. Porém, são pecados veniais, adaptáveis.

Nem dá para justificar a aglomeração na Encol pelas quadras de vôlei, futebol ou beach tennis, já que esse movimento é recente, e quadras poderiam ser construídas também no parque vizinho.

É um enigma a adoção de um espaço como símbolo da Capital e a orfandade do que está ao lado, que se mantém como um território esquecido. No primeiro, as pessoas se reúnem para piqueniques e tertúlias com chimarrão e cadeiras de praia; no segundo, os balanços apenas servem aos filhos do vento.

São como irmãos brigados, ou afetos dissidentes.

As praças Carlos Simão Arnt e Gustavo Langsch preenchem arquétipos de oposição. Tudo e nada simultaneamente. São nossos Caim e Abel, Jacó e Esaú, Rômulo e Remo, Edmundo e Pedro (As Crônicas de Nárnia, C.S. Lewis), Hamlet e Laertes (Shakespeare), Set e Osíris (mitologia egípcia), Scar e Mufasa (O Rei Leão, inspirado em Hamlet).

Meu ímpeto é sair com um apito e chamar o povo da Encol para a Gustavo Langsch, distribuir a atenção e a afeição, mostrar o quanto aquela área verde é igualmente agradável e prazerosa para a prática de exercícios físicos, para o passeio com os cães, para os encontros familiares.

Eu me sento na grama com um livro, escolho uma sombra para mim e fico esperando alguém me interromper, fico esperando alguém surgir para puxar conversa.

Ninguém nunca vem. É uma solidão de caracol. 

CARPINEJAR


08 de Julho de 2025
NILSON SOUZA

As guerras e a bola

Leio que alemães e norte-irlandeses concluíram recentemente uma disputa de futebol adiada por 65 anos por causa da Guerra Fria. O jogo entre o Glenavon FC, da Irlanda do Norte, e FC Erzebirge Aue, da Alemanha (na era comunista conhecido como Wismut Karl-Marx Stadt), foi realizado como amistoso em Lurgan, a 40 quilômetros de Belfast, com o estádio lotado por torcedores dos dois países, entre os quais ex-atletas que, à época, não puderam jogar a partida oficial pela Copa dos Campeões da Europa por terem sido impedidos de atravessar a chamada Cortina de Ferro, divisão ideológica da Europa depois da Segunda Guerra Mundial.

Ganharam os alemães, mas isso é o que menos importa. O importante é o sentido simbólico da disputa esportiva que, embora tardiamente, acabou se sobrepondo ao antagonismo político e ao belicismo. As notícias sobre o jogo dão conta de que os torcedores dos dois países celebraram juntos depois da partida - como certamente gostariam de fazer outros povos envolvidos em guerras impostas por governantes prepotentes e sedentos de poder.

Como dizem os comerciais da Fifa, se o futebol fosse um país seria a maior nação do mundo, com um idioma comum a todos os seres do planeta, regras claras e disputas pacíficas - ainda que de vez em quando o fanatismo clubístico ou nacionalista derive para beligerância. Mas são conflitos pontuais, que só raramente resultam em agressões físicas e perdas de vidas.

Já a guerra é sempre um jogo fatal em que todos perdem, dos militares obrigados a lutar aos civis vitimados pelos bombardeios. Não há maior expressão da estupidez humana do que um conflito bélico. Armas simbolizam a falência do diálogo e da inteligência humana. O VAR da História sempre confirma isso.

Claro que o futebol, embora tenha o poder de unir pessoas de diferentes tendências, de emocionar e proporcionar espetáculos encantadores, também tem as suas deformações - que vão dos episódios de violência entre torcedores rivais às manifestações de racismo. Mas, no esporte, tudo pode ser resolvido sem ódios e morticínios. Mesmo que leve 65 anos. _

O conteúdo desta coluna reflete a opinião do autor

NILSON SOUZA


08 de Julho de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Trump volta a disparar tarifaços e dólar sobe

O prazo da trégua só venceria amanhã, mas ontem "as cartinhas de Trump" já começaram a chegar. O pesadelo do tarifaço está de volta, e os países que não encaminharam acordo estão sendo comunicados sobre o tamanho do imposto de importação que terão de pagar para vender aos Estados Unidos. A moeda americana teve alta de 0,99%, para R$ 5,478, enquanto o Ibovespa caiu 1,3%, para 139,4 mil pontos.

Embora o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tivesse mencionado patamares de até 70% na sexta-feira passada, ainda não se viu nada desse tamanho. Mas as novas tarifas são mais do que suficientes para voltar a afundar o mercado no abismo da incerteza.

Até o final da tarde, sete nações haviam recebido seu quinhão de terror: África do Sul (30%), Cazaquistão (25%), Coreia do Sul (25%), Japão (25%), Laos (40%), Malásia (25%) e Mianmar (40%). Havia expectativa de que mais cinco fossem informados. Depois de anunciar o "Dia da Libertação" em 2 de abril, quando impôs tarifas de até 50% a 185 países, Trump havia comunicado uma trégua unilateral de 90 dias, que se encerraria no dia 9 de julho.

Imposto de importação tem arrecadação 25% maior

Entre especialistas em comércio exterior, havia a expectativa de que o prazo de 9 de julho não fosse levado a "ferro e fogo". Na semana passada, a secretária de imprensa de Trump, Karoline Leavitt, havia reiterado que uma ampliação no cronograma seria possível. Por isso, o envio das "cartinhas de Trump" pegou o mundo de surpresa.

As bolsas americanas também caíram com a volta da aversão ao risco. Na de Nova York, o índice mais tradicional perdeu 0,94%, o mais abrangente recuou 0,79%, e a Nasdaq baixou 0,92%. As novas tarifas, que entram em vigor no dia 1º de agosto, são úteis para Trump. Em maio, quando foi aplicada "só" a alíquota de 10%, a arrecadação dos EUA somente com esse imposto de importação chegou a US$ 24,2 bilhões. É um valor 25% maior do que o do mês anterior, abril, quando a cobrança foi anunciada.

É uma forma de financiar o buraco aberto pela aprovação da "big, beautiful bill" da Trump, que abre um rombo estimado em US$ 3,8 trilhões, sem impor custos aos americanos. O mundo sempre financiou os Estados Unidos. Mas o atual presidente quer desmontar esse sistema que ajudou a enriquecer os americanos. O risco é que consiga empobrecer o mundo inteiro. _

Avança negócio que pode alterar o controle do polo petroquímico

Avançou o negócio que pode dar ao polêmico empresário Nelson Tanure, conhecido por comprar empresas em dificuldade, o controle da Braskem, dona da maior parte do polo petroquímico de Triunfo. Ontem, a companhia informou que sua atual controladora, a Novonor (ex-Odebrecht) e o fundo de Tanure solicitaram autorização ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para "uma potencial transação".

O pedido foi conjunto, feito pela NSP, holding da Novonor, e pela Petroquímica Verde Fundo de Investimento em Participações - Multiestratégia, de Tanure. Na nota, os dois grupos voltam a informar que "até a presente data não foram celebrados quaisquer instrumentos definitivos vinculantes", ou seja, ainda não há obrigação de compra e venda. A operação, afirma o comunicado, "permanece sujeita a avaliações e confirmações usuais em transações dessa natureza".

"Titular indireto"

Mas é um avanço no negócio cujo ensaio foi oficializado em maio. O plano é que o fundo de Tanure se torne "titular indireto de participações societárias que representem o controle da Braskem". A venda da companhia petroquímica é uma condição para que a Novonor saia da recuperação judicial.

Na versão anterior, havia a observação de que, para avançar, o negócio dependia de duas aprovações: da Petrobras, sócia da Novonor da Braskem, e dos bancos credores da Novonor, que têm ações da petroquímica como garantia. Só depois avançaria para análise do Cade.

Como agora o que entrou em cena é a solicitação ao órgão de defesa da concorrência, o mercado deduz que as duas primeiras etapas foram bem-sucedidas. O negócio ocorre em um momento em que a petroquímica enfrenta desafios no Brasil, com níveis de ociosidade recordes, de 38% na média. Na Braskem, conforme informações da empresa em maio, é ligeiramente menor, ao redor de 35%. _

Encrenca com Brics para eleitor ver

Muito antes de o grupo do Brics ter incluído no comunicado da 17ª Cúpula de Líderes de Estado uma vaga inquietação com o aumento de medidas tarifárias e não tarifárias unilaterais, Donald Trump já havia ameaçado com tarifas de 70% no final da trégua de 80 dias.

Ao afirmar que essas medidas "distorcem o comércio e são inconsistentes com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC)", o Brics não comete qualquer arroubo, só constata o óbvio. Mal havia saído o texto, o presidente americano fez mais uma de suas habituais ameaças: quem se alinhar "às políticas antiamericanas do Brics" terá alíquota adicional de 10%.

O ex-secretário de Comércio Exterior Marcos Troyjo observou que Peter Thiel, um dos primeiros bilionários a apoiar Trump, costuma dizer que o presidente americano deve ser levado a sério, mas não literalmente.

Trump não tem qualquer motivo para impor tarifa extra ao Brasil: o país tem déficit na relação com os EUA (compra mais do que vende), e qualquer iniciativa de usar moedas alternativas no comércio intrabloco ainda está há milhares de milhas da efetivação. Só pode ser encrenca para eleitor ver. _

Afinal, quem compra imóveis de alto padrão?

A venda de imóveis de alto padrão responde hoje por cerca de 50% do valor geral de vendas (VGV) em Porto Alegre. E não raro a coluna recebe perguntas do tipo "mas quem compra tanto imóvel caro?". Agora, tem um levantamento feito pela Colnaghi Imóveis, que tem uma fatia desse mercado, para mostrar o perfil de quem compra propriedades desse tipo, em sua maioria apartamentos com três dormitórios e preço médio de R$ 1,5 milhão.

Considerando dados de cerca de 800 contratos assinados na Capital a partir de 2020, é possível observar que o setor é dominado por público feminino e 50+. Ao menos entre as compras individuais, 56,6% são mulheres e 43,4%, homens. A divisão das compras por estado civil aponta para maioria formada por casados (51,1%).

Reforça a crescente autonomia da mulher nas decisões de compra de imóveis, especialmente entre as clientes solteiras, divorciadas ou viúvas - diz a diretora de operações na Colnaghi Imóveis, Roberta Bertoi.

A idade média do comprador também cresce nos últimos anos: neste ano, avança para 54,2 anos. Em 2020, era 43,5. _

GPS DA ECONOMIA


08 de Julho de 2025
EM FOCO

Novos investimentos previstos em data centers e semicondutores na região metropolitana de Porto Alegre devem reforçar segmento consolidado existente. Chegada de três empreendimentos representa aplicação de cerca de R$ 4 bilhões

Polo de tecnologia em busca de novo patamar

Entre os movimentos que se destacam, estão o projeto da cidade de data centers, da Scala, em Eldorado do Sul, a vinda de duas fábricas de semicondutores para a região - da Tellescom, em Cachoeirinha, e da Chipus - e o início do processo de expansão fabril do Ceitec. A chegada dos três novos empreendimentos significa investimento aproximado de R$ 4 bilhões. A maior parte, R$ 3 bilhões, são do complexo de data centers.

Conexão mais firme

Matriz energética diversificada no Estado, presença de empresas de tecnologia consolidadas, como HT Micron, em São Leopoldo, e Impinj e EnSilica, em Porto Alegre, parques tecnológicos de referência e mão de obra qualificada estão entre os principais pontos que atraem esses investimentos, segundo especialistas e integrantes do setor.

- Esses investimentos vêm em função da existência de universidades que formam profissionais altamente qualificados, de um ecossistema de inovação que já existe há mais de uma década aqui no nosso Estado. Vêm em função de um ecossistema robusto para os padrões latino-americanos e brasileiros, existente aqui na Região Metropolitana. É uma equação invertida. Eles não vão criar esse ecossistema. Vão reforçar ele - afirma o superintendente de inovação e desenvolvimento da PUCRS e do Tecnopuc, Jorge Audy.

Com a intenção de reforçar a atração de novos negócios e parcerias ao Estado, o governo lançou, no ano passado, a Invest RS, agência de fomento a investimentos. O órgão tem participação ativa nas tratativas para trazer a Tellescom e a Chipus para o Estado. Presidente da entidade, Rafael Prikladnicki ressalta a solidez dos parques tecnológicos dentro desse processo de chamar a atenção de outros investimentos:

- Se eu pegar somente os dois parques tecnológicos que hoje são referência no Brasil, o Tecnosinos e o Tecnopuc, estamos falando de empresas como SAP, Dell, HP, Apple, e de várias de outras que vieram para o Estado, justamente por causa dessa vocação que a gente tem.

Silvio Bitencourt, gestor executivo do Tecnosinos, também destaca esse potencial. Com um polo ainda mais robusto, esse processo flui, afirma o gestor.

Acerto estratégico

O presidente da Ceitec, Augusto Cesar Gadelha Vieira, afirma que a vinda de novas empresas, como a Tellescom, também pode ajudar o Ceitec:

- É muito importante para nós, porque ela adiciona-se ao que nós queremos produzir.

Com a aceleração da transformação digital, a capacidade de computação e processamento de dados se tornam desafiadores. Portanto, investir em data centers e semicondutores e atrair empresas do setor é um acerto estratégico, segundo o gestor do Tecnosinos. Na avaliação de Audy, do Tecnopuc, esse salto tecnológico somado a temas como hidrogênio verde criam ambiente para ganho de relevância no contexto global. _

Anderson Aires


08 de Julho de 2025
POLÍTICA E PODER - Rosane de Oliveira

Manifestação deve ter impacto zero no julgamento do STF

Autoexilado nos Estados Unidos, o deputado Eduardo Bolsonaro conseguiu, finalmente, arrancar do presidente Donald Trump uma manifestação em defesa de seu pai, Jair Bolsonaro, que está sendo julgado no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe. Que impacto o post de Trump na rede social de propriedade dele pode ter sobre os ministros do Supremo? Zero.

Mesmo com a ameaça de retaliação pelos Estados Unidos, o ministro Alexandre de Moraes não se intimidou. Os outros seguirão suas convicções, com base na denúncia da Procuradoria-Geral da República, nas apurações do STF e nas defesas apresentadas pelos réus.

Com tantos problemas para resolver no seu país - e nos que está envolvido diretamente pelas guerras -, o presidente dos Estados Unidos age como se o Brasil fosse uma república bananeira e os ministros do STF, seus súditos (para não dizer capachos).

No post de 16 linhas - imenso para quem está costumados aos padrões do X -, Trump diz que o Brasil está fazendo uma coisa terrível.

E reforça: "O grande povo do Brasil não vai tolerar o que estão fazendo com seu ex-presidente. Vou acompanhar muito de perto essa CAÇA ÀS BRUXAS contra Jair Bolsonaro, sua família e milhares de seus apoiadores."

Algum ministro do Supremo vai se comover com essa postagem? Talvez aqueles que estão predispostos a inocentar Bolsonaro, caso de André Mendonça e Kássio Nunes Marques - nomeados por ele. Outros podem até votar pela absolvição, mas não será pela interferência do presidente dos Estados Unidos.

O presidente Lula reagiu com uma nota curta e não quis se estender quando foi questionado sobre o assunto na entrevista após a reunião do Brics.

A preocupação que o Brasil deve ter em relação a Trump não é com sua opinião sobre Bolsonaro ser inocente ou culpado. É com as tarifas que ele está impondo às exportações de seus parceiros comerciais e que, nesta nova fase, variam de 25% a 40%. Japão e Coreia do Sul, por exemplo, levaram o talagaço de 25%. O Brasil está em fase de negociação. _

01 Bancadas de PP e União Brasil

querem candidatura própria

Foi em um almoço ontem que as bancadas de Progressistas e União Brasil tiveram a primeira reunião após a confirmação da federação das duas siglas. Por unanimidade, os 10 deputados defenderam a candidatura própria da União Progressista ao governo do Estado em 2026.

No dia 30, o presidente estadual do PP, deputado Covatti Filho, confirmou a pré-candidatura para o Piratini.

O movimento foi uma espécie de demarcação de território, já que, ao se lançar, Covattinho bloqueia o debate sobre a indicação de vice, que opõe sua mãe, Silvana, ao secretário do Desenvolvimento Econômico, Ernani Polo.

Horas depois do anúncio de Covatti, a ala que prefere Polo reagiu, e confirmou que ele também é um dos nomes do partido para a disputa.

Tanto Covattinho quanto Polo participaram do encontro com as bancadas ontem.

- É mais do que natural que aqueles que tenham interesse se apresentem, construindo ambiente e preocupação de manter unidade partidária, mesmo com as disputas por espaços - observa o deputado Rodrigo Lorenzoni, que assinou ficha recentemente com o PP. _

Cheuiche lança livro sobre gênese da Revolução Farroupilha

Um livro fundamental para entender a gênese da Revolução Farroupilha será lançado hoje, às 18h, na Assembleia Legislativa. É O Alvorecer da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e a Revolução Farroupilha, obra do escritor Alcy Cheuiche, ilustrada por Gilmar Fraga, com apresentação do deputado Pepe Vargas.

No dia 20 de abril de 1835, tomaram posse na Assembleia alguns expoentes da Revolução Farroupilha, como Bento Gonçalves, Padre Chagas, Domingos José de Almeida e Mariano de Mattos. Cheuiche conta que no plenário travaram-se debates acalorados entre farroupilhas e caramurus. O lançamento faz parte das comemorações alusivas aos 190 anos do Parlamento. _

Contra a concessão

Assim que o repórter Jocimar Farina tornou pública a intenção do prefeito Sebastião Melo de conceder a Usina do Gasômetro à iniciativa privada (leia na página 11), os grupos de WhatsApp de petistas e simpatizantes da esquerda entraram em ebulição.

A deputada Maria do Rosário encabeça um movimento para impedir Melo de realizar a concorrência. A intenção é lançar o edital no dia 15 de julho.

Ontem, Rosário fez contato com o Ministério da Cultura e pediu audiência com a direção do Banco do Brasil. Como o prédio é da União e foi cedido à prefeitura em 1982, ela entende que a concessão só pode ser feita com autorização federal. _

Edinho Silva vence disputa no PT

Não foi preciso esperar pela eleição em Minas Gerais, adiada no final da tarde de sábado, para o PT reconhecer a vitória do candidato Edinho Silva no processo eleitoral realizado domingo. Candidato do presidente Lula, Edinho fez mais de 60% dos votos nos outros Estados, o que descarta a necessidade de segundo turno, mesmo que os adversários consigam bons resultados em Minas.

Já no Rio Grande do Sul, haverá segundo turno no dia 27 de julho entre os deputados Valdeci Oliveira e Sofia Cavedon. Até ontem, a apuração seguia em andamento.

Também haverá nova votação em Porto Alegre. Vão se enfrentar Helenir Schürer (que fez 40% dos votos) e Rodrigo Dilelio (24%). _

TJ em campanha

O desembargador Antonio Vinicius Amaro da Silveira apresentou ontem a composição da chapa que representará a situação na disputa pela presidência do Tribunal de Justiça (TJ-RS). O ato marca o início da campanha eleitoral, e a votação deve ocorrer em dezembro. A oposição será liderada pelo desembargador Eduardo Ulhein. _

De volta ao Brasil após fazer mestrado em Administração Pública nos Estados Unidos, o ex-deputado estadual Fábio Ostermann (Novo) voltou à atuação política e prepara nova candidatura à Câmara em 2026.

POLÍTICA E PODER

segunda-feira, 7 de julho de 2025


07 de Julho de 2025
CARPINEJAR - Carpinejar

Era para a gente estar lá

Imagine você desprezar o amor da sua vida - e, de repente, vê-lo se casar com o seu grande desafeto, no auge da felicidade. A cada triunfo do Fluminense na Copa do Mundo de Clubes, mais me sinto corneado pelo destino.

Eu aceitaria o Botafogo, o Palmeiras, o Flamengo na semifinal, mas logo o Fluminense, o azarão? Não dá para suportar. É repisar meu trauma colorado.

Porque o Inter tinha condições de estar lá, no lugar do Tricolor das Laranjeiras, se não tivesse cedido bisonhamente a virada na semifinal da Libertadores, em casa, com Beira-Rio lotado, no fatídico 4 de outubro de 2023.

Para agravar o chifre, o time é comandado pelo ídolo gremista Renato Gaúcho, que tem demonstrado ser o melhor técnico em atividade no país, capaz de motivar seu grupo a ser insanamente competitivo. Ele morde a sua corrente de santinha na beira do campo, e regurgita milagres.

Para infeccionar a ferida, o plantel conta com ex-jogadores do Inter, os refugados Nonato e Renê - sendo que o lateral foi um dos pivôs da falha na decisão contra o próprio Fluminense.

Quanta ironia. Quanto sarcasmo. A classificação para o embate com o Chelsea, na terça-feira, rendeu US$ 21 milhões (R$ 113,8 milhões) em premiação para o Fluminense, totalizando R$ 329,44 milhões só neste torneio. Terá grana de sobra para reforçar o elenco. Aumentando o meu estresse emocional, ainda é o nosso rival sorteado para as oitavas de final da Copa do Brasil.

Jamais recebo alta espiritual, e a secação não funciona. Aquela derrota bombástica na Copa do Mundo é lembrada a todo instante: quando o Flu empatou com o alemão Borussia, quando ganhou do sul-coreano Ulsan, quando arrancou o empate com o sul-africano Sundowns, quando atropelou a Inter de Milão, quando fez pouco caso do milionário árabe Al-Hilal.

Eu vejo Hércules entrando no estertor e fazendo os gols messiânicos - e me recordo do curinga Kennedy aniquilando as nossas esperanças. Não encontro nenhum conforto da realidade para superar a frustração. Seu registro permanecerá definitivamente no meu DNA, até os meus tataranetos. Repassarei essa incurável e amarga melancolia como informação genética pelo meu sangue.

Ouso dizer que foi o pior revés da memória do Inter, pelo seu ingrediente trágico e sorrateiro. Se sucumbíssemos nas penalidades, seguiríamos adiante com a cabeça erguida. Nada justifica a entregada nos seis minutos que restavam quando vencíamos com segurança.

Vivo voltando mentalmente ao dia 4: poderia ser a gente nos Estados Unidos! Salvaríamos as nossas finanças! Seríamos novamente gigantes! Experimento um looping infinito, em que Renê tira a bola no segundo derradeiro, Vitão não se precipita na marcação em Marcelo, Enner endireita a cabeça e os pés nos arremates fáceis para a meta.

O tempo não retorna. O tempo é cruel. O que atenua a minha nostalgia do futuro é a saudade que os gremistas andam remoendo de Portaluppi na sua casamata. E o que me consola - mas não me cura - é a redenção do goleiro Fábio. Ele destruiu o conceito de aposentadoria. Ampliou a durabilidade esportiva numa posição que exige flexibilidade e reflexos. Com atuações soberbas, testemunhamos uma gloriosa vingança contra o preconceito.

Aos 44 anos, ele é o novo Manga. É o maior recordista de partidas sem levar gol da história do futebol, com mais de 500 apresentações. Neste ano, vai superar o britânico Peter Shilton (1.387 jogos) como o atleta mais longevo que já existiu.

Não torço para o Fluminense - não consigo, mesmo sendo o único brasileiro na disputa. Perdoe-me. Mas torço por Fábio. O mais injustiçado arqueiro do nosso passado. Quem deveria ter sido chamado para pelo menos três Copas do Mundo pela seleção brasileira. Quem sequer foi convocado.

Esse pegador de pênaltis sempiterno. Esse monstro atemporal. Essa vontade de vencer concentrada numa muralha. 

CARPINEJAR

07 de Julho de 2025
CLÁUDIA LAITANO

Imortalidade

No fundo, no fundo, ninguém acredita na própria morte. Pelo menos no inconsciente, garante Freud, cada um de nós está convencido de que é imortal.

Anos atrás, quando minha mãe descobriu a doença que iria matá-la pouco tempo depois, notei que ela parecia mais indignada, espantada até, do que propriamente assustada com o prognóstico. Era como se pela primeira vez, aos 75 anos, tivesse se dado conta de que, sim, poderia acontecer com ela o que acontece com todo mundo. Foi uma lição. 

Ver minha mãe com tanta dificuldade para encarar a finitude me levou a querer agir de outra maneira quando chegasse a minha vez. Já vivi o suficiente para saber que não há racionalização que resista a determinadas contingências, mas, na medida em que estiver ao meu alcance, pretendo continuar concordando com Montaigne: "Qualquer que seja a duração da nossa vida, ela é completa".

Não por acaso, Eduardo Giannetti escolheu o ensaio - gênero inventado por Montaigne que consiste em uma conversa franca e inteligente com o leitor - para escrever seu memento mori para o século 21. O livro se chama Imortalidades (Companhia das Letras, R$ 90) e é composto por pequenos textos que refletem sobre a consciência da morte e seu contraponto: o desejo de continuar existindo.

Cada época tem uma maneira dominante de expressar seu anseio de perenidade, escreve Giannetti. Na Idade Média, o negócio era salvar a alma para a eternidade. No século 18, com o Iluminismo, alimentou-se a esperança de melhorar este mundo aqui mesmo, através da ciência. Para os românticos, mais tarde, a salvação era viver intensamente todas as paixões terrenas enquanto fosse possível. No século 21, surgem os bilionários dedicados a gastar até o penúltimo tostão para provar que morrer e ficar velho é coisa de pobre (a nova obsessão high tech é tema também do documentário O Homem que Quer Viver para Sempre, da Netflix).

Giannetti divide o livro em quatro partes. Na primeira, examina o sonho da extensão radical da vida biológica - da busca de Gilgamesh pela fonte da juventude ao transumanismo de Silicon Valley. A segunda parte é dedicada às esperanças de vida eterna oferecidas pelas religiões. As duas últimas contemplam os aspectos terrenos da posteridade: o que deixamos para o futuro, através dos genes e da memória que fica de nós, e como vivemos o presente, experimentando prazeres como o amor e o sexo, a fruição estética e o contato com a natureza.

Leia sem medo de ficar deprê. Imortalidades é um livro sobre morte que celebra a vida e as diferentes formas que cada um inventa para que o inevitável não seja necessariamente inominável. 

CLÁUDIA LAITANO


07 de Julho de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Respostas capitais

Zeina Latif - Sócia-diretora da Gibraltar Consulting Economia, ex-secretária do Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, bacharel, mestre e doutora em Economia pela Universidade de São Paulo (USP)

"É urgente recuperar a capacidade de investir do RS "

Um artigo publicado em 18 de junho pela economista Zeina Latif no jornal O Globo chamou a atenção de muitos gaúchos. Com o título "Ficou para trás", afirma que o RS "apresenta algumas deficiências superlativas em relação ao restante do Brasil e sua economia ficou para trás". Não é agradável de ler, mas precisa fazer pensar. Como contribuição, a coluna ouviu a economista para esclarecer os motivos do artigo e aprofundar o debate.

Por que escreveu o artigo?

Estou sempre olhando dados, inclusive regionais, por causa do meu trabalho, tanto por demandas de clientes quanto por interesse meu. Já escrevi sobre o Rio de Janeiro, que também tem saída muito forte de pessoas, comprometendo o crescimento do Estado. Lá, há uma razão comum ao RS, a fiscal, mas também tem a violência. Por causa da COP30, escrevi outro sobre o Pará, que cresce muito com atividade extrativa, sem melhora de indicadores sociais nem crescimento disseminado da região e é marcado por violência e grilagem.

Também quis apontar um risco futuro para o Brasil?

Sim, quando vou para o RS, até porque meu marido tem família aí, fico olhando para o que funciona, o que não funciona. E para pontuar, quando começaram as reformas estruturais, fiz questão de elogiar, sugeri que o exemplo do RS fosse seguido. Só para deixar claro que não tem motivação senão a curiosidade de economista.

Ter ficado para trás não quer dizer que o RS não possa voltar a avançar, certo?

Sim, e seria injusto dizer que não tem esforço do governo do Estado, principalmente na questão fiscal. No artigo, levanto duas possibilidades. Uma é a falta de capacidade de investimento do Estado diante de novos desafios. Não só o governo federal, também os entes subnacionais precisam reforçar orçamentos para demandas ambientais. Quando houve a triste enchente, o socorro precisou ser fora do orçamento. O Estado precisa ter grau de manobra para lidar com eventos mais frequentes.

A principal causa é a fiscal, com endividamento?

Sim, mas São Paulo também tem dívida elevada. O problema é que, quando o Tesouro analisa crédito, olhando não só a dívida, mas também liquidez, o RS tem a pior nota, que é D (de "default, ou calote). Essa situação foi uma construção, não foi da noite para o dia. Houve uma sequência de governos que não trataram bem as contas públicas. E combinada à questão demográfica, agrava o quadro. O Estado cresce menos, a arrecadação fica menor, a saída de pessoas também impacta arrecadação e crescimento. Vira uma bola de neve. Se não arruma as finanças públicas, vai colher, cedo ou tarde, as consequências. Esse debate chegou aos Estados Unidos, que hoje o mundo todo financia, mas já começa a querer diversificar investimentos (em outros países e moedas).

Outro motivo é a alta judicialização. Identifica a origem desse comportamento?

Pesquisei bastante sobre a origem da maior insegurança jurídica e a elevada judicialização no RS, mas não consegui identificar. Discutem-se questões históricas, mas não há associação direta. Seria saudável entender esses processos para que se faça o diálogo com o Judiciário, com o Estado de uma forma ampla, que muitas vezes acaba sendo litigante.

Você aponta maior proporção do Judiciário em relação à população, tem justificativa?

Uma coisa é decorrência da outra. A sociedade demanda, e as instituições reagem. Tem um economista candidato ao Nobel, Ed Glaeser, que diz que se aprende que não tem almoço grátis, mas aponta a segurança jurídica como almoço grátis. Ter regras fortes reduz a incerteza legal, protege negócios, reduz complexidade regulatória, até contém corrupção. Garantir segurança jurídica é transformador, diz Glaeser.

O "descolamento" que você vê em relação a SC e PR tem outros componentes?

O envelhecimento é fruto de fluxos migratórios, os jovens vão embora. Por que não empreendem no RS? E tem outro fator. Passei alguns meses como secretária de Desenvolvimento de São Paulo, que perdeu muito para SC por incentivos fiscais. Parte desse crescimento ocorreu por incentivo fiscal, que não é a melhor forma. Mas, no RS, se vê um círculo vicioso de um Estado que não consegue atrair jovens empreendedores e isso acaba realimentando outros problemas.

O que os gaúchos precisam fazer para superar esse atraso?

Tenho muita confiança na capacidade de debate público. Isso que estamos fazendo: discutindo. É preciso ter diagnóstico, as universidades podem se aprofundar nesses temas, trazer o Judiciário. O RS é um Estado com capital humano muito alto. É uma sociedade com alto grau de coesão, tem matéria-prima para isso. Tem gente que vai discordar, dizer que não é nada disso. Certo, vamos olhar os números, aprofundar as pesquisas. Precisa ter diagnóstico até para reduzir o efeito prejudicial de polarizações que dificultam esse debate. Vejo plena capacidade de superar.

Qual é o grau de urgência desse problema, há necessidade de medidas de curto prazo?

Olhando o quanto o Estado descolou dos vizinhos, é bem urgente. É urgente recuperar a capacidade de investir do RS. Precisa ter medidas concretas de curto prazo. Por exemplo, nos próximos quatro anos fazer revisões de marcos, em diálogo com o Judiciário. É preciso ver o que acontece no resto do país, entender a experiência de outros Estados, consolidar jurisprudências, porque isso é um problema. É preciso ter um plano de voo, mas já com ações de curto prazo, para estancar esse movimento.

O Brasil também passa por um impasse fiscal. Qual é seu diagnóstico?

Veja, há falhas de todos os lados. Não tem mocinho ou bandido. Claro que a liderança de uma agenda de ajuste fiscal tem de ser do Executivo, que, na minha visão, partiu de diagnósticos equivocados da questão fiscal, na linha de que, se a gente recuperar a arrecadação, está resolvido. Não é assim, porque os gastos crescem automaticamente. Por mais que o país tenha muitas distorções tributárias, a sociedade reage, os grupos reagem. Houve iniciativas do governo que, na minha opinião, foram na direção correta de proporcionar isonomia em investimentos. Mas faltou a contrapartida de contenção de despesas. A credibilidade é muito importante, e o governo errou. Mas é claro que o Congresso é sócio, seja por emenda parlamentar ou barganha política. Agora, não tem como também fugir das suas responsabilidades. _

GPS DA ECONOMIA

07 de Julho de 2025
ACERTO DE CONTAS - Giane Guerra

Caixa frágil eleva quebra de empresas no RS

O Rio Grande do Sul fechou o primeiro semestre com 92 pedidos de recuperação judicial de empresas, 15% acima dos 80 do mesmo período do ano passado. Já as falências decretadas dispararam 60%, subindo de 30 para 48 registros, conforme os dados da Junta Comercial, Industrial e de Serviços do Rio Grande do Sul (JUCIRS).

No caso das RJs, monitoradas há menos tempo, bateu-se o recorde. Já nas falências, os números eram bem mais elevados por volta de 2005, quando uma atualização na legislação liberou casos represados da época da antiga concordata, lembra o economista Eduardo Vargas. Em 2015, houve a longa recessão brasileira com crises estruturais das empresas e, em 2020, alterações nas normas das recuperações judiciais, aumentando processos de varejo e de agricultores.

Agora, o cenário tem vários fatores que voltam a elevar os números. O juro alto deixa o caixa mais apertado e as dívidas mais difíceis de pagar, principalmente para quem pegou crédito no auge da pandemia, quando a Selic foi reduzida para estimular a economia. Era previsível este ciclo financeiro, que afeta também o agronegócio, que, além do juro baixo, surfava nas altas cotações internacionais dos grãos. Agora, enfrenta estiagens e dívidas que ficaram caras, com preços de venda normalizados.

Um outro ponto observado pela coluna é que a recuperação judicial ficou mais comum, afastando a vergonha que as empresas tinham de recorrer a ela. Ainda assim, há quem questione a necessidade em alguns casos, especialmente para produtores rurais. A RJ substituiu a antiga concordata e tem como objetivo dar fôlego financeiro para que a empresa não quebre. O processo exige cumprimento de prazos, aprovações de credores e diversas autorizações da Justiça.

Criação e extinção

Ainda no primeiro semestre, foram abertas 155 mil empresas no Rio Grande do Sul, número que sempre é bastante inflado pelo registro de microempreendedores individuais (MEI). Fica 25% acima do mesmo período do ano passado. A extinção, porém, subiu mais: 58%. O número saltou para 96 mil, também com peso grande dos MEI. _

Entrevista -  Augusto Gadelha - Presidente da Ceitec

"O bonde do carbeto de silício está chegando"

Estatal de chips que o governo federal quer reativar em Porto Alegre, a fábrica Ceitec (Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada) alinhavou uma parceria com duas empresas chinesas de semicondutores, que podem turbinar a retomada da fabricante gaúcha, que chegou a ter sua extinção encaminhada. Já de volta ao Brasil, o presidente Augusto Gadelha detalhou o acerto ao podcast Nossa Economia, de GZH.

Como foi a viagem à China?

Foi consequência de uma aproximação que o governo brasileiro tem feito com a China. Estive lá há um mês acompanhando o ministro-chefe da Casa Civil (Rui Costa), quando foram feitos contatos com empresas e duas nos chamaram a atenção. A Sanan é uma das maiores de semicondutores e a GPT (Global Power Technology) tem uma ação única dentro da tecnologia que queremos implantar aqui na Ceitec. Já no Brasil, recebi o convite para voltar e visitar as fábricas, e fizemos agora alguns acertos.

Quais?

Um memorando de entendimento, pelo qual verificamos o interesse mútuo. Nosso pela tecnologia que vão nos oferecer e deles por ingressar no mercado brasileiro e produzir dentro do país. A área de semicondutores é extremamente complexa e cara. Precisamos da parceria com uma grande empresa que tenha domínio da tecnologia que queremos.

O carbeto de silício?

Sim, semicondutores de potência que suportam correntes, tensões e voltagens elétricas elevadas. São necessários neste momento em que você tem energia solar, eólica e uma indústria automotiva elétrica crescendo muito no mundo. Você precisa destes chips para recarga rápida de carro, por exemplo.

A Ceitec tem potencial para isso?

A dimensão é ainda incompatível com a produção destes semicondutores, mas estamos no início do desenvolvimento desta tecnologia no mundo. Ao contrário do silício, no qual pegamos o bonde atrasado, agora no carbeto, o bonde está chegando no ponto e vamos pegá-lo junto com o resto do mundo.

Por que a China fabricaria aqui e não exportaria para cá?

Temos várias vantagens fiscais dadas pelo governo brasileiro na fabricação aqui, além de recursos humanos qualificados. Vamos pegar, por exemplo, a BYD, que começou a fabricar carros aqui e poderá fornecer esses semicondutores a eles.

Quando o memorando terá efeito prático?

Com ele, temos um compromisso formal entre as empresas para fazer um plano de negócios e aí definir os investimentos de parte a parte, o que cada um contribuirá nesta parceria. Semicondutores são muito regulamentados. Sabemos, por exemplo, que os Estados Unidos proíbem a exportação de certas tecnologias para outros países, inclusive a China, que também tem regras estratégicas.

O governo federal projetou venda de chips da Ceitec ainda em 2026. Será possível?

Estamos vendendo o semicondutor de silício, que já produzíamos para identificação por radiofrequências (RFID), usadas nas tags de automóvel para abrir cancelas, acompanhamento de animais no pasto e nas etiquetas de lojas, por exemplo. Mas no caso do carbeto de silício, em lugar algum do mundo se consegue produzir e vender em menos de três anos.

Venderiam para BYD e GWM, por exemplo? As montadoras chinesas que instalam fábricas no Brasil.

É algo que eu acredito, mas temos de negociar para saber se as empresas terão interesse. Vamos explorar este canal. 

Os planos para o BIG Sertório

Fechado no início de 2024 após ter sido transformado em Carrefour, o prédio do antigo BIG da Sertório está na prateleira. A ideia é dar lugar a um empreendimento imobiliário residencial ou comercial, disse à coluna o diretor de Operações do Carrefour no Brasil, Pablo Lorenzo. O grupo francês já recebe algumas ofertas. A estrutura foi oferecida a supermercadistas, mas é considerada muito grande e com forte concorrência no entorno - do próprio Carrefour. O complexo tem o Sam?s Club e a 50 metros há um Atacadão, ambos operados pelo grupo francês. 

ACERTO DE CONTAS


07 de Julho de 2025
POLÍTICA E PODER - Rosane de Oliveira

Eleição marca fim da era Gleisi no comando nacional do PT

A eleição realizada pelo PT nesse domingo para escolha de seus dirigentes municipais, estaduais e nacional marcará o fim de uma era. Depois de 10 anos, a ministra Gleisi Hoffmann transferirá o bastão ao sucessor, provavelmente para Edinho Silva, candidato do presidente Lula e de sua corrente, a Construindo um Novo Brasil.

Como a eleição foi realizada em cédulas manuais, os resultados da contagem dos votos só devem ser conhecidos na tarde desta segunda-feira, mas o adiamento da eleição em Minas Gerais poderá impedir que se saiba nesta semana se haverá ou não segundo turno. Caso nenhum dos candidatos obtenha 50% dos votos válidos, haverá uma nova votação.

E é aí que entra o peso de Minas, com votação em 720 municípios. A eleição foi adiada por que no final da tarde de sábado a deputada federal Dandara Tonantzin, que tivera a candidatura rejeitada pela comissão eleitoral e estava fora do pleito por causa de uma dívida, conseguiu uma liminar na Justiça e teve a candidatura assegurada.

Na impossibilidade de incluir seu nome às pressas na cédula já impressa, o diretório de Minas adiou a votação. A nova data será conhecida nesta terça-feira.

Além de Edinho, ex-prefeito de Araraquara e ex-secretário de Comunicação do Palácio do Planalto no governo Dilma Rousseff, disputam a eleição o ex-presidente do PT Rui Falcão, Romênio Portela e Valter Pomar.

Principal desafio será a eleição de 2026

O novo presidente terá como desafio organizar a campanha de 2026, em um cenário de dificuldade para o partido nos Estados e para Lula, pré-candidato do PT à reeleição, mas em crise de popularidade, de acordo com todas as pesquisas. Como Lula também enfrenta problemas no relacionamento com aliados que foram decisivos para a sua eleição em 2022, caberá ao novo presidente reconstruir esses laços.

Edinho é considerado o mais moderado entre os candidatos e, por isso, enfrenta resistências na esquerda do PT, que prega uma guinada rumo às origens do partido, mais distante do centrão e mais próximo dos movimentos sociais. _

Proteção contra as cheias em debate

Os empecilhos às obras de proteção contra as cheias estarão em debate na reunião-almoço Tá na Mesa, da Federasul, nessa quarta-feira.

A abordagem será feita pelo senador Luis Carlos Heinze (PP) e pelos prefeitos de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), de Eldorado do Sul, Juliana Carvalho (PSDB), e de Taquari, André Brito (PDT), presidente da Associação dos Municípios da Região Metropolitana (Granpal). _

Indicada pelo vice-governador Gabriel Souza, a vereadora Lourdes Sprengler, do MDB, assumiu a diretoria-geral na Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social.

Brics vai do óbvio à surpresa, passando pela omissão

Nada pode ser mais óbvio na declaração final da cúpula do Brics, no Rio de Janeiro, do que a defesa do multilateralismo. Essa é uma das razões de existir esse acordo entre países que têm mais diferenças do que semelhanças entre si.

O texto final é um arranjo diplomático que tenta marcar posição sem avançar demais para não contrariar os sócios.

O comunicado final defende a solução de dois Estados (Israel e Palestina) para acabar com a crise no Oriente Médio. É uma posição histórica e confortável pelo Brasil, mas não para o Irã dos aiatolás, contrários à existência do Estado de Israel - e essa mudança pode ser uma boa surpresa.

Os líderes condenaram os ataques ao Irã, mas ignoraram os lançamentos contra a Ucrânia, país que vem sendo sistematicamente bombardeado pela Rússia (o R da sigla Brics).

Os líderes evitaram atacar a guerra comercial de Donald Trump, já que cada um negocia com os Estados Unidos uma forma de evitar o tarifaço. _

MDB faz reunião regional e reafirma apoio a Gabriel Souza

Pacificado depois de ter se dividido em 2022, o MDB gaúcho não tem mais dúvida em relação ao caminho que seguirá em 2026.

No sábado, cerca de 500 filiados de 58 municípios das coordenadorias Carbonífera e Vales do Rio Pardo e do Taquari participaram de um ato em Rio Pardo e reafirmaram o compromisso com a candidatura do vice-governador Gabriel Souza ao Piratini. Essas regiões somam cerca de 700 mil eleitores, onde o MDB conta com 17 prefeitos, 16 vices e 135 vereadores.

Os ex-governadores Germano Rigotto e José Ivo Sartori e o ex-senador José Fogaça, participaram do encontro. _

Incerteza atrasa troca de secretário

Uma semana depois de ter anunciado que aceitou o convite para ser secretário de Justiça e de Direitos Humanos, o deputado Thiago Duarte (União Brasil) ainda não foi nomeado.

O que está atrasando a substituição é a incerteza em relação a quem assumirá a cadeira de Dr. Thiago na Assembleia, se a primeira suplente, Bárbara Penna, que foi para o Podemos, ou o segundo suplente, Ruy Irigaray. _

Nas mãos de Melo

O Cidadania indicou Élvio Santos, chefe de Gabinete do secretário Cassiá Carpes, para substituí-lo na Secretaria de Governança e Patrimônio de Porto Alegre.

Embora a vaga seja do partido, a confirmação não é automática. Depende do prefeito Sebastião Melo. _

POLÍTICA E PODER


07 de Julho de 2025
INFORME ESPECIAL - Vitor Netto

O papel do Brasil na cúpula dos Brics

Líderes dos países emergentes se reúnem em mais uma cúpula do Brics. Apesar de o evento se estender até hoje, a declaração final foi divulgada ontem (leia mais na página 14) e abordou pautas que já eram apontadas como prioritárias por especialistas: a cooperação em relação à saúde global, inteligência artificial, comércio, investimento e finanças, desenvolvimento institucional, mudanças climáticas e segurança internacional.

Professor de Relações Internacionais da PUCRS, João Jung, em conversa com a coluna, destacou alguns desses temas que tocam de maneira especial o Brasil:

- A regulação de inteligência artificial, por exemplo, é uma coisa muito importante quando pensamos no Brasil. Ano que vem temos eleições e, hoje em dia, com o deepfake, com o avanço da inteligência artificial, como é que ficam as disputas políticas eleitorais? Como que se pode regular isso? Como que isso pode ser regulado em um nível multilateral ou discutido em um fórum como os Brics? - ponderou.

Há a discussão de novos membros e a preocupação com a institucionalização desses nomes. Jung também citou a preocupação brasileira com as mudanças climáticas:

- É algo que impacta todos os países, dentro da questão de transição energética, muito importante na China, que hoje encabeça discussões em relação a isso, e muito importante para o Brasil, pensando que vamos sediar a COP30.

O professor avalia que discussões sobre os conflitos na Europa e no Oriente Médio também estarão entre os assuntos tratados na pauta da segurança internacional.

De todos os temas, esse talvez é o que o Brasil mais se afaste, menos tenha interesse em discutir, porque é onde ele pisa em ovos para não afetar aquilo que chamaríamos de uma equidistância pragmática que se faz entre esses países orientais, como Rússia e China, que são vistos com desconfiança, e Irã agora também, visto com desconfiança pelo Ocidente, que é um parceiro tradicional e importante para o Brasil. _

O "boom" de eventos

Até o fim de 2025, o governo brasileiro lidera os Brics. Jung avalia que, só nessa função, já há um protagonismo formal do Brasil. Além disso, lembra que o país já vem com um "boom" de grandes eventos, como o G20 em novembro do ano passado, agora a Cúpula do Brics e, em novembro, a COP30:

O Brasil é um protagonista natural do Brics, membro original e que nutre as melhores relações. Rússia e Índia têm algumas rusgas históricas, Rússia e China, China e Índia. O Brasil é, desde a origem, uma espécie de mediador entre esses países. É um país central, ainda que não por questões econômicas, como seria a China, nem por questões militares, como seria a Rússia, mas do concerto político-diplomático. _

Entrevista - Lauro Mattei

Coordenador do Núcleo de Estudos de Economia Catarinense (Necat) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

"Chama atenção esse movimento pendular entre RS, PR e SP"

O IBGE mostrou que Santa Catarina se tornou o principal destino de brasileiros que decidem mudar de Estado. Entre 2017 e 2022, o Estado recebeu 503 mil migrantes interestaduais, sendo que 134,8 mil foram do RS. A coluna conversou com Lauro Mattei, coordenador do Núcleo de Estudos de Economia Catarinense da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

O que é mais importante observarmos nos dados?

Analisarmos de onde vêm essas pessoas. Do Rio Grande do Sul, são 134 mil; do Paraná, 96 mil; e de São Paulo, 62 mil. Somente esses três Estados representam quase 50% dos migrantes, com o RS respondendo por 27%. Mas o que mais chama atenção é algo que, na prática, já sabíamos: esse movimento pendular entre Estados vizinhos: RS, PR e SP. Quando observamos para onde vão os catarinenses que saem, o destino são os mesmos. Dos 149 mil que deixaram SC, 76% foram para esses Estados. O que significa? As condições de proximidade e de infraestrutura, permitem esse deslocamento mais próximos, em uma região que é muito conectada em termos econômicos, de atividades produtivas e de emprego.

O que explica essa migração pendular?

São três pontos: por um lado, a questão econômica, que tem toda a dinâmica do Centro-Sul do país e os mercados de trabalho. Por outro lado, tem a questão de transporte, que facilita esse deslocamento. Esses fatores de infraestrutura e a proximidade geoeconômica é o que chamamos de centro dinâmico da economia do Brasil. Há, ainda, a infraestrutura que existe nesses Estados, seja em termos de habitação, saneamento, energia, educação, saúde, e a facilidade de deslocamento.

O que mais atrai migrantes para SC?

São três explicações muito claras: primeiro o mercado de trabalho. Em SC, tem três condições que são extremamente atrativas para a população. É o Estado com mais baixas taxas de desemprego, tem um alto índice de formalidade das relações de trabalho e tem o nível de renda média dos empregos mais elevado do país. A segunda explicação é sobre as condições estruturais, na área de serviços ofertados à população. O serviço de saúde, de educação e de transportes, você tem uma infraestrutura bem articulada e ágil. E o terceiro, que acho que tem uma característica importante, é o acolhimento de pessoas mais idosas, ou seja, de aposentados. Você vai criando na faixa litorânea de SC um conjunto de cidades de aposentados de outros Estados. Você vai nesses municípios e é uma população já com um padrão de renda de aposentado, que vai curtir o resto da vida nesses espaços.

Quais as principais regiões de destino dos migrantes?

No caso dos brasileiros, é uma mescla muito forte. Você tem no litoral Norte e sobretudo na região de Joinville, Jaraguá, São Francisco do Sul, uma expansão bastante grande no setor da indústria. Você perdeu o fluxo em direção ao Vale de Itajaí por causa da desestruturação do setor têxtil, e agora um grande apelo no setor de serviços. O comércio é mais restrito em algumas cidades polos regionais. E tem a mão de obra, que é bem sazonal para os períodos típicos de atividades mais intensas. Em síntese, como você tem uma economia altamente diversificada e regionalizada, as pessoas vão encontrando espaço para se alocar enquanto empregados e a partir daí organizar sua vida com emprego e com renda.

Nas pesquisas de vocês na UFSC, com as catástrofes no RS, aumentou a migração para SC?

Com certeza. Sobretudo na prestação de serviços: Uber, iFood, área de turismo, pessoas oferecendo assessoria, que trabalham com informática... Conheci vários que vieram para Florianópolis, estão morando na praia e estão trabalhando em home office. E isso tem uma característica importante que facilita a migração de pessoas qualificadas, porque você pode tranquilamente morar em uma casa, em um apartamento em uma praia onde o custo é bem inferior durante a baixa temporada, e trabalhar de casa. _

INFORME ESPECIAL

sábado, 5 de julho de 2025



04/07/2025 - 13h51min
Martha Medeiros

Viajar é um vício, um prazer, um tratamento de saúde mental

Não é porque se está fora de casa que se pode agir feito um ogro, desrespeitando o silêncio alheio e a cultura de cada povo

Com adesão voluntária é melhor não contar: ninguém vai deixar de renovar o passaporte.

Gilmar Fraga / Agencia RBS

A pandemia trancou 7 bilhões de pessoas em casa. Quando acabou, éramos 7 bilhões de estressados, com abstinência de liberdade e craques em trabalhar online. Debandamos, claro. As vielas de Veneza hoje parecem formigueiros humanos, comprometendo o patrimônio histórico e elevando o custo de vida de quem lá nasceu, mas quem se importa, além dos moradores? Veneza é só um exemplo da invasão em massa. 

Protestos têm sido feitos nos mais cobiçados destinos turísticos, mas levantar cartazes têm pouco efeito prático. Alguns nativos reagem infantilmente, como os barceloneses que apontam pistolas d’água para os turistas. Com os termômetros batendo os quarenta graus, fazem até um favor a quem se arrasta pelas Ramblas com uma mochila pesada nas costas.

Alguns londrinos adotaram uma forma mais radical de expulsar os chatos. Desde quando foi lançado o filme Um Lugar Chamado Notting Hill, o bairro passou a concentrar alto índice de visitantes que fazem questão de conhecer a livraria “do Hugh Grant” e o conjunto de casas coloridas que dá um ar brejeiro à região. Pois alguns moradores, exaustos de verem seus jardins invadidos por turistas em busca do melhor ângulo para fotografar as fachadas, resolveram pintar suas casas de preto. Adeus, amarelinho, rosinha, azulzinho. Casas pretas. Notting Hill versão Família Addams.

Em Paris, há duas semanas, funcionários do Louvre organizaram uma greve relâmpago e fecharam as portas, deixando os turistas do lado de fora, com ingresso na mão, sem entender nada. Reivindicavam um limite de visitação, antes que o caos se instale no famoso museu. E nos aeroportos, na entrada das salas vip, as filas também andam gigantes. O que era para ser uma área destinada a poucos, se tornou acessível a todos, devido a ampliação das vantagens oferecidas pelos cartões de crédito. O benefício é vendido como “premium”, mas o que se vê é uma horda disputando o pão de queijo grátis.

Seria pedir demais que voltássemos a ter uma vida amena, ponderada, sem tanta ansiedade? 

Difícil reverter a situação, uma vez que o turismo impulsiona a economia mundial. Estudam-se paliativos, como exigir taxas de entrada nas cidades, impedir a construção de novos hotéis em zonas centrais e estimular a visita a lugares ainda não explorados, os tais paraísos secretos. 

Com adesão voluntária é melhor não contar: ninguém vai deixar de renovar o passaporte. Viajar é um vício, um prazer, um tratamento de saúde mental. Eu adoraria que Porto Alegre recebesse mais turistas – até que alguém invada meu jardim e perturbe a minha paz, logo, educação turística vai ter que entrar na pauta. Não é porque se está fora de casa que se pode agir feito um ogro, desrespeitando o silêncio alheio e a cultura de cada povo. Mas enquanto não se organiza essa barafunda, pistola d’água em nós. 


Casamento entre CLT e PJ

Foi-se o tempo em que os pais tinham emprego fixo e saíam de férias nos meses certos - no recesso escolar, seja no verão ou no inverno.

O dilema era contar com condições de viajar. Mas não havia dúvida de que existiria um período definitivo para descansar. Não se disputava folga com colegas, nem se negociavam acordos profissionais. O recesso beneficiava a todos.

Hoje, o cenário mudou: é comum um casal ser formado por CLT e PJ. Um com carteira assinada. O outro, pessoa jurídica. É assim no meu casamento.

Beatriz é advogada de banco. Precisa planejar seus 30 dias corridos de férias com antecedência. Já eu sou por minha conta e juízo. Não desfruto de férias, décimo terceiro, rescisão. Meu vínculo é pela minha empresa. Se eu adoecer, não há sentido em apresentar atestado. Vou entregá-lo para mim?

Minha esposa tem emprego. Eu tenho trabalho. São dimensões distintas na organização do calendário.

Tornei-me um workaholic sem escolha. Relaxo em semanas entre palestras, de modo repentino, ou aproveito algum pedaço de janeiro, algum naco de julho. Por sua vez, ela é condicionada por lei a usar o descanso antes que vença.

Não dá para fazer tudo junto. Senão, vamos enlouquecer em crises de ciúme e inveja. Remakes de lua de mel são inviáveis. Eu a deixo ir. E mais do que isso: incentivo. Saber que ela está feliz me traz alívio para me concentrar nas tarefas.

Que viaje com suas amizades e com sua família. Que viva dias leves enquanto eu sigo focado na lida. Ofereço apoio. Porque ela merece - trabalha tanto quanto eu. E porque prender a parceira não é justo - é avareza emocional.

Já não é mais possível uniformizar horários, ritmos e necessidades. Um acorda cedo, o outro vira a madrugada. Um tem fim de semana, o outro, plantão. O casamento é obrigado a se reinventar com as agendas desencontradas.

É perder o lazer para não pôr a perder os sonhos. É confiar nos projetos compartilhados, mesmo diante das situações adversas. Acredite no amor mais do que nas circunstâncias. A verdadeira afeição não compete por descanso. Você torce pela pessoa, ainda que esteja sobrecarregado.

É ajeitar dentro de si aquele desconforto contraditório: por que ela está na praia e eu preso numa planilha? É não se enganar pelas aparências. É relevar as restrições de cada um. É sentir o orgulho silencioso de manter a casa funcionando enquanto o par viaja. Realizar o invisível com alegria. Demonstrar a elegância do discernimento.

Pois a retaguarda também é cuidado. Não se deve sucumbir ao mito da simetria e da dependência. Nas diferenças, perdura a reciprocidade de intenções. Que minha esposa descanse sem carregar culpa na bagagem.

Tem gente que viaja e manda lembrança. Tem gente que fica, e é lembrança, e é saudade.

Que aceitemos o novo mundo do trabalho. É um privilégio vadiar a dois, mas é um dever permitir que quem amamos usufrua de seus direitos. CLT e PJ: os opostos se atraem - e se respeitam. 

CARPINEJAR