sábado, 30 de junho de 2018


30 DE JUNHO DE 2018
LYA LUFT

Pão & circo


Não falo apenas no pão e circo do velho Nero, que, diante da insatisfação dos explorados romanos, mandou que lhes dessem mais pão e circo. Essa verdade abrange séculos, quem sabe milênios. Gladiadores se mutilando, inocentes devorados vivos por feras, sangue e entranhas, miséria grassando lá fora, tiranos loucos, e a gente aplaudindo enquanto comia pão seco e torcia, berrava, aplaudia. Nas nossas vidas pessoais, pode acontecer algo parecido, sem feras sanguinárias nem tiranos loucos. 

Está tudo confuso, preocupante, assustador, então vamos às compras, uma camiseta de R$ 10 ou uma bolsa de vários milhares, uma ida ao shopping só pra olhar ou uma fugidinha pra Miami ou Nova York. Pode ser uma amante, um namoradinho, uma balada, um bom livro, um bom uísque, um bom papo com amigas ou amigos, um passeio de carro vendo o rio e as nuvens, ou simplesmente uma tarde no quarto chorando.

Mas, de preferência, uma das distrações acima, porque chorar dá medo de não conseguir parar nunca mais, sobretudo se for uma perda trágica que nos estraçalha apesar dos esforços e do tempo amigo, que nem sempre cura (abranda). Então também pessoas têm seus dias de pão e circo pra não desanimar, não enlouquecer, não fugir correndo, não se matar.

Nestes tempos de Copa do Mundo, eu, que não entendo de futebol, mas gosto e assisto, ouço comentar que o tempo pode ter sido escolhido para acontecerem alguns golpes baixos enquanto estamos distraídos torcendo ou secando. Alguém me diz: "Poxa vida, você gostar de futebol?". Bem, sinto muito, mas sou gente. Gosto de seriados como Criminal Minds, leio romances do gênero e, de momento, para descarregar minha agressividade (em geral moderada) com a situação aqui fora, entro no meu iPhone e releio o Ascensão e Queda do Terceiro Reich, de William Shirer. 

Em inglês, pra não perder o costume e não exercer o feio vício profissional de encontrar esquisitices na tradução (sim, eu às vezes também leio no iPhone, levando comigo para toda parte um livrão de mil e muitas páginas. Novos tempos, sem abdicar dos velhos hábitos).

Então, aqui, vejo futebol com Vicente, lembrando meu pai há tantas décadas ouvindo futebol no rádio nas tardes de domingo, entretido e fascinado, berrando a cada gol do seu time, enquanto minha mãe rondava, mal-humorada, reclamando baixinho que domingos à tarde ela não tinha marido.

Nestes dias difíceis que nos enchem de preocupação, é bom entrar nessa do pão e circo? Por que não? Pular, gritar, vestir a camiseta, botar chapéu ou óculos bizarros, vender a alma para poder viajar para a Rússia, tudo isso nos alivia. Quem sabe a gente tenha mais energia, mais lucidez, depois de um breve tempo esquecendo a pobreza, as dívidas, o emprego ameaçado, a mulher trabalhando em três turnos... a incerteza. 

Atualmente, nem bebo, nem danço, nem viajo, nem visto camiseta, mas aqui e ali vejo jogos, torcendo, sem entender nada das regras, mas encantada com as coisas humanas: a violência de alguns, a solidariedade de outros, o desânimo, a esperança, a glória, o abatimento, as manhas e tramas, e o marido de vez em quando me iluminando com algum bem-vindo comentário (ou eu ficaria demais nas nuvens).

Merecemos muito mais momentos bons e leves no dia, na vida, sem circo nem espetáculo, sem inocentes despedaçados enquanto nos distraímos com a arena.

LYA LUFT

30 DE JUNHO DE 2018
MARTHA MEDEIROS

Marciana


Apaixonar-se é ganhar um visto para entrar em outro planeta. A gente descobre cheiros e sabores desconhecidos, um vocabulário diferente, histórias novas, lugares em que nunca estivemos, enfim, lidamos com o deslumbramento de estar em outro mundo o mundo do outro.

Há quem permaneça neste novo planeta por pouco tempo e logo retorne para o seu, e há quem se instale em definitivo: pede asilo e se naturaliza. Amar é sempre uma viagem. De ida e volta, ou só de ida.

Afora a aventura amorosa de explorar um universo diferente, não costumo me distanciar muito do meu território, pois não acho agradável me sentir uma marciana - e o fato é que me sinto, às vezes. Acontece quando leio o noticiário político, quando estou entre pessoas pedantes, quando testemunho preconceitos ou pieguices, e até em situações bem triviais, como quando alguém puxa um Parabéns a Você. Pois é, coitado do Parabéns a Você, tão inocente, mas é inevitável: a canção começa, e na mesma hora brotam duas antenas verdes na minha cabeça e um terceiro olho no meio da testa.

Cultos religiosos também têm esse poder de me transformar num ET. Oração, pra mim, é algo privativo e silencioso. Já em grupo, não consigo me encaixar. Gosto de igrejas vazias - e de teatros lotados. No entanto, até mesmo num teatro posso vir a me sentir estrangeira, nos casos em que a plateia ri por nada, como se rir fosse obrigatório. Uma vez, estava assistindo a uma peça trágica sobre um casal que havia perdido o filho, e, mesmo assim, algumas pessoas achavam graça. Refletir não basta? Se comover não basta? No meu planeta, basta.

Frequento desde churrasco na laje até festa em castelo, mas, se eu perceber que estou longe demais da minha turma e da minha essência, a marciana surge e me ordena: embarque logo na nave e vamos pra casa. Deve ser consequência da passagem do tempo, maturidade não é período para desperdícios. Tem sido cada vez mais fundamental me sentir inteira onde estou, e não uma turista.

? ? ?

E aqui dou um salto para falar de inclusão. Pessoas que sofrem de alguma deficiência costumam viver à parte da sociedade, em um planeta com o qual não interagimos. É por isso que o Clube Social Pertence está inaugurando uma ONG com a missão de promover a socialização e a independência de jovens que podem fazer tudo o que fazemos, bastando dar a eles uma oportunidade. 

No próximo dia 9 de julho, às 19h30min, na pizzaria Fratello Sole do Shopping Iguatemi, em Porto Alegre, isso será demonstrado na prática, com a garotada colaborando na cozinha e no serviço do jantar. Quem quiser conhecer melhor o projeto desta importante ONG, compareça. Ser portador de uma deficiência não deve impedir ninguém de se sentir inteiro onde está, e eles estão aqui, ao nosso lado, no mesmo mundo que a gente.

MARTHA MEDEIROS


30 DE JUNHO DE 2018
CARPINEJAR

Quando caía a luz

Era fundamental, há duas décadas, ter uma gaveta em casa com velas e lanterna. Todo mundo conhecia o paradeiro de emergência na hora em que faltava luz. E faltava luz com muita regularidade.

Não contávamos com as luzinhas do celular e recursos tecnológicos. Tratava-se de artigos necessários para manter a segurança. Quase como uma malinha de primeiros-socorros.

Aprendíamos a apalpar os móveis. Treinávamos os movimentos no escuro. Dançávamos de olhos fechados pelos corredores. Driblávamos as quinas das mesas e as pernas das cadeiras.

O mais encantador da queda de energia vinha a ser o silêncio. Somos tão olhos que não reparamos no barulheira que nos cerca e que não nos permite em nos fixar em quem está próximo.

Os aparelhos desapareciam e nos reencontrávamos com a quietude. Começávamos uma busca pelo outro pela respiração. Significava uma trégua de grande intimidade com os pais. Sem a visão, queríamos estar perto deles, não desejávamos fugir para outros lugares e tarefas.

- Onde está? Fique aí que vou lhe resgatar.

Sentávamos no sofá, abraçados, amontoados, com as velas bruxuleando ao redor. Precisávamos nos ocupar com histórias. Não sofríamos com a concorrência de passatempos e distrações.

Predominava uma imprevisível exclusividade. Realmente prestávamos atenção no pai e na mãe, nas nossas lembranças de pequeno, nos causos e nas brigas engraçadas, nos nossos pequenos poderes. A mãe recordava que a Carla já sabia ler com três anos, de que o Miguel acreditava que poderia voar de super-homem segurando-se nos varais, de que o Rodrigo devorava a enciclopédia como se fosse uma história com início-meio-fim e que eu, um dia, me escondi numa cova aberta de cemitério de Caxias e me fingi de morto para dar susto nos outros como se estivesse ressuscitando.

E nos sentíamos especiais, amados, admirados, guardados. Eu me orgulhava de meus irmãos: havia esquecido de como eles eram legais.

Gritávamos de felicidade: - Contem mais!

Ríamos alto, batíamos palmas, enquanto os pais nos devolviam as nossas vidas, testemunhas privilegiadas de nosso crescimento.

Na hora em que voltava a luz, estranhamente, parecia que saíamos de um transe de ternura e cada um retornava para a sua solidão. Mas ainda guardo a certeza de que o apagão nos ressarcia a luz própria. Iluminávamo-nos pelas nossas vozes. E esperávamos, ansiosamente, pelo próximo escuro para nos dar as mãos de novo.

CARPINEJAR

30 DE JUNHO DE 2018
PIANGERS

Amor de vô


Um avô me parou esses dias no final de uma palestra. Se você acha que amor de pai é grande, espere até se tornar vô, disse. Duvidei. Amor de pai é tão grande, ter filhos dá tanto trabalho, exige tanta dedicação, que amamos nossas obras como se fosse o projeto de nossas vidas. Mas depois de ser vô você percebe que não deveria ter se preocupado tanto. Amor de vô é amor puro, compreensivo e afetuoso. A gente olha pro nosso filho, pensa em tudo o que errou e tenta acertar com o neto, contou o senhor. A gente aprende que ser duro demais ou preocupado demais ou estressado demais com dinheiro é bobagem, disse. Amor de vô é puro amor, sem preocupações bobas.

Realmente, tenho tantas preocupações bobas. Obrigo as meninas a comerem todo o almoço. Exijo que ponham os pratos na pia. A mais velha lava louça, a mais nova, às vezes, seca (apenas os itens de plástico, já quebrou copos demais). Peço que digam "por favor", "com licença", "obrigado". Regulo o tempo vendo televisão. Cobro desempenho escolar. Não permito doce antes das refeições. Insisto para que lavem as mãos e escovem os dentes. Sou chato! Terrível! O pior pai do mundo!

Já ouvi mais de uma vez, de diversas pessoas: "todo amor que meu pai não me deu agora dá para meus filhos". Os netos parecem ser a redenção para pais que amaram de menos, trabalharam demais, foram duros e insensíveis. Agora se derretem com os bebês dos filhos. "Devia ter sido mais relaxado", parecem dizer.

Tenho medo de que minhas filhas sejam fúteis, comprometidas apenas com o próprio bem-estar sem olhar ao redor. Tenho medo de que valorizem o material, que não façam bons amigos. Quero que sejam bem-sucedidas na profissão que escolherem, é claro, e não sofram desilusões amorosas. Sou estressado demais, sem dúvidas. Preocupado demais. Devo ser menos pai e mais vô? Ou cada um tem a sua função? Devo estressar minhas filhas para que sejam boas e cumprir minha função de avô mimando meus netos? Terei netos? Ou ficarei esperando em vão o momento de amar crianças sem preocupações, como aquele avô me disse ser possível?

Amor de pai e mãe é cheio de culpa. Não sabemos nunca se estamos certos. Não sabemos se estamos mimando demais ou abraçando de menos. Se estamos formando anjos ou monstrinhos. Se seremos pais orgulhosos ou envergonhados. A insegurança nos acompanhará por anos. Até que nossos filhos cresçam e nos mostrem onde erramos e onde acertamos. Nossos netos serão nossa redenção.

PIANGERS


30 DE JUNHO DE 2018
CLÁUDIA LAITANO

SABOR DE VENENO

Todos os tipos de poluição têm origem na dificuldade de reconhecer até onde sua liberdade pode ir antes de invadir o espaço alheio. A poluição do ar, por exemplo. Durante muito tempo, foi considerado normal jogar fumaça tóxica na atmosfera como se não houvesse amanhã. Nunca foi bem visto jogar lixo na calçada na frente de casa ou na esquina mais próxima, mas, por algum motivo, o lixo anônimo de uma indústria saía de esgotos e chaminés com a inocência de borboletas flanando no bosque em uma manhã de primavera.

Foi preciso que alguns chatonildos começassem a se recusar a respirar produtos químicos em doses industriais para que surgissem as leis que regulam, ou tentam regular, os subprodutos que vão parar na atmosfera. O mesmo vale para dejetos que são jogados nos rios, nos mares, nas matas - e, em situações extremas como Mariana, dentro daquilo que um dia foi a casa de alguém. Em muitos lugares, ainda vigora o popular "se colar, colou". E, mesmo não colando mais, continua-se a despejar lixo no ar, na água, na comida. Como se não houvesse amanhã - e, se continuarmos assim, não vai haver mesmo.

No plano miudinho da vida cotidiana, existem milhões de situações em que a dificuldade de respeitar o espaço alheio nos transforma em usinas bípedes de poluição do ambiente comum. Uma das mais disseminadas até pouco tempo atrás - fumar em locais fechados - foi disciplinada após décadas de consumo involuntário de fumaça. Os fumantes acreditavam genuinamente que estavam exercendo o direito inalienável de pensar apenas no próprio prazer. 

O mesmo vale para a poluição sonora. No Brasil, o ruído inconveniente ainda é confundido com "descontração". Levar caixa de som para a beira da praia, falar alto no bar quando um artista está se apresentando ou conversar no meio do filme é tão natural hoje quanto era fumar no elevador nos anos 1960. (E se alguém por perto perder a paciência e pronunciar a ofensiva palavra "silêncio", corre o risco de ser acusado de estar invadindo a liberdade alheia. Liberdade para importunar, no caso.)

Para que os direitos de quem come, respira, vê e ouve sejam respeitados, a cultura de uma sociedade (mais ou menos inclinada a distinguir o espaço público do espaço privado) deve combinar-se às leis e à fiscalização, criando assim um ambiente de segurança, conforto e qualidade de vida para todos. No Brasil, nos faltam a cultura e a fiscalização, mas sobram leis para serem desrespeitadas. Ou sobravam. Estamos correndo o risco de perder até mesmo nossas leis pouco cumpridas.

Na última segunda-feira, a comissão que analisa novas regras para a regulação de agrotóxicos no país aprovou um relatório favorável à mudança na legislação. O relatório derruba restrições à aprovação e uso de agrotóxicos no Brasil, incluindo os mais perigosos, com características teratogênicas (causadoras de anomalias no útero e malformação no feto), cancerígenas ou mutagênicas. Na prática, a Anvisa e o Ibama perdem poder de fiscalização, enquanto o Ministério da Agricultura sai fortalecido. Para entrar em vigor, o texto precisa agora passar pela Câmara e pelo Senado.

O assunto envolve vários interesses, mas agrotóxicos nunca serão inofensivos como borboletas. Se não podemos contar que a preocupação com a saúde vá falar mais alto do que os interesses econômicos envolvidos nesse tipo de disputa, leis duras e fiscalização séria são a única chance que temos contra os que estão dispostos a temperar nossa salada com veneno sabor "se colar, colou".

CLÁUDIA LAITANO

30 DE JUNHO DE 2018
DRAUZIO VARELLA

EXPECTATIVAS DA VIDA


Os brasileiros vivem cada vez mais. Quem nasceu em 1940 tinha expectativa de viver em média 45,5 anos. Entre os que vieram ao mundo em 2016, a média será de 75,8 anos. Se tiverem a sorte de nascer em Santa Catarina, a expectativa aumenta para 79,1; no azar do Maranhão, cai para 70,6.

De 1940 para cá, o ganho médio de 30 anos na duração da vida ocorreu principalmente graças ao saneamento básico, à melhora da nutrição, às vacinas e aos antibióticos, avanços que reduziram as mortes por doenças infecto-parasitárias e fizeram a taxa de mortalidade infantil recuar de 146 em cada 1 mil nascimentos em 1940 para 13 nos dias atuais.

Futuros aumentos da longevidade serão bem menos expressivos, uma vez que exigirão intervenções complexas para reduzir a mortalidade por ataques cardíacos, derrames cerebrais, diabetes, câncer e infecções por bactérias resistentes, combater o fumo, as epidemias de sedentarismo e obesidade e encontrar soluções para transtornos psiquiátricos e às demências da velhice.

A assistência médica à população que envelhece - e envelhece mal - envolverá custos que a economia brasileira será incapaz de suportar. Não há alternativa: ou evitamos que os mais velhos fiquem doentes ou não haverá dinheiro que chegue.

Veja o exemplo dos Estados Unidos, o país que mais investe em descoberta de drogas, equipamentos, modernização de hospitais e tecnologia médica. O investimento americano em saúde é campeão mundial: 17,1% do PIB. Como o PIB deles é de US$ 19 trilhões, faça a conta: dá aproximadamente US$ 3,2 trilhões, ou seja, destinam à saúde 60% mais do que o nosso PIB inteiro (cerca de US$ 2 trilhões).

Tanto dinheiro para resultados medíocres. A expectativa de vida dos americanos é de 78,7 anos, a mais baixa dos países industrializados. Em Santa Catarina, é mais alta. Na classificação geral de longevidade, o americano médio ocupa a 31ª colocação, embora gaste US$ 9,4 mil por ano.

Os Estados Unidos oferecem ao mundo a oportunidade de entender que o foco das políticas públicas de saúde deve estar centrado na prevenção. Custa os olhos da cara tratar as doenças degenerativas crônicas responsáveis pelas taxas de mortalidade atuais.

Uma análise conjunta de 15 estudos (metanálise) com mais de 500 mil participantes de vários países desenvolvidos, seguidos durante 13 anos, revelou que 60% das mortes prematuras poderiam ser atribuídas a estilos de vida insalubres: cigarro, consumo excessivo de álcool, sedentarismo, dietas pobres e obesidade.

Essa metanálise demonstrou que, em países como Japão, Noruega, Alemanha, Canadá, Dinamarca e Reino Unido, as expectativas de vida poderiam aumentar de 7,4 a 17,9 anos caso a população adotasse hábitos mais saudáveis.

Neste ano, a revista Circulation publicou o estudo mais completo sobre a influência do estilo de vida na longevidade dos americanos. Foram colhidos dados periódicos sobre cinco práticas ligadas ao estilo de vida: fumo, dieta, índice de massa corpórea (IMC = peso/altura x altura), prática de atividade física e consumo de álcool de 79 mil mulheres acompanhadas durante 34 anos e de 44 mil homens acompanhados por 27 anos (números arredondados).

Os participantes foram classificados na categoria de baixo risco quando: nunca fumaram, mantiveram o IMC na faixa entre 18,5 e 24,9, praticavam pelo menos 30 min/dia de exercícios de intensidade moderada ou vigorosa (andar rápido ou correr), bebiam álcool com moderação (mulheres: de 5 g a 15 g/dia; homens: de 5 g a 30 g/dia), estavam entre os 40% dos que se alimentavam da forma mais próxima de uma dieta com ênfase em vegetais (Alternate Healthy Eating Index).

Os autores estimaram a expectativa de vida das mulheres e homens que chegaram aos 50 anos com estilos de vida sem nenhum desses fatores de baixo risco, isto é, foram sedentários, fumantes, com excesso de peso, consumiram mais álcool e dietas menos saudáveis. Concluíram que a expectativa média das mulheres desse grupo foi a de viver mais 29 anos, e a dos homens mais 25,5.

No extremo oposto, naquele dos que chegaram aos 50 anos respeitando os cinco fatores de baixo risco citados, essas expectativas aumentaram para mais 43 e 37 anos, respectivamente.

Portanto, prezado leitor, adotando um estilo de vida de baixo risco você viverá em média até os 87 anos. E você, querida leitora, poderá chegar aos 93. Não está bom?

drauziovarella.com.br
DRAUZIO VARELLA

30 DE JUNHO DE 2018
J.J. CAMARGO

VOCÊ ACREDITA EM ELOGIOS?


Uma secretária experiente é capaz de redigir uma carta de recomendação irretocável. Uma pena que ninguém leia. Nada a ver com o talento da autora, mas simplesmente porque este é um documento tão solicitado quanto inútil. Como se convencionou que é uma grosseria entregá-lo lacrado, quem se sente confortável em denegrir a imagem do candidato que buscou seu apoio porque considerou que a sua opinião faria diferença no futuro dele? E, então, sem alternativas, devemos entregar um documento aberto, sem preocupação com os entretantos da sinceridade?

Alguns políticos, ao receberam pedidos absurdos dos seus apoiadores de campanha tão fiéis quanto medíocres, ficam num impasse: não podem negar amparo a quem os ajudou no passado e deve seguir ajudando no futuro, mas também não pretendem comprometer a sua imagem com os destinatários, oferecendo-lhes descerebrados com celofanes de genialidade. Neste sentido, são famosas as soluções criativas como, por exemplo, a cor da tinta, com significados que variam entre "leve a sério" e "esqueça este pedido, pelo amor de Deus". Outros têm o cuidado de alertar seus correspondentes para o verdadeiro significado de "probidade inconteste", "comprometimento incomparável" e "criatividade nunca vista".

O problema é que a verdade, na maioria das vezes, é áspera e incômoda porque, infelizmente, por mais que nos esforcemos para agradar, as pessoas de fato interessantes são raras, e justo por serem assim, originalmente diferenciadas, já foram descobertas e não precisam da recomendação de ninguém. E, então, restam os que gostariam de ser e talvez nunca consigam, mas que não seja por falta de nossa ajuda, e aí voltamos ao início da meada e acabamos nos comprometendo.

No universo acadêmico, essa situação é muito frequente e desgastante. Aqui e no resto do mundo. Um professor, chefe do departamento de Medicina Interna de uma famosa universidade americana, escreveu um capítulo no livro The Best of Medical Humor, relatando a estratégia que adotou ao perceber o enorme desperdício de tempo e dinheiro envolvido na redação, durante um ano, de quase 300 cartas de recomendação de ex-estagiários e mestrandos de seu serviço em busca de postos de trabalho no mercado competitivo dos EUA. 

Idealizou, então, uma carta padrão, com cinco campos abertos em que os adjetivos podiam variar. Para cada campo, um adjetivo, entre os quatro possíveis, era selecionado, e assim a carta estaria pronta em 30 segundos, com uma apreciável economia do tempo de trabalho da secretária. Cada chefe de departamento universitário recebia, previamente, uma correspondência fechada com uma espécie de glossário, em que o verdadeiro significado de cada adjetivo, pretensamente elogioso, era explicitado. 

Assim, um "temperamento inquieto" que parecia tão adequado a um cientista queria mesmo descrever um egocêntrico com problemas de concentração, que não ouvia ninguém, ou o "extraordinariamente organizado" para identificar um portador de TOC incontrolável, ou "extremamente sensível" para reportar alguém que chorava durante o relato de casos graves, ou ainda "uma personalidade voraz" que daria a entender que se tratava de uma mente aberta e fascinada pelo novo, mas queria apenas avisar que ele "roubava comida da bandeja dos pacientes". O certo é que, por generosidade ou acanhamento, temos dificuldade de emitir opinião negativa sobre o desempenho dos outros e sempre escolhemos elogiar.

A maturidade nos torna cada vez mais intolerantes a duas condições: o discurso sem emoção e o elogio bajulado. O que surpreende é o número de pessoas que deviam, pela alta rodagem, ter esses conceitos estabelecidos, mas não resistem à tentação da demagogia. Isso explica, em grande medida, a náusea dos encontros com políticos profissionais. Melhor encontrá-los só na TV, mesmo com aquela cara apalermada de quem não entende que não é a câmera que deve procurar o olhar do candidato. Jamais votar em quem escorrega o olhar bem podia ser o começo da nossa redenção. Se já soubéssemos disso, o Aécio não teria conseguido 51.041.155 de votos.

jjcamargo.vida@gmail.com
J.J. CAMARGO

30 DE JUNHO DE 2018
OPINIÃO DA RBS

UM MARCO NOS INVESTIMENTOS


Com a evidência de que Porto Alegre precisa e pode melhorar, traduzida pela nova orla, espera-se que a justa comemoração sirva de estímulo a novos empreendimentos e investidores

Ainauguração da nova orla do Guaíba revela bem mais do que uma área nobre de Porto Alegre que vinha sendo subaproveitada pela população. O empreendimento faz recordar a porto-alegrenses e gaúchos o fundamento do serviço público: investir em obras e melhorar a qualidade de vida da população. Mostra também que, acima das disputas partidárias, a manutenção de um bom projeto iniciado em administrações anteriores não deve e não pode parar por vaidades eleitorais, que tanto mal causam ao Rio Grande do Sul.

A entrega do primeiro trecho remodelado da área na qual a história do município teve início e que se constitui num de seus cartões-postais contrasta com o estado de penúria no meio urbano, de maneira geral. O aspecto de abandono é o resultado da falência de um modelo de sustentação econômica da gestão pública, que se reflete no Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM) de 2018. Porto Alegre nem sequer figura entre as 10 capitais mais bem avaliadas no levantamento da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). Florianópolis, em primeiro lugar, seguida por Curitiba, são destaques na Região Sul, numa lista que inclui também São Paulo, Teresina e Cuiabá na liderança.

Além de devolver a orla do Guaíba à cidade, a inauguração é um marco para tornar Porto Alegre mais atraente ao turismo, que é uma importante fonte de divisas, e menos resistente às mudanças. Permite também mais opções para lazer e esportes. O conservadorismo atávico porto-alegrense, que enxerga máculas em qualquer intervenção no espaço público, tem sido uma das razões das dificul- dades de se compartilhar o restante da paisagem do Guaíba com a população. É o que vem ocorrendo também no caso da revitalização do Cais Mauá, entre outras obras importantes para reforçar belezas naturais e devolver o orgulho de se viver na capital dos gaúchos.

Com a evidência de que Porto Alegre precisa e pode melhorar, traduzida pela nova orla, espera- se que a justa comemoração sirva de estímulo a novos empreen- dimentos e investidores. Esse é o caminho para fazer um contraponto aos que insistem em manter a cidade prisioneira do passado e de corporações que pensam, antes de tudo, em preservar seus próprios privilégios.

sexta-feira, 29 de junho de 2018


A bola da vida, a vida da bola 


É madrugada, o estádio está vazio e silencioso como um cemitério ou uma escola no domingo. Eu, a bola da vez, a da Copa de 2018, chamada de Telstar, acordo ao lado de outras bolas, neste frio armário de aço. 

Desde 1930, em cada Copa do Mundo, apareci de formas e cores diferentes. Já fui marrom escuro, marrom claro, branca, branca e preta, amarela, tricolor, branca e azul e bonita e colorida na África em 2010, quando me chamaram de Jabulani (celebração), com 11 cores, representando os dialetos e as etnias. Fui meio rebelde naquela Copa e fazia curvas inesperadas. E daí, qual o problema? No Brasil, em 2014, fui a Brazuca, em homenagem ao orgulho de ser brasileiro. Os alemães, educados, já se desculparam pelas sete vezes que me colocaram no filó. Só lembram de mim na hora do jogo. 

O juiz filho da mãe me bota no centro, apita e manda me rolarem. No início, vão me dar uns toquinhos carinhosos, depois virão os pontapés fortes, as cabeçadas vigorosas, os empurrões nas cobranças de laterais e os passes e os chutes "colocados", sem muita força, que de tão bem colocados me fazem entrar lá no ângulo superior da goleira, onde dorme a coruja e os goleiros não conseguem chegar. 

Aprendi a gostar dos tapas e beijos, vou levando minha vida de bola, sendo a bola da vida, para quem ainda gosta de metáforas clichês, tipo "o futebol é o jogo da vida". Uns acham que o futebol é só um jogo maravilhoso, outros metem sindicato, política e grandes interesses financeiros no meio, com aquela corrupçãozinha humana básica junto. Mas isso deixa para lá. Sou só uma bola que prefere ser redonda. É hora de festa. 

O livro do americano sobre as negociatas do futebol fica para depois. Os boleiros têm relações muito ambivalentes comigo, tipo assim amor e ódio. No fundo, me amam. Em certos momentos, me colocam com cuidado na marca do pênalti, perto das bandeirinhas de escanteio ou no lugar onde vou ficar para baterem a falta. Aí levo um chute forte, mas, mesmo assim, dependendo do jeito como for tratada, vou cair no fundo das redes. 

Ou vou levar um soco do goleiro, um golpe de mãos espalmadas ou um abraço, como se eu fosse um bebê. Se o goleiro me pegar, vai gostar. Se for gol, vai me odiar e dar um pontapé para eu ir ao centro do gramado. Modestamente, sei que sou o centro das atenções. O estádio todo me acompanha, e as máquinas fotográficas e câmeras de televisão me seguem. Quando o jogo termina, aí é a solidão do vestiário, com as bolas reservas até o próximo treino ou jogo. Treino é treino, jogo é jogo. 

Gosto mais do jogo, tem mais gente me dando atenção. Sempre assim, até eu murchar e me aposentarem. Óbvio que gosto quando os jogadores, geralmente em casa ou escondidos, me dão abraços e beijinhos. Me acho importantíssima quando o jogador do time que está perdendo faz um gol e, em vez de comemorar, me pega no fundo das redes e leva até o centro, para tentar outro gol.

a propósito... 

Odeio quando chamam de bola a propina em negócios públicos ou privados. "Fulano levou bola" - isso é falta de respeito comigo, uma senhora idosa, mundialmente conhecida. Vão se catar! O que é que estão pensando? Bola cheia, bola redonda ou bola murcha ainda aceito, e óbvio que não gosto quando me passam errado e fico quadrada. Vão treinar! 

Gosto quando os pés dos atletas me tocam como se fossem mãos, como os pés de craques como Pelé e Puskás, por exemplo. Ter as mãos no lugar dos pés não é para qualquer um. Gosto de ficar parada e também de rolar, tipo assim a vida, que é imobilidade e movimento. Não reclamo de quando me movimentam em linhas retas, mas prefiro as curvas do caminho, que, afinal, retas parecem mais a morte, e curvas parecem mais vida. (Jaime Cimenti) - 

Jornal do Comércio (https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/colunas/livros/2018/06/635096-madonna-aos-60-anos-a-maior.html)

Madonna: aos 60 anos, a maior 


Quase todo mundo concorda que Madonna, bem viva aos 60 anos, é o maior ídolo da música pop. "As pessoas dizem que sou controversa. Mas acho que a coisa mais controversa que fiz foi ficar aqui. Michael se foi. Tupac se foi. Prince se foi. Whitney se foi. Amy Winehouse se foi. David Bowie se foi. 

Mas ainda estou aqui. Aos que duvidam e aos que se opõem, e a todos que me apresentaram ao inferno: sua resistência me tornou mais forte, me impulsionou mais, me transformou na lutadora que sou hoje. Tornou-me a mulher que sou hoje", diz Madonna na nova edição revista e ampliada de sua biografia Madonna 60, da escritora Lucy O'Brien, autora de livros sobre mulheres e música. 

Madonna: 60 anos (Editora Agir, 536 páginas, tradução de Inês Cardoso e Carolina Rodrigues) traz os 40 anos de carreira da Rainha do Pop, a mulher mais importante para a indústria da música e do entretenimento, com hits mundiais como Like a virgin, Papa don't preach e Material girl. A obra mostra Madonna influenciando fortemente o mundo da música e atraindo a mídia e o público por seus relacionamentos amorosos, filhos, opiniões políticas, ativismo social, posições feministas e defesa de grupos LGBT. 

Nascida no estado de Michigan, em 1958, Madonna teve uma mãe ex-dançarina e amante de música clássica, angelical e bondosa, que na adolescência lia Anne Sexton, Virginia Woolf, Sylvia Plath e Frida Kahlo. Madonna tinha cinco anos quando a mãe faleceu, fato que a marcou. Em 1977, período de grande produção e experimentação para a dança, Madonna ganhou uma bolsa de estudos para dançar com a Alvin Ailey American Dance Theater, de Nova Iorque. Nos anos seguintes, com garra, foi caminhando no show business. 

A partir de 1982, iniciou-se a enorme quantidade de discos gravados pela diva e as dezenas de vídeos, filmes, peças e livros e turnês mundiais. Em certo período, a musa foi criticada, chamada de vadia, e sua arte foi contestada. Com o passar dos anos, a carismática artista foi reconhecida como a mais bem-sucedida de todos os tempos. Em 2016, Madonna apoiou Hillary para presidente e, em dezembro desse ano, ao receber o Prêmio de Mulher do Ano do Billboard Women in Music, fez um discurso amargo e triste sobre abuso e resistência, antecipando-se à campanha #MeToo. 

Em 21 de janeiro de 2017, na Marcha das Mulheres em Washington, falou para 500 mil pessoas: "Pensei em mandar a Casa Branca pelos ares". Madonna é um dos maiores fenômenos de nossa era. 

lançamentos 

O fogo e o relato - Ensaios sobre criação, escrita, artes e livros (Boitempo, 168 páginas), de Giorgio Agamben, filósofo italiano e um dos principais intelectuais de sua geração, traz reflexões sobre o que está em jogo na literatura, no que consiste o fogo que nossos relatos perderam e que alguns querem recuperar; e pergunta qual é a pedra filosofal dos escritores. 

A obra, enfim, trata da linguagem e da relação entre vida e obra. Imersão - um romance terapêutico (Harper Collins, 256 páginas), do psiquiatra, neurocientista e palestrante Diogo Lara, autor do best-seller Temperamento Forte e Bipolaridade, traz a jornada desafiadora de Amanda, 36 anos, médica estabelecida, que quer debelar seu abatimento num seminário intensivo em um castelo na Escócia. 

Lá conhece Mike, terapeuta que usa técnicas inovadoras para curar problemas psíquicos e se redescobre. Na direção das montanhas (AGE, 108 páginas), da jornalista e escritora Andréia Borges de Azevedo, natural de São Francisco de Paula e autora do romance Movidos pelos ventos, traz belas fotos e poemas que compõem um painel entre a natureza e as memórias. Cavalos, nevoeiro, montanhas, céu e pinheiros, entre tantos temas, estão na obra da autora que ama os Campos de Cima da Serra.   - 

Jornal do Comércio (https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/colunas/livros/2018/06/635096-madonna-aos-60-anos-a-maior.html)

29 DE JUNHO DE 2018
NÍLSON SOUZA
O maior espetáculo da Terra


O título acima era do circo, como sabem os mais antigos, pois as crianças de hoje carregam nos seus celulares mais atrações do que aquelas apresentadas em 200 anos de picadeiro por palhaços, trapezistas e domadores. Agora é do futebol. Uma Copa do Mundo, como esta que está sendo disputada na Rússia, reúne diversão, história, beleza, emoção, diversidade cultural e convivência pacífica entre povos de todos os continentes, tudo em tempo real e ao alcance de uma plateia planetária. Não há espetáculo mais belo e grandioso em nosso tempo.

Daqui a milênios, quando a humanidade estiver espalhada por outras galáxias sem saber o que fazer de sua vida eterna, alguém haverá de resgatar a imagem de um rosto colorido chorando lágrimas de tinta e se questionará: será uma religião? Por que eles se pintavam? Que construção circular é essa? Por que uns festejam e outros lamentam? O que significam os estandartes? Que batalha é aquela no gramado?

Isso se as imagens digitais armazenadas na nuvem forem efetivamente preservadas.

A Copa da Rússia já é a mais bela de todas as que tive a oportunidade de acompanhar, de perto ou de longe. Num cenário de contos de fada, com palácios, igrejas e torres desenhados por verdadeiros artistas da arquitetura, os personagens do mundo da bola desfilam alegremente pelas ruas, exibindo as cores de suas pátrias na pele, nas roupas e nas bandeiras. Cantam hinos, abraçam-se, festejam a vida e a oportunidade única de conhecer outros costumes e outras gentes, nas noites brancas e nos dias ensolarados da terra da Matrioska.

A lenda é linda: o carpinteiro artesão fabricou uma boneca de madeira falante, que lhe pediu uma filha, a qual, mais tarde, repetiu o pedido. Matrioska virou mãe de Trioska, que se tornou mãe de Oska, e esta, finalmente, mãe de Ka, que nasceu de bigode para não ter que gerar outra bonequinha. O brinquedo virou símbolo da fertilidade, do amor e da amizade. Segundo os russos, presentear alguém com a bonequinha grávida de outras bonecas é sinal de grande afeto e desejo de uma vida longa e feliz.

A Rússia também tem histórias terríveis para contar, como a da crueldade do czar que mandou cegar o construtor da catedral de Moscou para que ele jamais fizesse outra igual. Ainda que o ser humano seja mesmo capaz das maiores atrocidades, prefiro acreditar que esse conto de horror seja apenas uma narrativa ficcional para impressionar turistas. Gostaria que houvesse um árbitro de vídeo da História para conferir a veracidade desse lance.

Verdades ou mentiras, histórias ou lendas, o fato é que esses relatos encantam os visitantes e ampliam ainda mais as fronteiras abertas pelo futebol, com o seu poder mágico de, ao mesmo tempo, despertar paixões e apaziguar nacionalismos. Isso sem contar as surpresas do próprio esporte, como a queda dos campeões mundiais diante dos pequenos guerreiros coreanos. Vamos sentir um vazio quando esta Copa terminar.

*Até o dia 16 de julho, David Coimbra escreve no Jornal da Copa, encartado nesta edição.

NÍLSON SOUZA

29 DE JUNHO DE 2018
INDICADORES - Igor Oliveira

Qual reforma tributária?


O fato de estarmos em uma crise longa, que atinge nossa nação de muitas maneiras diferentes (política, sociedade, economia, meio ambiente), da qual não temos clareza sobre a rota de saída, tem feito muita gente pensar de maneira mais profunda. Li a entrevista da economista de esquerda Laura Carvalho ao El País, e, apesar de discordar de vários pontos, fiquei feliz com seu diagnóstico sobre as causas do curto período de crescimento que tivemos e sobre a necessidade de uma reforma tributária se quisermos ter alguma chance de voltar a caminhar.

A estrutura tributária brasileira só agrada a três tipos de pessoas: os burocratas do sistema tributário, os rentistas financeiros e os velhos empresários (na agropecuária e na indústria) cujos negócios dependem da venda massiva de produtos comoditizados, de baixo valor agregado, o que só é viável com subsídios. Esses empresários possuem estruturas formadas para lidar com a burocracia, e não desejam a concorrência de novos empreendedores.

Para a massa da população brasileira, a tributação, tal como está, é um desastre, porque onera excessivamente o consumo, que é aonde vai praticamente toda a renda de quem ganha pouco. Para empreendedores que tentam construir negócios mais inovadores, como serviços de alto valor agregado, o problema é a complexidade, que os faz gastar mais tempo cuidando de burocracia do que do empreendimento.

Portanto, se quisermos mexer nesse emaranhado, precisamos conceber um novo sistema tributário mais justo e simples por meio de uma reforma estrutural. O problema é que essa agenda não é óbvia. Percebe-se, no discurso de candidatos como Bolsonaro, Ciro e Manuela, um compromisso com o velho desenvolvimentismo, ligado aos setores de baixo valor agregado, que é exatamente o que nos trouxe até aqui.

Tendo a pensar que as coisas ainda vão piorar um tanto antes que aconteçam mudanças estruturais, que talvez cheguem pelas mãos de forças mais autoritárias. A política brasileira está cada vez mais agarrada a velhos paradigmas, que fazem cada vez menos sentido. Antes de começarem a se romper, as velhas estruturas enrijecem ainda mais.

Igor Oliveira escreve às sextas-feiras, a cada 15 dias. Na edição de fim de semana, Ely José de Mattos.

29 DE JUNHO DE 2018
ECONOMIA

Crise compromete avanço


Após dois anos em queda, o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM) voltou a subir no país. Segundo os dados de 2016, o IFDM nacional, uma espécie de média de todas as cidades pesquisadas, alcançou 0,6678 ponto, marca vista pela entidade como moderada. Mesmo com o avanço, o indicador segue abaixo do observado antes do início da crise econômica. Em 2013, estava em 0,6715 ponto. Por isso, a Firjan conclui que a crise custou ao menos três anos de desenvolvimento aos municípios.

- A recessão afetou o emprego e a renda de maneira significativa, especialmente nos locais considerados industriais. Para que os municípios consigam se desenvolver, é importante uma gestão mais eficiente dos recursos públicos - avalia o coordenador de estudos econômicos do Sistema Firjan, Jonathas Goulart.

No recorte das capitais, Porto Alegre ganhou uma posição. O IFDM do município chegou a 0,7804 ponto, a 12ª maior marca do ranking, considerada moderada. No Estado, a Capital ficou em 119º lugar.

Segundo a Firjan, Florianópolis (SC) permaneceu na liderança entre as capitais. A cidade catarinense teve IFDM de 0,8584 ponto, classificado pela Firjan como alto.

Entre as regiões, a Sul é mais desenvolvida do Brasil. Quase a totalidade (98,8%) de seus municípios apresenta desempenho moderado ou alto.

quarta-feira, 27 de junho de 2018



27 DE JUNHO DE 2018
SÉRVIA

VINHO DERRAMADO

Dica de LIVRO

My War Gone By. I Miss It So, do jornalista Anthony Loyd, correspondente de guerra britânico que cobriu o conflito nos Bálcãs. Na obra, sem tradução para o português, ele relata de forma autobiográfica seu trabalho na região e descreve, em detalhes, os sentimentos do repórter em situações extremas. Ele diz, por exemplo, que se sentia mais em casa na guerra do que em Londres, onde residia. É um livro sobre o ser humano e a violência. Em 2014, na Síria, Loyd, que cobria o conflito para o jornal The Times, foi alvejado duas vezes na perna durante um sequestro.

DICA DE FILME

Terra De Ninguém (2001), de Danis Tanovic, conta a história de dois soldados lutando em lados opostos no conflito da Bósnia, em 1993. Eles acabam ficando presos na mesma trincheira entre as duas linhas de frente dos exércitos, uma área conhecida como terra de ninguém.

A seleção da Argentina não entusiasma pelo seu futebol. Só consegue viver por sua alma castelhana. São jogadores médios: Di Maria vem sendo marcado com facilidade, Mascherano é batido facilmente e caminha, com pressa, para a condição de ex-atleta. Os vizinhos alcançaram uma classificação heroica, dramática, que serviria para Piazzolla escrever mais um tango, que parecia estar derramando o vinho nos tubos que norteiam a cidade de Mendonza. Mas o vinho não derramou, o tango não foi escrito e nem sequer o arranjo musical chegou a ser construído. O gol de Rojo no final da partida foi o lance emocionante. 

Messi é uma ilha no meio de jogadores menores, que não conseguem brilhar, com um treinador desmoralizado por tudo que se ouviu falar de seus contratempos com o grupo. Eu torci para a Argentina. A presença de Messi engrandece a Copa do Mundo. A camisa da Argentina já ganhou dois campeonatos. O que vejo de dificuldade agora é o enfrentamento contra a França. Menos pelos franceses, que estão jogando pouco, mais pela própria Argentina. Os hermanos terão de jogar muito mais. Mas isso é uma história para mais adiante. Messi e Deus salvaram os argentinos.

TÉCNICA Se os jogadores da Sérvia são maiores e mais fortes, se são viris e, muitas vezes, catimbeiros e desleais, cabe aos jogadores brasileiros não entrar nesta briga e colocar a técnica em primeiríssimo plano. Eles não têm nada parecido com Neymar e Philippe Coutinho, só para lembrar das nossas duas maiores estrelas. O que me traz preocupação é que o time brasileiro ainda não encontrou o seu futebol. Aquele time que amassou muitos adversários em amistosos e jogos das Eliminatórias ainda não deu as caras. A Suíça e a Costa Rica estão no nível dos adversários que foram enfrentados pela Seleção Brasileira. 

Neste raciocínio, é importante tentar saber por que Paulinho não está jogando bem. Quando joga o que pode, ele marca, arma e define. Encanta os exigentes torcedores do Barcelona, algo que não se repete nesta Copa. Outro que está abaixo é Gabriel Jesus. Acho que Firmino, logo, logo toma conta da posição. Fagner pode dar importante contribuição ofensiva. Na defesa, não dá para repetir o que aconteceu no gol da Suíça. Alisson precisa ser dono da pequena área, e os zagueiros precisam ter imposição. Aquele foi um lance isolado, mas devemos estar preparados para enfrentar um time que precisa ganhar a partida. O jogo é eliminatório. O Brasil joga por vitória ou empate. Para os sérvios, só a vitória interessa. Eles vão atacar.

QUALIDADE A Alemanha mostrou qualidade no seu segundo jogo e deixou claro que está na Copa para competir, apagando a péssima impressão que deixou na estreia, quando perdeu para o México. Não é caso isolado em Copa do Mundo um time chegar mal e se recuperar no meio da competição. Na Copa da Espanha, os italianos empataram os três jogos da fase de grupos. Depois cresceram, eliminaram o belo time brasileiro, cheio de craques, e foram campeões. Dependendo dos resultados, pode dar Brasil x Alemanha nas oitavas de final. Pode ser um temor, mas quem quer ser campeão do mundo precisa passar por obstáculos importantes.

27 DE JUNHO DE 2018
LIVRO

Um antídoto contra o pessimismo


Em 2012, o jornalista e escritor Ruy Castro sonhou que levava seu pai para um passeio por áreas do Rio de Janeiro que estavam sendo restauradas. Assim, seu pai, que havia morrido em 1983, poderia rever a beleza arquitetônica da capital fluminense. O sonho virou crônica, as crônicas viraram livro.

O autor lança A Arte de Querer Bem, volume que reúne 101 textos publicados entre 2008 e 2017 na coluna Rio do jornal Folha de S.Paulo, espaço que ocupa quatro vezes por semana. O tom afetuoso da crônica sobre o pai prevalece ao longo das 256 páginas. Ruy avança no contrafluxo. São tempos de desencanto com a realidade do país, como indica recente pesquisa do Datafolha. Segundo o instituto, 62% dos jovens deixariam o Brasil se pudessem.

A Arte de Querer Bem é um antídoto contra o pessimismo.

- Quero acreditar que as coisas vão dar certo - afirma o autor de 70 anos.

Ele toma como uma das referências As Amargas, Não..., livro de memórias do poeta e jornalista gaúcho Álvaro Moreyra (1888 - 1964), obra que marcou sua geração. O título virou bordão. Ao chegar à casa do também jornalista Ivan Lessa (1935 - 2012), em Londres, Ruy costumava ser recebido pela exclamação do amigo: "As amargas, não". Lessa não queria saber das más notícias do Brasil.

- Existe essa intenção de se desligar desse contexto desagradável que nos rodeia - diz Castro

As crônicas foram selecionadas pelo próprio Ruy Castro e organizadas em blocos por Pascoal Soto, editor do selo Estação Brasil. Na seção Meus Monstros, o autor lembra mestres da música, como Dorival Caymmi, Johnny Alf e Billy Blanco. Não são homenagens previsíveis, tampouco solenes. Em uma das crônicas sobre Tom Jobim, recorda de uma aptidão do compositor, o domínio da arte de piar - isso mesmo, piar como os pássaros. No texto Triângulo da Alegria, que integra a seção Na Companhia dos Amigos, faz um tributo a seu taxista favorito.

Há ainda blocos de crônicas dedicadas ao jornalismo e à literatura, ao Rio e ao futebol, entre outros temas. Em Enxurrada de Amor, o flamenguista narra uma visita ao Maracanã com Zico, maior ídolo da história do time. O escritor fala das crônicas como um refresco, um alívio. Nesse gênero, pode adotar abertamente a subjetividade enquanto um estilo mais impessoal se impõe nas biografias e nas reconstituições históricas. Nessa seara, aliás, prepara para 2019 um livro sobre a capital fluminense nos anos 1920.

Folhapress

27 DE JUNHO DE 2018
FÁBIO PRIKLADNICKI

Ivo Bender e nós


Nas ocasiões em que entrevistei Ivo Bender, costumava perguntar-lhe sobre o fato de suas peças serem pouco encenadas entre nós. Ivo não conseguia disfarçar a frustração, mas tinha um diagnóstico bastante preciso: "No momento, o teatro que interessa (aos artistas) é aquele que é improvisado sobre um romance ou conto. Ou, então, aquele que é criado por meio de exercícios durante os ensaios". Com a saída de cena de Bender, encerra-se uma época na dramaturgia no Rio Grande do Sul.

Sua exuberante obra dramática, que está distante não apenas de nossos palcos como também de nossas livrarias, coincide com um momento de mudança no lugar do texto na encenação, no Brasil e no mundo. É quando os grupos e diretores começam a se envolver com novas formas de produzir dramaturgia e de levá-la à cena. 

A muitos deles, a peça pronta - não apenas as de Bender, mas qualquer uma - parece algo distante, fria. Preferem recriar outros textos, a exemplo de romances ou teses filosóficas, ou construir a dramaturgia em sala de ensaio, como bem notou nosso autor. Os mais precipitados chegaram a decretar a morte do texto no teatro, mas logo veio a turma do deixa disso, colocando panos quentes. Pois bem.

O fato de agora tudo ser texto do ponto de vista do teatro não explica, por si só, a ausência de Ivo Bender. Porque continuamos assistindo a montagens baseadas em dramaturgia "pronta", mesmo que recriada, recortada, misturada e colada de novo. Talvez seja um hiato geracional. Talvez seja difícil valorizar as coisas nossas. Vai saber. Qorpo- Santo precisou de um século para se tornar cult, e mesmo assim contou com a validação do centro.

Falta-nos uma noção de história, perceber a linha evolutiva que liga os autores esquecidos do século 19 a Diones Camargo e às novas autorias femininas e negras. Há uma riqueza nesse diálogo que ainda não aconteceu. Talvez aí exista um lugar para Ivo Bender, Carlos Carvalho, Vera Karam. Precisamos martelar a carpintaria teatral dessa trama.

FÁBIO PRIKLADNICKI

27 DE JUNHO DE 2018
NILSON SOUZA

Megacoincidência


Tinha uma multidão concentrada no Parque do Povo, na cidade paraibana de Campina Grande, no último sábado, para acompanhar o sorteio da Mega Sena e da Quina de São João. Os sorteios são públicos, fiscalizados por auditores independentes e pelos próprios apostadores que se reúnem em torno do Caminhão da Sorte, da Caixa Econômica Federal. Quando o globo automático gira com as bolinhas numeradas, uma pessoa do público é convidada a pressionar o botão que faz com que uma delas caia e indique a dezena sorteada. 

São bolinhas de borracha maciça, aferidas periodicamente pelo Inmetro para ter o mesmo peso e a mesma medida. Diante de tanta transparência, fica ainda mais difícil de explicar os seis números da mesma dezena sorteados no último fim de semana, o que aconteceu pela primeira vez em 2.052 concursos, desde que esse tipo de aposta foi lançado no país, em março de 1996.

Foram sorteadas as dezenas 50, 51, 56, 57, 58 e 59. A inacreditável sequência já seria suficiente para despertar suspeitas se não houvesse ganhadores. Porém, quando a apuração apontou quatro apostas premiadas, a gritaria foi grande. Ainda que a marcação da esdrúxula sequência possa ser explicada pelos bolões, que cobrem linhas inteiras das cartelas de aposta, quase ninguém acredita que se tratou apenas de uma megacoincidência. O tribunal das redes sociais já sentenciou: fraude, armação, roubo. Tem gente pedindo até CPI, numa curiosa revisão de conceito sobre os políticos que, até então, eram os primeiros da lista de suspeitos por qualquer coisa errada no país.

Detesto teoria da conspiração, mas começo a achar que até o acaso está contra nós. Depois da Lava-Jato e dos sustos na Copa, precisávamos de mais essa bola nas costas?

O poder do acaso é imenso, mesmo para quem acredita que nem o acaso ocorre por acaso. No seu livro O Andar do Bêbado - Como o acaso determina nossas vidas, o físico norte-americano Leonard Mlodinow conta a história de um homem que ganhou na loteria nacional espanhola com um bilhete que terminava com o número 48. Ao explicar a associação de ideias que o levou a escolher aquele número, ele disse: "Sonhei com o número 7 por sete noites consecutivas. Como 7 vezes 7 dá 48, escolhi o bilhete".

A lição da conta errada: se você acha que uma coisa é certa, então ela será, não importa que não seja. Deve valer o mesmo raciocínio para quem acha que há armação em tudo. Ainda assim, entre o acaso e a suspeita, penso que sempre há espaço para o livre-arbítrio, o esforço e a persistência.

É o que espero da Seleção Brasileira nesta quarta-feira. O futebol também é regido pelo acaso e por suspeitas (principalmente sobre árbitros que não veem empurrões na área), mas o que vale mesmo é o suor, o talento e a determinação. Além disso, sonhei duas noites seguidas com o Gabriel Jesus. Nove dividido por 2 dá quatro: 4 a 1 para nós.

Sonhem positivo, gente! Não me derrubem.

NILSON SOUZA

terça-feira, 26 de junho de 2018


26 DE JUNHO DE 2018
RECORTES DE VIAGEM

Um pedacinho de Portugal em Florianópolis


Em abril último, a jornalista Nara Caviquioli, 43 anos, do Rio de Janeiro, esteve pela segunda vez em Santo Antônio de Lisboa, em Florianópolis. Gostou tanto do que viu, que enviou texto e foto para compartilhar suas impressões. Confira a seguir:

"Santo Antônio de Lisboa é um dos bairros mais charmosos de Florianópolis. Nesse ponto de colonização açoriana, o centrinho histórico encanta os visitantes, tendo a Igreja Nossa Senhora das Necessidades como parada obrigatória para uma bela foto. O artesanato está presente em várias lojinhas, com uma diversidade de cores e formas que faz quem passa por ali querer levar um pedacinho de lembrança desse lugar tão encantador.

Grande parte dos restaurantes de Santo Antônio tem vista privilegiada para o mar, e a gastronomia do local surpreende, merecendo público cativo e turistas o ano inteiro. Tive a oportunidade de conhecer a culinária de alguns, mas as experiências de dois deles me marcaram especialmente.

O Amalfi Ristorante tem uma das vistas mais deslumbrantes da ilha e atendimento de excelência. É especializado em comida contemporânea com inspiração mediterrânea, e a apresentação dos pratos é linda. Pães e massas são feitos ali mesmo, e eu adorei a opção de massa sem glúten. Uma delícia! Ali também fica o Café Amalfi, com espaço pet.

O outro restaurante que destaco, de comida portuguesa, é o Marisqueira Sintra, com atendimento excelente. Sem deixar nada a desejar para os restaurantes tradicionais de frutos do mar de Lisboa, também comi ali um dos melhores pasteizinhos de nata da minha vida - os apreciadores dessa maravilha vão concordar!

Santo Antônio de Lisboa proporciona um passeio encantador, com excelente gastronomia e um pôr do sol deslumbrante."

ROSANE TREMEA

26 DE JUNHO DE 2018
ARTIGO

Justiça: o fim da era da intuição



O atraso em obras da Copa que, previstas para terem sido concluídas ainda em 2014, se arrastam até hoje na Capital é o resultado de duas práticas danosas, tipicamente brasileiras, que servem de alerta para os gestores públicos: iniciar serviços sem recursos assegurados e realizá-las sem um planejamento adequado. Esse tipo de comportamento, comum em todo o país, evidencia que, há muito, a prefeitura, como de resto o Estado e o governo federal, trabalha mais para manter a própria máquina, não para reverter impostos em obras em benefício dos cidadãos. Por isso, é preciso dar um fim a esse desperdício descontrolado de dinheiro público. A situação só se mantém por falta de uma cobrança mais efetiva por parte dos contribuintes, diretamente ou por meio dos órgãos de fiscalização.

Na maioria dos casos, o motivo da paralisação dos trabalhos é a escassez de recursos, o que só reforça como gestores públicos tendem a trabalhar com base na imprevisibilidade. Se uma obra em residência ou condomínio privado já costuma tumultuar a vida dos moradores, não é difícil imaginar o que ocorre nos casos de empreendimentos de interesse de toda uma comunidade. Além de não contemplarem a sociedade com seus objetivos iniciais, projetos inacabados provocam transtornos no trânsito e prejuízos ao comércio da área, entre outros problemas. O desgaste provocado pelo tempo tende a encarecer também o custo final.

Em Porto Alegre, a atual gestão precisou recorrer a financiamentos bancários para reiniciar projetos de mobilidade urbana iniciados na administração anterior. Ainda assim, o elevado valor dos recursos que ainda precisam ser assegurados não acena com qualquer perspectiva de conclusão imediata. Essa é uma situação que se repete por todo o país, envolvendo não apenas obras da Copa. Levantamento encomendado pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção indica que seriam necessários nada menos de R$ 76 bilhões para concluir milhares de obras paradas de norte a sul do Brasil. O setor público, obviamente, não dispõe desses recursos, mas essa é uma questão que deveria ter sido avaliada na fase de pré-projeto.

É urgente uma redefinição na área de projetos governamentais no Brasil. As obras inacabadas da Copa, especificamente, reforçam a necessidade de uma reforma estrutural da gestão pública brasileira, na qual sejam privilegiados os investimentos em infraestrutura e serviços de cunho social.

O futuro da Justiça pode ser previsto no presente. Com o uso da inteligência analítica (Analytics), as instituições da Justiça têm acesso a dados e peças dos processos digitais e, a partir deles, executam análises preditivas, que mostram como estarão as demandas daqui alguns anos.

Essa gestão sistêmica permite um alto grau de assertividade em alocação de recursos, gestão orçamentária e qualidade na prestação jurisdicional.

Soluções com inteligência artificial (IA) aplicada já são capazes de aprender os históricos de decisões de cada magistrado e sugerir novos documentos. A decisão final, no entanto, será sempre do especialista. Tribunais que modificaram sua cultura de gestão com a implantação do Sistema de Automação da Justiça (SAJ) são referência nesses novos modelos de trabalho.

O TJMS, por exemplo, movimenta metade de seus processos com apenas 300 servidores alocados na CPE, uma secretaria central que atende a varas de diferentes competências em todo o Estado. Um funcionário produz cinco vezes mais nesta nova estrutura do que na estrutura tradicional, em que cada vara trabalha com sua respectiva secretaria.

O TJSP, o maior da América Latina, inovou na parceria com a Secretaria de Segurança Pública. Ainda neste ano, todo o Estado terá seus inquéritos em formato digital, integrando 1.752 delegacias ao Judiciário. Essa nova gestão vai economizar R$ 10 milhões ao ano e pelo menos 500 servidores poderão ser realocados em atividades que agilizam as investigações criminais.

A partir do uso integral do processo digital, é possível aplicar a ciência de dados e a IA. Os trâmites processuais são mais ágeis, há economia de recursos, os servidores têm mais qualidade de vida e as respostas aos cidadãos são significativamente mais rápidas.

Diretor-executivo da Unidade de Negócio Justiça da Softplan ilson@softplan.com.br
ILSON STABILE

26 DE JUNHO DE 2018
+ ECONOMIA


SER SUSTENTÁVEL É DIFERENCIAL DO BRASIL

Carlo Pereira, secretário-executivo do Pacto Global da ONU, é otimista. Apesar da crise e de Donald Trump, avalia que empresas estão mais conscientes sobre suas responsabilidades sociais e ambientais. Ao falar no Tá na Mesa da Federasul de hoje, vai puxar as orelhas dos gaúchos: das 774 signatárias brasileiras do pacto, 27 são do RS - só 3,4%.

SUSTENTABILIDADE E CRISE

"Vemos o grande desafio das empresas, mas a sociedade está muito atenta para aspectos sociais e ambientais. Com crise, sem crise, há fragmentação de poder. Nas cem maiores empresas a mobilidade é pequena no último século, mas nos últimos 20 anos é gigantesca. Apesar da forte crise política e econômica, há vigilância muito maior da sociedade."

TRUMP E AMBIENTE

"Os EUA têm papel muito importante, mas a federação funciona muito bem, há Estados e municípios comprometidos com o Acordo de Paris. Passa imagem negativa para a agenda e para o mundo, mas prejuízo não é tão forte. O pacto nasceu com 20 empresas no Brasil em 2006. Hoje tem quase 800."

VANTAGEM COMPETITIVA

"O Brasil tem muita regulamentação em questões ambientais, sociais, de integridade e compliance. A fiscalização não é muito efetiva, mas em relação a arcabouço legal, é um dos países mais avançados. Empresas têm de lançar mão desses atributos para se posicionarem mundo afora. Já são sustentáveis, especialmente comparadas às de países como China e Índia, passam por crivos sociais e ambientais mais apertados e sérios. É um ativo que podemos estar não aproveitando. Sustentabilidade não tem de ser vista como custo. Deve ser vista como vantagem comparativa e transformada em vantagem competitiva."

MARTA SFREDO

26 DE JUNHO DE 2018
ECONOMIA

Hora de escolher destino de investimentos


Começa hoje, a partir de 8h, mais uma edição da consulta popular no Estado. O processo abre espaço para que a população escolha parte dos investimentos e serviços que constarão no orçamento de 2019. Qualquer pessoa com título de eleitor pode participar.

Neste ano, serão distribuídos pelo governo R$ 80 milhões entre as 28 regiões do Estado que representam os 497 municípios. O valor que cada região recebe é proporcional ao número de habitantes e ao Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese). A votação vai até quinta-feira e pode ser feita pela internet, por mensagem de celular ou presencialmente.

O voto é secreto e cada eleitor poderá escolher apenas um projeto. As propostas foram definidas em assembleias populares - são entre seis e 10 por região, e os mais votados terão verbas destinadas para implantação.

segunda-feira, 25 de junho de 2018


25 DE JUNHO DE 2018
CLÓVIS MALTA

Viver de bolso vazio


Quando o dinheiro sobra, perde-se o entendimento do que seja viver em dificuldade. Não adianta compreender as agruras alheias em tese. É no cotidiano de quem leva a vida de bolso vazio que a miséria se revela, sem nenhum charme.

São Petersburgo, onde brasileiros saíram do sufoco para a euforia já nos acréscimos de Brasil e Costa Rica, é um símbolo ao mesmo tempo majestoso e cruel de iniquidade. Nikolai Gógol usou-a como cenário de O Capote, clássico da literatura russa. No texto, um servidor humilde é informado pelo alfaiate de que nada mais pode ser feito pelo seu velho sobretudo. De tão puído, o tecido se rompeu. Desfez-se como a alegria de quem, na Rússia czarista ou no Brasil de hoje, se dá conta da total falta de nexo entre o custo de se vestir e os ganhos do trabalho.

O personagem do conto vai a um inferno de penúrias para voltar às ruas de casaco novo - e o perde num assalto. Resignado, confia na ajuda da polícia. Mas o que encontra pela frente é uma burocracia hipócrita e insensível ao cotidiano dos cidadãos. Como a obra vai muito além, essas informações não podem ser consideradas spoilers. Vale, pois, leitura ou releitura para quem busca entender a condição humana.

Alguma semelhança com a nossa realidade? Aquele parente que, em todas as famílias, vive de pedir emprestado deixou há muito tempo de ser o único a nos inquietar. Em todas as esquinas, pessoas escancaram hoje um cartaz com a palavra "Fome". Muitas delas nunca tiveram trabalho. A maioria perdeu o emprego. Há ainda quem alegue que o salário é fugaz, e o mês, interminável. A palavra mágica é dinheiro, money, money, money. Aquilo que faz o mundo girar, como em Cabaret, antigo musical sobre outro período de miséria - o da Alemanha à beira do nazismo.

Como em qualquer outra época de nossa dita civilização, dinheiro existe, mas está nas mãos de poucos. Até mesmo na Rússia e na Ucrânia, que reivindicam a nacionalidade de Nikolai Gógol, houve uma tentativa de atenuar as diferenças de renda quando ainda faziam parte da União Soviética. Adivinhe quem venceu? A casta detentora do poder se fortaleceu mais ainda.

Por que uns poucos têm casacos para cada dia do mês no guarda-roupa e, outros tantos, nenhum? Por que, para alguns, adquirir o necessário é rotina e, para os demais, algo que não se realiza nem em sonho?

Quem carrega dinheiro em malas nem imagina como uma moeda pode transformar água em vinho entre necessitados. Quem joga comida fora ignora o real significado de uma fatia de pão. Quem recebe auxílio-moradia bancado pelos contribuintes desconhece o que seja dormir e acordar na rua.

Muita gente assume uma vida simples. Há quem opte por sobreviver com pouco ou nenhum dinheiro. É bonito, mas diferente.

Viver sem o mínimo necessário, por falta de opções, é um padecimento eterno. É como se uns poucos fossem donos do mundo. E só deixarão de pensar assim ao se constatarem sem chão, sem escada. Pois aí, como nos repete o Mantra entoado por Nando Reis, o coração deles... acordará.

Quando os endinheirados entenderem o que é uma vida de privação, o país será finalmente outro, e de todos.

*Até o dia 16 de julho, David Coimbra escreve no Jornal da Copa, encartado nesta edição.

CLÓVIS MALTA