Jaime Cimenti
Rua da Praia, 27/06/2017
Eu não ia escrever sobre a Rua da Praia, mas a conheço há mais de 60 anos. Caminho por ela três ou quatro vezes por semana, e ela pediu encarecidamente ao modesto cronista que falasse com ela. Então achei melhor não a contrariar e cumprir minha tarefa de biografar o cotidiano com todo o prazer e sem cobrar mais caro por isso. Me conta a Rua da Praia que o Carlos Reverbel disse que ela está enterrada no belo livro de Nilo Ruschel, que tem foto em cores de seus paralelepípedos na capa. Ela me disse que os dois queridos é que estão enterrados.
A Rua da Praia disse que não gostou muito quando o Iberê Camargo falou que ela revelava o achinelamento nacional, mas o perdoou e reza por sua alma. A Rua da Praia, ou Andradas, para os oficiais, me conta que já foi moça e mulher vestida com roupas elegantes, joias finas, artigos de luxo e frequentadora de lojas, restaurantes, bares e confeitarias requintados. Hoje, me diz ela, me sinto mais popular, democrática, diversa e meu comércio gira em torno de farmácias, telefones, moda mais básica, spinners e outras mercadorias vendidos por camelôs.
Os camelôs, ou melhor, vendedores ambulantes, mesmo quando estão parados e não deambulam, seguem na Rua da Praia, vendendo roupas novas e usadas, brinquedos, acessórios para telefone, chapéus, livros e dezenas de coisas mais. Os músicos da Rua da Praia, me conta ela, nunca tiveram nível tão alto e seguem a antiga tradição de se apresentarem no palco mais digno que existe: na praça e na via pública, para deleite de muitos passantes.
A Rua da Praia me diz que não pretende morrer tão cedo e que torce por revitalizações diversas, especialmente a do cais Mauá. Me diz a Rua que gostaria de mais companhia de noite e aos fins de semana, e que sonha com mais moradores e atividades profissionais no Centro Histórico.
Não sou saudosista e não me sinto diminuída por contar agora com passantes mais populares e comércio mais modesto, diz a Rua da Praia, que segue viva e torcendo para que os escritórios, lojas e apartamentos desocupados sejam logo alugados, dando mais movimentação e energias ao local. A Rua da Praia me disse que não tem ciúmes da Padre Chagas, sua irmã mais moça e de menor extensão, que hoje se tornou o vale do silicone e conta com menobares - rincões do climatério, calçadas da fama e da grana e outras firulas.
A Padre é outra praia, é outra passarela, me disse a Andradas, com sua majestade antiga e sua história incomparável. Hoje, 27/06/2017, a Rua da Praia me ofereceu momentos felizes e surpreendentes. No edifício número 1.512, ocupado pela Associação Nacional de Aposentados pela Previdência Social (Anapps), às 15h, no térreo, estavam aposentados cantando e dançando, inclusive contando com uma rainha com faixa e tudo. Toda terça tem festa, das 14h às l6h, para alegria de muitos que se divertem e esquecem de suas dificuldades de aposentados pelo INSS. Sinto-me feliz com isso, disse a Rua da Praia.
a propósito...
A Rua da Praia disse que aguarda, ansiosamente, pelo dia do conserto do piso de basalto e pelas obras de revitalização previstas pela prefeitura.
Disse que quer seguir democrática, plural, popular, diversa e única, especialmente na esquina democrática, palco livre de todos para variadas manifestações, políticas, musicais, comerciais e outras que a cidadania achar conveniente. A Rua da Praia pede que tudo seja feito na Santa Paz, que é o melhor para todo mundo.
A Rua da Praia deu tchau pedindo para eu não desaparecer, mesmo que deixe de trabalhar no Centro. Disse que gosta muito da gente, que sem as pessoas se sente tão sozinha como um pé de sapato sem o outro, como disse o Mario Quintana, que ainda caminha por ela. - Jornal do Comércio (http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2017/06/colunas/livros/570645-o-libano-no-brasil.html)