
Mistério entre duas praças próximas
O porto-alegrense é misterioso. Por mais que exista pesquisa de mercado, nunca definimos com precisão por que um lugar dá certo e outro não.
Como o morador da Capital é fiel aos hábitos - escuta a rádio que os pais escutavam, assina o jornal que os pais assinavam, repete os restaurantes da infância -, depois que uma predileção se consolida, é difícil fazê-lo mudar de ideia.
Não deixará jamais de frequentar seus pontos turísticos, em detrimento de novos. Quem vai à Redenção nunca se ausentará de bater o cartão-ponto ali a vida inteira. Quem vai ao Parcão jamais alterará seu destino. Quem vai à Orla não será persuadido a seguir itinerário diferente.
Experiências bem-sucedidas não são trocadas. Nenhuma novidade vence a tradição. Um caso emblemático é o da Praça Gustavo Langsch, rodeada pelas ruas Artur Rocha, Desembargador Moreno Loureiro Lima, Professor José Salgado Martins e um trecho da Engenheiro Afonso Cavalcanti.
É um dos mais belos recantos no outono, com as árvores caducifólias manchando o chão de amarelo, laranja e vermelho. Não deve nada, em termos de solo colorido e purpúreo, ao Central Park.
Mas está sempre vazia. Recebe visitantes esparsos e solitários. O que causa estranheza é que ela é muito parecida com a Praça da Encol, exibindo uma rota excelente para caminhada.
Só que a Praça Carlos Simão Arnt, conhecida popularmente como Encol - entre a Avenida Nilópolis e a Rua Jaraguá, a menos de um quilômetro dali -, conserva-se lotada, um formigueiro no início e no fim do dia.
Ambas têm quase a mesma extensão, entre 25 mil e 30 mil metros quadrados, estão localizadas no mesmo bairro (Bela Vista), com a mesma iluminação, com o mesmo cenário, mas uma enche e a outra permanece deserta.
Algumas observações costumam ser usadas como desculpas: a Praça Gustavo Langsch constitui um reduto pouco funcional, em um declive, exigindo subir e descer lomba; é úmida no inverno, ligeiramente mais escondida, sem uma grande avenida passando ao seu largo. Porém, são pecados veniais, adaptáveis.
Nem dá para justificar a aglomeração na Encol pelas quadras de vôlei, futebol ou beach tennis, já que esse movimento é recente, e quadras poderiam ser construídas também no parque vizinho.
É um enigma a adoção de um espaço como símbolo da Capital e a orfandade do que está ao lado, que se mantém como um território esquecido. No primeiro, as pessoas se reúnem para piqueniques e tertúlias com chimarrão e cadeiras de praia; no segundo, os balanços apenas servem aos filhos do vento.
São como irmãos brigados, ou afetos dissidentes.
As praças Carlos Simão Arnt e Gustavo Langsch preenchem arquétipos de oposição. Tudo e nada simultaneamente. São nossos Caim e Abel, Jacó e Esaú, Rômulo e Remo, Edmundo e Pedro (As Crônicas de Nárnia, C.S. Lewis), Hamlet e Laertes (Shakespeare), Set e Osíris (mitologia egípcia), Scar e Mufasa (O Rei Leão, inspirado em Hamlet).
Meu ímpeto é sair com um apito e chamar o povo da Encol para a Gustavo Langsch, distribuir a atenção e a afeição, mostrar o quanto aquela área verde é igualmente agradável e prazerosa para a prática de exercícios físicos, para o passeio com os cães, para os encontros familiares.
Eu me sento na grama com um livro, escolho uma sombra para mim e fico esperando alguém me interromper, fico esperando alguém surgir para puxar conversa.
Ninguém nunca vem. É uma solidão de caracol.