AUTOPROPAGANDA EXPLÍCITA
Foi por isso que traduzi o mais maldito dos poetas franceses, Charles Baudelaire, e o mais maldito dos escritores europeus contemporâneos, Michel Houellebecq. Sem contar que trabalhei com três extraordinários sociólogos marginais, embora célebres, Edgar Morin, Michel Maffesoli e Jean Baudrillard. Tudo para ser maldito.
Volta e meia, porém, golpes duros são desferidos contra a minha imagem. Faz quatro anos, por exemplo, que a Câmara Rio-Grandense do Livro me inclui entre os 'patronáveis' da Feira de Porto Alegre. Felizmente para a minha má fama, eles nunca me escolhem.
Um golpe ainda mais poderoso, por iniciativa do vereador Cláudio Sebenelo, terá o seu ponto alto na sexta-feira, 19 de setembro, quando receberei o título de Cidadão de Porto Alegre. Pode uma coisa dessas? Como ficará a minha biografia?
Que dirão os meus admiradores dentro de cem anos? Se continuar assim, vão me convencer a transferir o meu túmulo de Palomas para a Capital. Resistirei. Não quero ser enterrado, ainda que faltem algumas décadas para isso, olhando para o Olímpico.
Não se trata de uma manifestação de intolerância contra o 'grande irmão', mas de conforto e tranqüilidade pós-morte. Cidadão de Porto Alegre! Fiquei perplexo. Confesso que já me sinto parte desta cidade e tenho saudades dela quando ando pelo mundo.
Gosto desse jeito meio provinciano, meio arrogante, sensual, zombeteiro e irônico da nossa cidade (já estou me sentindo incluído).
Passei dois anos escrevendo um romance, 'Solo', que lançarei na próxima segunda-feira, 15 de setembro, a partir das 19h, na Livraria Cultura, com o intuito de fazer o mais maldito livro da literatura brasileira do século XXI. Desafio alguém a escrever um texto mais corrosivo, ferino e engraçado.
Como pode, no entanto, um autor maldito ser condecorado 'cidadão' na mesma semana de lançamento da sua obra mais devastadora e irônica? Só posso imaginar que há uma conspiração contra mim. Uma terrível conspiração de amigos para abalar a minha trajetória bem-sucedida de maldição.
Eu tenho um nome a zelar. Ainda bem que a mídia do centro do país, desancada por meu personagem, um publicitário em crise existencial e influenciado pelo guru Louro José, não participa desse complô, silenciando ferozmente a respeito de 'Solo'.
Se vier a falar, estou convencido, será para massacrá-lo, restabelecendo parte da minha reputação. Salvo se for ainda mais ardilosa e der a capinha do livro e três linhas de resumo. Ainda tenho chances de recuperação.
O ano de 2008 foi terrível para a minha imagem maldita. O governo francês me fez chevalier. Agora, impiedosamente, os vereadores de Porto Alegre me transformam em 'cidadão'.
O generoso Sebenelo vai perder votos por causa dessa idéia insana. Não posso ceder. Morrerei atirando. A minha salvação são os leitores dos meus livros.
Quer dizer, a falta de leitores. Esses são fiéis a mim. Não me lêem e pronto. Especialmente os meus melhores livros. 'Solo' certamente entrará para a lista dos 'menos vendidos' do século.
Quando quero esconder uma informação sem correr o risco de esquecê-la, ponho-a num dos meus romances. É o mais seguro de todos os lugares. O que falta ainda para a destruição da minha credibilidade? Será que vou acabar na Academia Brasileira de Letras?
juremir@correiodopovo.com.br
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