13 de setembro de 2008
N° 15725 - CLÁUDIA LAITANO
Cada um no seu quadrado
O negócio começou como uma brincadeira entre estudantes em Bauru, passou por Diamantina, chegou a Belo Horizonte, estourou em Porto Seguro e virou fenômeno nacional com a ajuda do You Tube e do programa Caldeirão do Huck.
A Dança do Quadrado oferece o pacote completo das músicas de apelo popular, uma combinação infalível de ingredientes fadados a cair no gosto do público: coreografia fácil de imitar, refrão grudento (“ado-a-ado, cada um no seu quadrado”) e ritmo contagiante (a batida funk).
Com o elemento simpático de não ter sido forjado no laboratório de uma gravadora.
Trata-se daqueles sucessos construídos no boca-a-boca, que se espalham por contágio direto antes de tomar de arrasto as audiências remotas através da internet e da televisão.
Fenômenos de público como a Dança do Quadrado são freqüentes no Brasil. Vão e vêm tão rapidamente que muita gente nem sequer nota que eles passaram – aquela fatia da população que não vê televisão aberta, não ouve rádio ou não têm filhos que vão a festinhas e voltam cantando músicas grudentas.
O curioso nesta mania musical em particular foi a rapidez com que o refrão se instalou nas conversas cotidianas – inclusive entre interlocutores alheios a sua origem dançante e as suas múltiplas versões exibidas na internet.
Com seu exíguo conteúdo de alerta aos limites da figura geométrica, o “cada um no seu quadrado” foi rapidamente adotado e virou bordão. Como diz muito pouco, pode dizer quase tudo – e esse é o segredo do sucesso tanto das coisas muito estúpidas quanto das muito brilhantes.
A um espírito beligerante, a frase poderia soar como um convite ao individualismo e às escaramuças de fronteira, mas foi provavelmente sua mensagem involuntária de respeito às diferenças que caiu no cordial gosto popular.
Não há bate-boca que não perca força quando uma das partes lembra que, afinal, gostar ou não gostar sempre deveria ser permitido. Inclusive quando o assunto é funk.
Instalados no outro extremo da música popular brasileira, aquele das canções que não tocam no rádio, não passam na televisão aberta e não batem recordes de visitação no You Tube, dois compositores que fazem o trânsito entre a reflexão teórica e a prática musical apresentaram-se juntos em Porto Alegre no último fim de semana.
José Miguel Wisnik e Arthur Nestrovski são artistas, mas também intelectuais.
Se essa é uma vizinhança relativamente tranqüila na literatura, na música, e mais ainda no palco, há todo um repertório de gestos e movimentos, de uma parte e de outra, que podem ser contraditórios – e também o risco de que o resultado musical desse encontro entre prática e teoria resulte excessivamente cerebral.
O show, com efeito, evolui lentamente em termos de emoção – tanto no palco quanto na platéia.
Mas essa lentidão, essa sedução vagarosa e exigente da platéia antes do arrebatamento final, é exatamente o que garante a profundidade da experiência musical que os dois proporcionam.
Uma música que homenageia a inteligência do ouvinte, sem deixar o coração de lado. Mas definitivamente desaconselhável para acompanhar coreografias em Porto Seguro.
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